sábado, 25 de junho de 2011

Clubes do livro e cinema do século XX



Meu pai me dá o Estadão para ler (ele foi correspondente deste jornal durante anos). Duas matérias me chamam a atenção. A primeira, um artigo do José Arthur Gianotti sobre os Grundrisse de Marx. Acho que meu gosto pelos textos de Marx revelam um pouco de minha personalidade. Eu gosto dos Manuscritos Econômicos-Filosóficos e dos Grundrisse. Eles são mais empolgantes e é possível acompanhar a aventura da escrita de Marx. Menos acabados, mais românticos, mais filosóficos, mais humanos. Não gosto de grande parte d´O Capital, principalmente os capítulos mais técnicos e econômicos. São muito burocráticos e pouco hegelianos.
De qualquer maneira, o outro artigo é tão ou mais interessante. Um artigo de Sérgio Telles, intitulado "Hemingway e Allen em Paris". Vou assistir o filme de Woody Allen sobre Paris e a vida amanhã, quando estiver em São Paulo (estou aqui abaixo das raízes, em Tupã, onde nasci). O filme, pelo que li nas críticas e pela "leitura psicografada" de meu pai (ele não assistiu mas, pelo visto, inspirou Allen pelo grau de elogios que vem destilando nesses dois dias que estou com ele) tem uma relação direta com o que faz gostar de alguns textos de Marx: a paixão pelo presente e pela compreensão de que a vida é mais tortuosa que uma fórmula matemática.
A leitura dos dois artigos provocou uma conversa com meu pai. E nos lembramos dos clubes culturais que invadiram as cidades interioranas na primeira metade do século passado e que reverberaram anos depois, até sumirem engolfadas pela internet do final do século. Os clubes do livro e do cinema não eram raros. Principalmente em cidades universitárias ou que acolheram recém formados em universidades. Eu peguei a rebarba final desta experiência. Criei um cineclube aqui em Tupã com outros da minha idade que também viviam com um pé aqui e outro nas cidades universitárias. Os cineclubes, nos anos 1980, pareciam progredir. E havia a rede de Clube do Livro, inspirado na lógica norte-americana, mas que se reportava aos clubes do livro de algumas cidades do interior.
Imaginem jovens intelectuais, formados na USP ou UNESP, e que não tinham uma livraria à sua disposição nas cidades interioranas. Não tinham nem mesmo com quem conversar sem parecer pedantes. Tomar vinho, comer queijos e discutir um livro seria uma quase ofensa, um tapa na cara daqueles que raramente ultrapassavam os limites de uma porteira ou cujo momento mágico era encostar na lateral do carro com um cigarro entre os dedos e ficar olhando quem passava na principal avenida, construindo aquele estranho corredor polonês que alguns denominavam de "footing" (olha a tentativa de esconder a busca intelectual, gente!).
Nos anos 80 eu presenciei alguns exemplos de clube do livro em Assis, onde minha esposa estudava. Professores da UNESP de lá se encontravam em junho e julho para beber um vinho e discutir um livro ou tese recém lançado ou defendida.
Fiquei pensando se esta era a motivação do famoso seminário sobre O Capital que envolveu Gianotti, Fernando Henrique Cardoso e Roberto Schwarz, entre outros. Não sei se uma iniciativa como esta - tão próxima da lógica parisiense - se repete nos dias atuais. Imagino que a solidão virtual inibe associações intelectuais desta natureza.
O que faz da solidão intelectual algo que se espraia pelas comunidades acadêmicas e destrói a possibilidade da extensão universitária informal.

Um comentário:

SENÔ BEZERRA disse...

"A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas".

Karl Marx
Juro que tentei ler o Capital 2 vezes.Foi impossível para mim dada a minha ignorância.Mas confesso amigo Rudá, que mesmo chato, Marx estava certo em muitos pontos. Alguns pontos de vista que ele expressou soam tão atuais , que fico imaginando que ninguém deu a mínima para o que ele disse. Eu sempre pensei o comunismo como um sistema econômico e não político. Acho que errei duplamente.O comunismo é uma utopia.