SE ME PERMITEM SONHAR II
Chico Whitaker
O grande argumento dos
que são favoráveis ao voto obrigatório é o fato das campanhas eleitorais criarem
uma ocasião para a formação política de todos nós, cidadãos e cidadãs, sobre
nossos problemas e as alternativas para resolvê-los - contando até com horários
especiais na TV e nas rádios. Mas no Brasil quem manda no conteúdo e na forma
das campanhas não são os candidatos, nem os dirigentes políticos, mas os
marqueteiros. Os candidatos a vereador podem conduzir suas campanhas como
queiram, quando não têm dinheiro para pedir o auxilio de publicitários. Mas
quem postula o cargo de Prefeito está condenado – até pelo seu partido, que
paga as despesas - a seguir à risca as instruções destes profissionais.[1]
E eis que chegamos ao
final de mais uma campanha, agora para Prefeitos e Câmaras Municipais com o
sentimento de frustração de sempre.
As campanhas dos marqueteiros
O mundo dos
profissionais da publicidade é o da concorrência, da impiedosa competição entre
empresas. Para vender sabonetes necessariamente têm que dizer que o que
propagandeiam lava mais branco. Se baixarem as vendas, perdem o emprego, e as
empresas - e os que nelas investiram - vão para o brejo. A luta é de vida ou
morte. Os marqueteiros também competem pelas maiores remunerações. Seu sucesso
não tem muito a ver com objetivos propriamente “políticos”. Ganha o mais
“milagroso” – ainda que use propaganda enganosa – que eleja o candidato mais
“difícil”.
Os “bonecos manipulados”
– e suas gravatas ou lenços bem combinados, a roupa impecável, os óculos e os
cabelos que convém à imagem a transmitir – não podem parecer desagradáveis, nem
dizer coisas de que uns e outros não gostem ou que os amedrontem, ou “dividir”
a população. Para acertar a pontaria pode-se usar as pesquisas de opinião, que modificam
até enredos de novelas em pleno curso. As campanhas eleitorais se transformam assim
em campeonatos de promessas e juras de fidelidade. Especialmente aos setores
sociais em que se aninhe o maior número de votos.
As promessas são
necessárias, é óbvio. E tem que ser realizáveis, aparentemente pelo menos, para
ganharem credibilidade. Mas é incogitável levantar dúvidas sobre o que se vai
fazer. Nunca se pode admitir que o candidato (ou seu partido) tenha cometido
algum erro. A memória, por sua vez, tem que parecer prodigiosa, sem falhas em
números, sem demonstração de insuficiências de conhecimento. Assim como é inimaginável um candidato
modesto... A simpática expressão “afinal, ninguém é perfeito” até pode ser
usada, mas em tom de brincadeira, para que o “boneco” pareça humano. O
“sabonete” de vez em quando não lava assim tão branco? Dizer isso seria um
autêntico suicídio comercial - e eleitoral. Imagine-se então um candidato
humilde... E de fato se há algo que exigiria muita humildade é aceitar mandatos
para resolver os problemas de um país, de um Estado, de uma grande cidade... O
que é para ser realçado nas campanhas é o enorme poder daquele que está
pretendendo “comandar” uma maquina administrativa às vezes imensa.
Nesse quadro, qual
candidato teria a coragem de dizer que as coisas são um pouco mais complicadas
do que parecem ser? Somente aqueles que entrem no páreo só para aproveitar a
tribuna... Em plena 2ª. Guerra mundial Churchill disse um dia aos ingleses,
cujo governo chefiava, que só podia prometer “sangue, suor e lágrimas”. Mas naquele
momento aviões e bombas zuniam sobre as cabeças em seu país. Em nossas terras –
nem tão pacíficas assim - não é preciso ir tão longe, por mais dramáticos que
sejam os problemas. Mas basta prometer por exemplo uma inversão de prioridades –
ainda que seja em nome da justiça social, algo que ninguém se atreve a
contestar - para já criar resistências eleitorais. É preciso ser corajoso mas
também maneirar...
Deseducação e passividade
Não há portanto espaço
em nossas campanhas para ingênuas pretensões de formação política dos cidadãos
e cidadãs. Nem mesmo para esclarecimentos sobre as funções e responsabilidades dos
poderes políticos, para que se possa exigir que cada um cumpra efetivamente sua
função. Com isso, em vez de educativas, como deve ser toda atividade política, as
campanhas eleitorais se tornam deseducativas. E são extremamente prejudiciais à
democracia porque levam à passividade dos cidadãos.
Em texto escrito ao
final da campanha presidencial de 2010[2],
lembrei uma imagem usada entre os que sonham com o “outro mundo possível”,
frente ao desafio da superação do sistema capitalista: nenhum David terá uma funda tão certeira para desequilibrar o gigante
de um só golpe. O que precisamos é da
infinita multiplicação de enxames de abelhas atacando continuamente o monstro,
por todos os lados. Se alimentarmos a passividade nunca teremos abelhas em
quantidade suficiente – ainda que seja somente para resolver os problemas por
exemplo de São Paulo, outro monstro que nos esmaga.
Na campanha que agora
termina a frase mais ouvida foi: vou fazer isto, vou fazer aquilo. Vou fazer
muito mais que os outros e coisas muito mais importantes que as dos outros.
Garanto, com base no que já “fiz”! Na verdade a postura básica de quem postula
cargos de “comando“, como se diz, é fundamentalmente paternalista, no estilo do
“deixa prá mim que eu resolvo”. Ela mantém a dependência dos cidadãos e
cidadãs. Eleja-me que você terá casa, emprego, transporte, médico, comida. As
coisas acontecerão porque quem comandará serei eu. E ninguém mais. Há até os
que dizem: serei “durão” – por exemplo com malfeitores, bandidos violentos, corruptos,
aproveitadores da desgraça ou da fraqueza alheia.
Quem tem filhos ou
filhas sabe que não podem mantê-los sempre na sua dependência ou proteção. A
solidariedade familiar é necessária, mas eles têm que transmitir critérios que os
ajudem a crescer e se tornarem autônomos, em vez de ficarem sempre agarrados,
infantilmente, à barra da saia da mãe.
Ora, nossos políticos parecem
preferir que fiquemos permanentemente agarrados à sua onipotência, como cidadãos
passivos – que participam da política como espectadores e esperam pelas
autorizações e concessões que virão de cima. Sua postura é a de quem quer
manter a sociedade infantilizada. Pagarão um preço por isso: o agravamento dos
problemas que têm que resolver e o surgimento de cada vez mais problemas. E o sentimento
de impotência dos cidadãos levará cada vez mais gente a sonhar com mudar-se
daqui, no caso de nossa cidade de São Paulo. Ao mesmo tempo em que,
kafkianamente, desesperançados (e iludidos) de outros lugares sonham em vir
para cá.
Mas o que está por
detrás da obediência dos candidatos aos marqueteiros, para que procurem nos
enganar sobre sua onipotência? Talvez seja também o seu medo de que nos
emancipemos, se descobrirmos que o candidato não pode tudo e nós temos força
política como sociedade. Essa força pode se tornar maior do que a dos outros
com quem ele compete pelo poder. Com estes - inclusive seus adversários - ele
pode se “acertar” depois de eleito, para juntos tentarem evitar, tristemente,
algo que lhes parece um mal maior: uma sociedade capaz de exigir que cada um
cumpra seu papel - até como oposição. Cidadãos ativos, com capacidade de
criticar, reagir, resistir, são de fato uma ameaça ao poder conquistado ou a
conquistar, na medida em que assumam corresponsavelmente seus deveres e, criativamente,
funções que não estão sendo assumidas, ao mesmo tempo em que exijam o respeito a seus direitos.
O autoengano
Nossas campanhas
eleitorais têm outro efeito igualmente danoso: a armadilha do autoengano. Campanhas conduzidas por marqueteiros levam
os candidatos, à força de fazê-los repetir mil vezes “sou o maior e o melhor” -
como dizem todos os sabonetes - a passarem a acreditar que podem mesmo tudo,
que tudo sabem, que sabem tudo o que querem, e que suas ordens serão sempre e
inteiramente obedecidas. Todos conhecemos a vaidade como uma das fraquezas humanas.
Assim, não serão
somente os marqueteiros os culpados dessa autêntica distorção de nossas
campanhas eleitorais, reduzidas a campanhas de vendas de ultra-produtos. Os
próprios candidatos acabam se considerando ultra-produtos. Não fosse assim não
falariam com tanta segurança diante de câmeras e de eleitores. Nem se
entregariam, imediatamente depois de eleitos, ao afã de destruir tudo que seus
antecessores fizeram - ainda que tenha sido benéfico para o povo.
Se não conseguirmos
que os candidatos abandonem essa postura de onipotência, as eleições serão
sempre uma pura repetição de promessas salvadoras. Até que ninguém mais vote em
ninguém, por falta absoluta de credibilidade dos candidatos. Que nos alerte o alto
número de abstenções, votos brancos e nulos, que em São Paulo e outros lugares não
foi desprezível nestas eleições de 2012. As pessoas não são assim tão ingênuas
para achar que para “fazer coisas” basta a vontade do Prefeito.
É preciso que seja
dito, numa campanha, que o poder de um Chefe de Executivo eleito não será ilimitado.
Ele terá que enfrentar muitas “vontades” diferentes da sua. Por exemplo, no
caso municipal, a da Câmara de Vereadores, que deve, além de fiscalizar o
Prefeito, dar-lhe as indispensáveis autorizações para agir, por meio das leis
que aprove. Como atuarão os vereadores? Quais interesses os terão ajudado a serem
eleitos? Serão os mesmos que o Prefeito se propôs a defender ou que o ajudaram
a se eleger? Como a mídia (e os
interesses por trás dela) reagirá frente à “vontade” do Prefeito? E os partidos
que perderam a eleição e utilizarão todos os meios que puderem para ganhar de
novo o poder, até impedindo uma boa gestão ou pelo menos desgastando o Prefeito
eleito? E os outros políticos que competem com o Prefeito - até dentro de seu
próprio partido - em seus eventuais sonhos de voos mais altos? E os
emperramentos da máquina administrativa, mal acostumada, recheada de filiados a
partidos opositores? Que alianças terá que fazer para que ele mesmo ou pelo
menos seu partido se mantenha no poder conquistado? Ou pelo menos para obter
maioria na Câmara e esta não atravanque o exercício de sua ”vontade”? Nem
falemos de probleminhas tipo corrupção... Que cercarão o Prefeito de todos os
lados... Nem da desilusão que pode criar,
tanto maior quanto mais altas as expectativas criadas - o que não nos falta são
exemplos disso. E isto é ainda mais perigoso na difícil construção da
democracia.
A pergunta a esta altura de nossa reflexão poderia ser: não dá então para
explodir esse esquema, já que ele parece tão negativo? Ou seja, fazer com que
os publicitários – respeitando-os como profissionais, desde que não se
disponham a prestar outros serviços, como estamos vendo em tempos de julgamento
do dito “mensalão” - desenvolvam campanhas eleitorais que justifiquem o voto obrigatório?
Isso é evidentemente assunto
para daqui a dois ou quatro anos, já que esta campanha terminou. Mas talvez
possamos, no embalo da preocupação com nossa cidade de São Paulo, refletir um
pouco sobre alguns dos conteúdos que poderiam ter sido abordados na campanha
eleitoral de uma cidade imensa como São Paulo.
Para isso peço licença
para retomar alguma coisa do artigo que escrevi no final da campanha
presidencial de 2010, a que já me referi.
A relação Executivo-Legislativo
O titulo do artigo de 2010
- “Se me permitem sonhar” - indicava minha distância do que nos tinha
sido impingido pelos marqueteiros. Falei das questões que gostaria que Dilma
enfrentasse, se fosse eleita como eu esperava. Mas me parece que elas continuam
válidas para o nível municipal de governo. Atrevo-me então a escrever “Se me permitem sonhar II”, com mais
alguns “sonhos”, esperando agora que Fernando Haddad seja eleito.
