Zé Eli da Veiga publica um interessante o oportuno artigo no Valor Econômico que leva o título de "Vislumbre do pós-lulismo". O artigo sugere, a partir da leitura do livro de André Singer, no "pulo do gato" de Lula: manter a ordem e driblar qualquer confronto com o empresariado, com o objetivo de melhorar as condições de vida das camadas miseráveis, principalmente as concentradas no nordeste.
Zé Eli não tem a mesma boa vontade com o PT, para quem evoluiu com desconcertante rapidez para o reformismo gradualista de tipo conservador.
Voltando ao lulismo, Zé Eli sustenta que o lulismo só poderá ser superado em meados deste século. O cálculo é básico: a miséria, nas suas contas, só será superada em 2030, possivelmente em 2060, caso as bases do lulismo sejam alteradas, em especial, por algum ataque predatório agromineral exportador.
Em seguida, desfila um início de agenda pós-lulista e destaca o enfrentamento com os interesses patrimoniais e o ataque às salvaguardas do desenvolvimento sustentável.
Zé Eli apoiou Marina Silva nas eleições presidenciais passadas.
Embora não consiga projetar a perenidade das bases do lulismo ao longo do século, tendo a concordar com a tese geral do autor. Mas, gostaria de destacar as bases do lulismo. O lulismo é uma adaptação tupiniquim do fordismo (ou fordismo keynesiano), nascido nos EUA a partir de 1933 e que se espraiou pela Europa em derivações mais ousadas e até para a Ásia. A Escola da Regulação francesa (inspirada nos estudos de Michel Aglietta, André Orléan, Bernard Billaudot, Benjamin Coriat, Alain Lipietz e, principalmente, Robert Boyer), ampliou o conceito de fordismo. O geógrafo norte-americano David Harvey apresentou de maneira didática o conceito em seu livro A Condição Pós-Moderna. A base desta teoria é a compreensão das crises cíclicas do capitalismo (ademais, já destacadas por inúmeras escolas teóricas), mas (e aí está o "pulo do gato") que podem ser domesticada por um aparato regulatório que desenvolve políticas anticíclicas a partir de um pacto com agentes econômicos e políticos. Tal pacto tem na capacidade de investimento e orientação econômica a partir do Estado e no financiamento das atividades produtivas e do consumo de massas suas pedras de toque.
O fordismo tupiniquim, ou fordismo lulista, possui uma adaptação muito peculiar. Se apoia em cinco eixos:
1) A concentração do orçamento público na União e aumento da dependência dos entes federativos inferiores, em especial, os municípios, que passam a gerir programas do arcabouço anticíclico, via convênios com ministérios e empresas estatais;
2) O financiamento do grande capital, via BNDES e orientação dos investimentos via pré-sal e PAC;
3) O financiamento do mercado de consumo interno, focado nos produtos de alto valor agregado (ideia central de Henry Ford para catapultar a exportação dos produtos norte-americanos), via bolsa-família, crédito doméstico com taxas de juros em queda e aumento real do salário mínimo;
4) O financiamento de ONGs, movimentos sociais (grande parte já formatado como organização e não mais como movimento) e centrais sindicais, criando ambiente de investimentos estável;
5) A coalizão presidencialista, de onde se diminuiu em muito a incerteza política, já que o poder de fogo das oposições é mínimo.
Esta estrutura lógica é o que denomino de lulismo. Neste sentido, concordo com Zé Eli que estamos diante de um pacto, ou bloco no poder, que deve se manter por um grande ciclo, tal como ocorreu com o getulismo. Alguns autores, ainda afetados pelas disputas (partidárias ou até acadêmicas) ainda resistem a compreender o peso histórico desta trama. Com Zé Eli aposto minhas fichas que este é o mais poderoso modelo estatal-desenvolvimentista que emergiu a partir da crise do regime militar, aberta em 1977.
Sobre a data de sua hegemonia, não arriscaria. A política é composta por muitas variáveis e elas se desdobram de maneira competitiva, nem sempre associadas o que a transforma numa arena que projeta muitas tendências, não apenas uma. Em outras palavras, e para prestar uma homenagem ao lulismo, a política é uma caixinha de surpresas.
2 comentários:
Isso se o mundo, como o conhecemos, durar tanto!
Rt o texto. Como eu havia dito, gostei muito da lógica apresentada, de tal modo que me sentir provocado em tentar fazer algumas conexões ou relações mesmos, com alguns fenômenos como o aumento dos índices de violências no municípios brasileiros. Os municípios que, conforme o seu texto sugere, servem para administrar convênios "/articulações" do projeto maior. Mais um vez, gostei mesmo.
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