domingo, 7 de outubro de 2012

Joaquim Barbosa

Em compasso de espera até a abertura das urnas, vou opinar sobre a figura controversa do ministro Joaquim Barbosa, do STF. Um exercício livre.
Confesso que admiro mais o estilo intelectualizado e cuidadoso do revisor do processo do mensalão que o estilo assertivo do relator. Também prefiro a leitura minuciosa das provas contidas nos autos que o "encaixe" dos fatos a partir de uma narrativa que envolve cada um dos casos em julgamento. A narrativa pode até ser verossímil, mas me dá a impressão de atalho, de certa indolência. Algo relacionado com a frase de E.P. Thompson para quem "a história é um caos e quem confere algum sentido é o historiador". Quem estudou a lógica de construção racional da mente (inversa à intuitiva) sabe que escolhemos critérios que fornecem um encadeamento dos fatos que presenciamos. A questão é que critérios são estes e se a lógica final é uma produção real ou meramente confortável para a mente. Num campo oposto do funcionamento da mente, os sonhos transformam em alegorias aquilo que nem sempre suportamos no dia-a-dia, cambiando realidade e fantasia na construção de nossas certezas e medos. A fantasia (e os valores dela decorrentes) é tão poderosa e "concreta" quanto o que vivenciamos realmente. O que faz da eleição de critérios para definir uma narrativa lógica algo um tanto arbitrário e... fantasioso.
Dito isto, considero um desatino, independente das preferências de um leigo em direito (e que não tem em suas mãos o calhamaço dos autos e peças de defesa e acusação), fazer do julgamento uma gincana. E considero ainda mais pernicioso à democracia colocar em questão a leitura dos magistrados como se fossem militantes político-partidários. Porque significa a banalização das instituições públicas e o fim da noção de autoridade. Sennet, num texto que considero brilhante, destacava que a noção de autoridade é uma projeção. Algo que se aprende quando criança, quando se assiste um filme ou uma peça de teatro e acabamos sofrendo com a morte de um personagem, mesmo sabendo que se trata de representação. Porque se não entramos nesta lógica, simplesmente a representação caduca. Seria como, ao assistir um filme, ficássemos comentando o tempo todo como o ator envelheceu, como ficou mais gordo, como tem problemas de dicção. A relação seria externa, racional e simplesmente destruiria a construção artística, a mágica de algo que se parece com um mundo místico.
Ora, se os juízes do STF se equivocam (e, todos se equivocam na vida) o meio para reparação não pode ser a chacota ou a leitura partidarizada. Há quem veja o mundo por estas lentes. É o caso da revista Veja, por exemplo. Assim como dos militantes mais aguerridos dos partidos que disputam palmo a palmo o controle do Brasil. Mas fazer deste padrão um método para se envolver com as instituições é simplesmente fazer do mundo uma única dimensão. Seria um contrassenso  Se somos tão plurais (daí ter enveredado para a lógica racional e intuitiva e cruzar o mundo real com a fantasia para podermos suportar as agruras da vida), por qual motivo a vida social seria unidimensional? Estaríamos destruindo a história de construção dos conceitos que estruturam cada área do conhecimento e profissão. Estaríamos destruindo a história das carreiras e dos poderes. Tudo ficaria subordinado e subsumido à lógica dos partidos.
Quem, talvez, tenha procurado teorizar e entender o mundo desta maneira foi J. Posadas que escrevia sobre arte, política, história, guerra nuclear  (o nome verdadeiro deste trotskista argentino era Rómulo Homero Cristalli Frasnelli), sempre a partir de um mesmo enquadramento. Tudo ganha uma aura de coerência. O mundo fica fácil de entender, linear. Ao menos, aparentemente. Como o mundo não é assim linear, até Posadas, tão retilíneo, acabou caindo numa de suas armadilhas. Em 1968, Posadas decidiu teorizar sobre OVNIs. Traçou uma linha coerente de interpretação e chegou à fantástica conclusão que existindo OVNIs, existiriam seres que dominassem alta tecnologia. Passo seguinte, escreveu um famoso panfleto ("Les Soucoupes Volantes, le processus de la matière et de l´Energie, la science et le Socialismo") articulando discos voadores ao socialismo e sugerindo aliança política com seres de outros planetas.
Se o ministro Joaquim Barbosa erra, deve haver outros meios para restabelecer o certo. Mas colocar todas instituições num mesmo palco é empobrecer o mundo e a democracia.
Nisto, petistas e tucanos fanáticos se parecem: ambos fazem da diferença entre relator e revisor uma torcida que qualifica seu herói do dia e ameaça o vilão. A grande imprensa brasileira não vai muito longe disto. Significativamente, os opostos se aproximam perigosamente. Tanto que seus líderes se envolveram com dois casos de mensalão. E não percebem que o argumento contra uns será o mesmo que receberão quando chegar sua vez.

5 comentários:

Anônimo disse...

No meio juridico, de gente que leciona, atua e opera com o direito, esse maniqueismo, minha impressao, nao existe. Quando se faz a analise, sobretudo, da ultima sessao, ela tem um vies politico e juridico, como tudo o que se refere, ao menos, ao STF. O voto do revisor nao resiste a um teste logico-juridico primario. Que tenha estilo, va lah, eh do homem; chama-lo de mais intelectualizado, eh uma licenca um tanto exagerada.

Rudá Ricci disse...

Haroldo,
Respeito sua opinião, mas sua mensagem parece tendenciosa. É evidente que ele vota com mais apuro e cuidado. Segue a corrente garantista. O que procurei salientar é justamente o erro constrangedor desta pressão sobre os juízes. E narrativa sem provas, apenas ilações, não me parece um bom caminho. Se um dia você for acusado de algo, espero que não enfrente esta lógica-atalho

GS disse...

Pelo que entendi das leituras nesse blog, estivesse ainda o professor Rudá nos quadros do PT, estaria na posição do Délio Malheiros, antes de ser cooptado pela candidatura do Lacerda. Qual seja, do lado oposto ao do Dirceu.

Com certeza deve ser com pesar que ele vê o partido que ele ajudou a estruturar, derreter devido aos desmandos da ala do ex-todo poderoso ministro e articulista político.

Muito boa a resposta ao comentário do sr. Haroldo Pereira, que não caiamos na desgraça de sermos julgados por uma juri cuja jurisprudência flexibiliza dessa maneira para culpar um réu.

Peroratio disse...

Paguemos pra ver se "chegará" a vez deles...

Duvido...

Tomara eu morda a língua - mas DUVIDO.

Rhay Sousa disse...

Caro Rudá,

Existe um debate ferrenho qual argumento aplicar: um posicionamento mais punitivo, com uma pena efetiva (Beccaria) ou uma linha de garantir os direitos fundamentais e limitar o uso do direito penal, que é a corrente do garantismo (Luigi Ferrajoli). Essa discussão se acirra mais quando trata-se de crimes organizados, em que as provas são muito difíceis de serem produzidas. Ambas podem ser alegadas com fundamento normativo. Ora doutrina e jurisprudência inclinam se de um lado, ora escolher outro posicionamento. Acredito enquanto não tiver uma resposta que possa ter uma melhor percepção das etapas do crime organizado, ambos os argumentos se revesarão.