A primeira questão foi
a necessidade de “uma completa
reviravolta” nas relações entre Executivo e Legislativo, para enfrentar
distorções “que fazem parte da nossa
cultura política há muitíssimos anos”. Surpreendentemente este tema ganhou espaço, na consciência
nacional, durante o ultimo mês das campanhas municipais. Por uma coincidência
forçada ou não, ele irrompeu em nossas televisões e jornais, com o julgamento,
pelo Supremo Tribunal Federal, de crimes relacionados com essas distorções.
Ficaram de lado outras
distorções de nossas práticas, já elencadas pelas propostas de reforma política
que circulam[3].
E não sabemos se o STF julgará também outros “mensalões” e trocas de favores,
consolidando sua jurisprudência. Sem duvida, no entanto, algo se avançou,
embora tenha sido pena que o custo do avanço tenha sido pago por um partido
criado para combater também tais práticas. Mas ele foi a “bola da vez”: caiu na
armadilha em que estavam presos os demais partidos, para gáudio dos que o temiam.
Esse julgamento repercutirá
nas relações Executivo-Legislativo ao nível federal. O usual “é dando que se
recebe”, da ironia do finado Deputado Cardoso Alves, terá que ser mais
cuidadoso... Mas ele repercutirá necessariamente também nas relações dos Prefeitos
com as Câmaras Municipais, onde tais distorções também existem e muito, embora
em escala menor.
A nível nacional, os interesses
em jogo, nas decisões que o Executivo deve que tomar e o Legislativo autorizar,
estão de fato em patamar mais alto. Como são por exemplo os das grandes empreiteiras
de obras públicas, dos bancos, do agronegócio, dos “ruralistas” e
desmatadores, e até de esquemas
internacionais.
Mas numa cidade imensa
como São Paulo as grandes empreiteiras também se fazem presentes, já que as
obras viárias são também de grande porte. Surgem até esquemas internacionais,
como o da FIFA orientando nosso planejamento urbano, como já disse um professor
da USP. E em São Paulo emergem com igual força os interesses imobiliários, que estão
entre os que mais lucram nas grandes cidades. Seis vereadores da CPI da Câmara Municipal
sobre os frequentes incêndios nas favelas, nos quais se suspeita da ação do setor
imobiliário, tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por esse setor...[4]
Que poder terá o Prefeito para enfrenta-lo, quando se tratar de coibir a
especulação e controlar a verticalização que ele impôs à cidade, através de
leis a serem votadas pela Câmara?
Assim, nesta campanha
eleitoral municipal bem que poderia ter sido enfocada a questão da relação
entre Executivo e Legislativo – onde se situa, como eu disse em 2010, o ninho
da serpente da corrupção, com o usual sistema de cooptação (para não dizer compra)
de maiorias. Em vez disso, ela ficou como sempre centralizada na eleição do
Prefeito, com os candidatos a vereador – e suas respectivas “éticas” - se
agitando em torno dela como enfeites desnecessários.
A superação do capitalismo
Mas a segunda questão do
meu texto de 2010 era bem mais atrevida. Já que se tratava de
sonhar, porque não enfrentar a necessidade de superar o sistema capitalista em que o Brasil está inserido, dada a possibilidade,
necessidade e urgência do “outro mundo possível”? “Nada mais nada menos”, escrevi então, pedindo perdão pela ousadia e
tentando explicar longamente o porquê dessa ousadia.
Ora, a superação do
sistema é algo que caberia muito bem discutir também em São Paulo, pelo menos
pelos candidatos que também acreditam que esse “outro mundo” é necessário: outro
professor da USP, dos meus velhos tempos, já disse que a cidade não era senão
uma “lucrópolis”. Haveria questões cuja discussão na campanha elevaria o nível
de consciência geral sobre as causas de muitos de nossos problemas. Como essa
tendência a privatizar serviços públicos rentáveis, ou mesmo discutir se as
parcerias publico-privado são melhores para o publico ou para o privado...
Mas a mudança do sistema
econômico é um todo, que só é cogitável se atingir todo o país, ainda que seja por
etapas. A dificuldade já é grande a nível nacional, quando se vê nossas “ekipeconomicas”[5]
raciocinando somente “dentro” do sistema: suas “políticas anticíclicas” frente
à crise mundial do capitalismo, por exemplo, empurram parcelas cada vez maiores
do povo a mergulhar em outro sonho, o do consumo, cuja expansão é um dos
principais meios usados para a retomada do crescimento econômico. Nem falemos
que o próprio “crescimento econômico” é um dogma que parece inquestionável, em
todo o mundo - para satisfação dos que concentram a riqueza produzida.
