RIO E RECIFE – “Antes de Cristo vir à Terra, a mulher já tinha essa missão”, com essa declaração o pernambucano Cláudio Alencar resume o que pensa sobre a divisão do trabalho doméstico. Ele reconhece, sem qualquer constrangimento, que deixa 99% dos serviços da casa para a mulher, Linda Cruz.
A situação se torna mais injusta diante da presença da mulher no mercado de trabalho. Ela responde por 42% da força de trabalho ocupada do país e por 41% de toda a renda gerada pelas famílias. Uma presença indispensável, diante de um mercado de trabalho onde a mão de obra fica cada vez mais disputada no país presidido por uma mulher.Essa divisão desigual dos serviços do lar e do cuidado dos filhos permanece congelada no tempo. Pelos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, os homens que trabalham dedicavam 10 horas semanais aos afazeres domésticos em 2001. Em 2011, faziam 10 horas e oito minutos. Enquanto as mulheres que trabalham destinavam 24 horas e quatro minutos no início da década passada. Em 2011, a atividade consumia 22 horas e 13 minutos.
Somando-se as 22 horas do trabalho doméstico à jornada média de trabalho pago de 39 horas em São Paulo, pelos dados do Dieese, a mulher tem uma carga de 61 horas semanais. E a liberação da mulher desse trabalho requer, além da maior responsabilidade masculina no cuidado da casa e dos filhos, políticas públicas, segundo a socióloga da Unicamp, Elisabete Dória Bilac. Políticas como creches e instituições para cuidado de idosos, trabalho que a sociedade deixa em mãos exclusivamente femininas. No Brasil, somente 20,8% das crianças de 0 a 3 anos estão nessas instituições. Tatau Godinho, secretária nacional de Avaliação de Políticas e Autonomia Econômica da Secretaria de Políticas para as Mulheres, diz que o governo tem meta de construir 6 mil creches até 2014:
— Sabemos que a cobertura não é suficiente, mas cresceu muito.
Em 2004, a rede atendia 13,4% de crianças na faixa etária. Sobre os idosos, Tatau diz que começam a aparecer instituições de longa permanência de idosos e hospitais dia para suprir esse trabalho feminino.
— Nos meios de comunicação e, principalmente, nas propagandas, esse papel da mulher competente, que ganha bem e cuida de tudo da casa e dos filhos fica cada vez mais marcado — diz Tatau.
Para cumprir todos os papeis, Linda se desdobra, sem ajuda do marido:
— Faço força para chegar cedo, para dar conta do recado. A correria é muito grande, ando muito em casa e de noite sinto cansaço nas pernas, como se estivessem podres.
Ela não sabe quantas horas gasta trabalhando por dia, somados os serviços pagos e os domésticos:
— Nunca nem parei para fazer essa conta, nem quero — avisa.
E a sobrecarga tem reflexos na saúde da mulher. Ginecologista há 27 anos, Elisabete Dobao viu crescer os casos de depressão e síndrome do pânico.
— A mulher não freia nunca. Não há sistema que aguente. Não somos feitos para funcionar permanentemente. Acontecem alterações hormonais, piorando a TPM. Ela começa a ganhar peso, a memória fica fraca, aumenta a ansiedade. É uma cobrança muito grande. Ela tem que ser bonita, gostosa, sem celulite, sem estria, com cabelo arrumado, unha feita, pele sem mancha, ser supercompetente, ganhar bem, ter casa limpa e arrumada estilo “Caras” e filhos bem educados e que te amem. Uma verdadeira família margarina.
Licença-paternidade pode aumentar
A empresária Mônica Medina sabe bem como é isso. Já saiu de uma reunião de meia fina e salto alto direto para uma festa do Dia das Mães. A festa era uma gincana, na areia. Tudo pelo filho: arrancou os sapatos e passou a correr de tailleur. Mesmo com empregada, babá e motorista, a responsabilidade pelos filhos ficava mais para ela.
— Não dá para contar com os homens quarta-feira e domingo, porque há o futebol. O pior é levar horas arrumando as crianças para as festas infantis e, depois, eles é que são os heróis. Descansados, participavam mais das brincadeiras. E era assim com todos os casais com que convivíamos.
Hoje, separada e com os dois filhos criados, dedica mais tempo para o hobby de cozinhar:
— Antes meu hobby era dormir.
O objetivo de Linda é fazer o marido levar as crianças para a escola.
— Esse ano fechei questão e quem leva é o marido mesmo. Só faço isso quando ele está viajando — afirma.
Tatau, da secretaria da mulher, diz que é possível ampliar o papel do homem no cuidado dos filhos. A ampliação da licença-paternidade é um exemplo. Para Elisabete, da Unicamp, a mulher também precisa abrir mão do poder dentro de casa.
— Há uma dimensão do poder feminino no espaço privado. As decisões domésticas são da mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário