sábado, 12 de maio de 2012

A ausência de projeto político dos prefeitos da nova safra

1. Muitas obras e pouca inteligência
Estamos próximos das eleições municipais. Sinto que não há nem lapso de algo que se aproxime de um projeto de desenvolvimento municipal. Há, evidentemente, uma relação direta com o esvaziamento orçamentário dos municípios. Já afirmei em outros momentos que os prefeitos brasileiros se transformaram em gerentes de convênios estaduais ou - principalmente - federais. Uma breve análise da curva de popularidade dos prefeitos nos últimos dois anos indica a correspondência entre obras federais inauguradas e pesquisas de avaliação da gestão. 
O que mais assusta é a repetição de erros passados. O boom de investimentos públicos nos anos 1960 e 1970, sem qualquer planejamento integrado, explodiu em inchaços nas grandes cidades, principalmente do centro-sul do país. Concentramos renda e obras. Invadimos áreas de mananciais. Crescemos de maneira desordenada.
Sustento que logo estaremos presenciando algo do gênero. Praças da Juventude, Casas Populares, extensão de universidades federais, criação de núcleos de institutos federais, construção de creches são necessidades históricas da nossa população. Mas não percebo nenhum planejamento que integre tais obras que, quase sempre, são dádivas que são oferecidas por caminhos apartados: de emendas parlamentares à ação junto aos escaninhos de cada ministério ou autarquia pública. As prefeituras, que poderiam agregar obras a partir de um projeto estratégico, só sabem somá-las ao "scout"  de votos em cada bairro ou segmento social. A somatória de obras gera, como não poderia deixar de ser, um frankenstein.
A opulência atual de obras não está acompanhada de inteligência. 
Não há qualquer empenho em alterar a cultura política local ou o grau de desorganização social da grande maioria dos nossos municípios. O conservadorismo da ação política é evidente.


2. De onde vem a ausência de projeto?
Não vou listar muitas hipóteses para responder a questão acima. Vou me concentrar numa possibilidade, pouco comentada e, por este motivo, atrativa para esta ponderação. 
Nos anos 1980 emergiu uma corrente de prefeitos, embalada pelo municipalismo ou pela redemocratização, que pensava longe. Cito, como ilustração, o caso de Lages, que teria iniciado uma vaga de iniciativas de gestão compartilhada, o participacionismo no processo decisório de órgãos públicos. 
Do ponto de vista partidário, a inovação municipal veio do MDB, depois se espraiou pelo PMDB (em parte), PDT e PT. Esses partidos tentaram criar alguma reflexão sobre modelos de gestão municipal. O PT chegou a dar um título: modo petista de governar. Falava em inversão de prioridades. O PMDB foi rareando suas reflexões mais ousadas com a lenta queda do refrão municipalista, que se arrastou até meados dos anos 1990. O último líder peemedebista de peso a sustentar esta bandeira foi Orestes Quércia. A substituição do trabalhismo pelo lulismo foi diminuindo, na mesma toada, o ímpeto pedetista, que foi se concentrando na lógica sindical, como se percebe nitidamente nos dias atuais.
Restou o PT, até 2004. A partir daí, com orçamento público concentrado na União (entre 55% e 60% do total) e as benesses caindo em cascata a partir de Brasília, o modo petista deixou de ser o de governar, alterado pelo modo de construir uma ampla agregação de forças políticas, numa espécie de neogetulismo. 
O que gostaria de sugerir é a hipótese de mudança interna na elaboração dos partidos mais progressistas, comprometidos com a transformação política e social dos municípios. 
Ocorre, em quase todos partidos, a construção quase sem reações internas, de uma nítida hegemonia pragmática, de operadores políticos, que quase sempre aproximam agentes econômicos da prática partidária. Daí nascem alguns escândalos atuais. Números e negociações para aproximação substituem projetos para os municípios. Nomes e cargos substituem a preocupação com bairros e lideranças sociais. 
Lideranças vinculadas à movimentos sociais, ONGs e instâncias das correntes mais progressistas das igrejas do país começaram a se dispersar. Perderam poder e financiamento. Lideranças católicas, comprometidas com a Teologia da Libertação, foram sendo substituídas por lideranças mais personalistas, mesmo que vinculadas à estrutura eclesial. Não falam mais para fora, não organizam populações despossuídas ou marginais. Não trabalham temas polêmicos. São mediadores ou negociadores. Alguns se tornaram proprietários de feudos partidários regionais. Diretórios municipais e vereadores se articulam, invariavelmente, a deputados. Caso contrário, falam sozinhos. 
Essas lideranças político-religiosas são, hoje, pragmáticas e pensam que a experiência religiosa é pessoal, tal como sugere a Renovação Carismática. Não é uma construção coletiva. É pessoal. O peso da ação individual é maior, neste caso. O nome é maior que o mandato coletivo. Tal convicção cria um "protocolo político", um jeito de fazer política a partir da personalidade do líder regional. 
Cito este segmento específico dos dirigentes de origem religiosa porque por muito tempo se consolidaram como energia moral do engajamento social das ações políticas nos municípios. 
Sem esta energia moral, o engajamento na Pólis vai minguando. Os grupos que se digladiam pelo poder interno são acometidos de miopia política. O que, quase sempre, redunda em conservadorismo ideológico. 
As eleições de outubro, portanto, possivelmente serão as que apresentarão conteúdos mais anódinos ou conservadores do ponto de vista de um projeto de desenvolvimento municipal. Porque os candidatos, com raras exceções, não pensam seu município. Pensam meramente no certame. Os poucos que se arriscam a dar um passo adiante se isolam em seus próprios partidos. São até elogiados. Mas não têm poder real. 
Assim, dificilmente veremos outro Celso Daniel surgindo nos próximos anos no cenário político brasileiro. 

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