Como um pobre Prefeito
poderia, num mundo totalmente dominado pelo capitalismo, interferir em
políticas industriais e agrícolas, de importação e exportação, em questões
cambiais, de inflação, de comercio, de energia, de financiamento, de acordos
internacionais, para que a produção de bens e serviços no Brasil fosse desviada
da busca insaciável do lucro e se voltasse para o atendimento das necessidades
humanas?
Há noticia de
prefeituras que fazem experiências no coração do sistema, por exemplo com
“moedas sociais” que podem quebrar o domínio do dinheiro. Tais experiências no
entanto só interfeririam na marcha do conjunto se pudessem se multiplicar milhares
de vezes. O que parece meio longínquo.
Mas há questões da “grande
cidade” em que poderia ser mais claramente mostrada a necessidade de superar o
sistema. Tomemos um exemplo. Estamos todos absolutamente de acordo que a
mobilidade urbana é um dos nossos grandes problemas. A dimensão da cidade, a
verticalização e concentração provocada pelo setor imobiliário, assim como a
total insuficiência do transporte coletivo tornam esta cidade um inferno cotidiano
para a grande maioria de seus moradores – ricos e pobres. Estes gastam um
quarto de seus dias indo de suas residências ao trabalho e vice-versa, apertados
em ônibus e metrôs superlotados exatamente nas horas em que têm que se
deslocar. E só a possibilidade de multas impede os ricos – entre os que não compram
ou alugam helicópteros... – de buzinarem irritadíssimos, como se isto
resolvesse as coisas, ao se verem praticamente bloqueados em enormes
congestionamentos. Nos quais, alem do mais, têm que manter fechados os vidros
de seus carros, blindados ou não, por medo de assaltos e violência. Um risco
que também correm os usuários dos demorados trajetos dos ônibus, quando são
obrigados a completá-los indo a pé até suas casas, pela periferia afora ...
Será que a tarefa de um Prefeito é somente
buscar dinheiro para aumentar o metro ou outros meios de transporte coletivo,
ou para grandes obras viárias a serem rapidamente engolidas pelo “excesso de
veículos”, como dizem a cada cinco minutos as informações das rádios sobre a situação
do trânsito? Deve o Prefeito aceitar passivamente (ele também) que sejam
despejados todos os dias mais e mais carros novos na cidade? Porque não reagir (e
denunciar) a sede de lucro da indústria automobilística internacional - que se
prepara para multiplicar o número de montadoras em nosso país - e as opções de
política econômica que dão a essa indústria um papel central no crescimento
econômico? Em vez de viajar para Brasília com o pires na mão para criar novas
dividas para o Município, cobrando promessas de recursos sempre insuficientes, não
poderia o Prefeito levar essas questões para um debate nacional, liderando um
grito que venha de todos os moradores de sua cidade? Mas aí entra a questão:
sabemos que esses moradores não lhe darão nenhum apoio. Para muitos o sonho de
consumo é exatamente um carrinho, ainda que de segunda mão, sem nem perceber
que ele submergirá nos congestionamentos...
Nessa perspectiva é
que entra também a possibilidade de uma ação pedagógica do Prefeito, como deveria
ser a de todo político, abrindo os olhos de seus concidadãos para o fato de
estarmos todos aprisionados na roda de uma lógica implacável, que gira em torno
da busca insaciável de algo impessoal como o dinheiro; e que devemos e podemos colocar
um freio nessa roda, para recolocar nos trilhos a atividade econômica formatada
pelo capitalismo. Ou seja, para um Prefeito Municipal não se trata somente de “fazer
coisas”. Ele recebeu um mandato para resolver problemas. Mas ele pode
conscientizar seus concidadãos, conversando com eles sobre as causas desses
problemas, “para que se juntem com outras abelhas”.
A participação popular como uma necessidade
É nesta altura de
minha reflexão que será útil abordar a questão da participação popular. Não a
concedida de cima para baixo, como a de quem entrega os anéis para não perder
os dedos – como na famosa “participação nos lucros”. Ou a de quem manipula a
sociedade, para fazê-la crer que terá algum poder com as pequenas portas que lhe
serão abertas no processo decisório da estrutura burocrática do governo, neste
ou naquele “conselho”. Nem a de que é vista como um direito – que é de fato - mas
só é usado numa perspectiva reivindicatória frente ao todo poderoso Prefeito,
permanecendo portanto numa postura de dependência.
O que precisamos é da participação
provocada, estimulada, alimentada - por políticos não paternalistas nem medrosos
- que a vejam não como uma ameaça ao poder que pensam que tem, mas como um processo
que pode lhes dar mais poder, porque será então um poder conjunto de toda a
sociedade. Um poder social do qual eles é que participarão, e não o inverso, juntamente
com cidadãos e cidadãs cada vez mais conscientes das causas dos problemas que
enfrentamos e das reais possibilidades de superá-los. Um poder que poderá este
sim, crescer o suficiente para enfrentar todos os interesses que estão contra os
moradores da cidade, e que continuarão atuando tanto dentro da Prefeitura como
na Câmara Municipal.
Esse tipo de Prefeito pedirá
aos cidadãos que “controlem” sua administração e convidará a cidade a conversar
com ele, a refletir com ele sobre as prioridades das ações da Prefeitura,
descentralizando-a ao máximo para que todos tenham condições de se exprimir frente
aos problemas que vivem concretamente e que eles conhecem muito mais do que
ninguém; ele dará ouvidos de forma sistemática e continua a quem se organizar
em associações e em movimentos de luta por direitos, ajudando toda a cidade a assumir
a superação das desigualdades em suas condições de vida; consultará a população
com os plebiscitos e referendos previstos na Lei Orgânica do Município, sempre
que decisões com grande impacto na vida da cidade tenham que ser tomadas; fará dessas
consultas vastos processos de discussão dos problemas e das soluções propostas,
como se fossem campanhas eleitorais centradas em conteúdos e não pessoas; discutirá
com toda a sociedade a Lei de Diretrizes Orçamentárias, para decidir sobre as
opções do orçamento a ser elaborado para o ano seguinte, antes de levá-la à
Câmara para votação, em vez de chamar a população – e os próprios vereadores –
para uma discussão limitada de orçamentos já engessados; apresentará para a
discussão de todos, nas associações de bairro, nas escolas, o Plano Diretor que
deve orientar a ocupação do espaço urbano e a implantação dos equipamentos coletivos
de que temos necessidade. Essas e muitas outras iniciativas serão possíveis, pela
criatividade de uma cidadania ativa que sabe que detém um poder político.
Sei que é praticamente
impossível - humanamente impossível... - que aconteça o que eu estou
imaginando: que o Prefeito, depois de terminada a campanha eleitoral em que se
mostrou firme e forte, passe a conversar com seus concidadãos. Modestamente.
Humildemente. Mas o titulo deste texto não é “se me permitem sonhar”?
25/10/2012
[1] Nem por isso
- ou talvez também por isso - escapam de outras duas práticas negativas: a
partidarização exacerbada, que impede análises objetivas das propostas, e o
tiroteio que visa destruir a vida política e pessoal dos oponentes.
[2] Procurei reunir nesse texto meus argumentos sobre a necessidade de sair
do sono hipnótico em que o sistema capitalista nos mantém. Para quem tiver
paciência de o ler – é meio longo - ele está transcrito no blog
senospermitemsonhar.wordpress.com.
[3] Sobre uma dessas distorções, a do financiamento das campanhas, ler o
artigo “Propaganda eleitoral, máquina cara e nebulosa”, do Padre Virgilio Leite
Uchoa, publicado no número 237 (setembro de 2012) do Boletim “Rede” do Centro
Alceu Amoroso Lima.
[4] Dados da Justiça Eleitoral, publicados em Brasil de Fato de 11-17/10/1012.
[5] Termo usado por Elio Gasperi, em tempos de FHC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário