sábado, 2 de abril de 2011
Bolsonaro e a reação pelos direitos civis
O caso Bolsonaro reabriu a disputa pela agenda dos direitos civis no Brasil.
O que me chama a atenção é que esta agenda está diretamente relacionada com a sexualidade, assim como ocorreu na Itália. Na minha curta militância na Democratici di Sinistra (fui filiado ao partido pouco antes do 4o Congresso em Florença, quando foi decidida a sua fusão com um partido liberal, dando lugar ao Partido Democrático), percebi que o DiCo, lei proposta pelo governo Prodi para regulamentar a união homossexual, gerou o mesmo impacto e disputa política. Falar em direitos civis é tranquilo, até que se toca em direitos concretos, em especial, nos direitos que envolvem a sexualidade.
No programa de governo de Prodi estava prevista a criação desta legislação que ficou conhecida como DiCo, o conjunto de leis proposto pelo governo recém-eleito. A proposta gerou forte reação da Igreja, de políticos e da sociedade italiana, assim como ocorreu no final do primeiro turno das eleições do ano passado.
O nome Dico é uma abreviação de Direitos e deveres de conviventes estáveis. O conteúdo do projeto de lei acabou sendo errático e incoerente já que cedeu às pressões políticas conservadoras, em especial, oriundas do Vaticano.
Um exemplo é o primeiro artigo, no qual, para acentuar a diferença entre o casamento e este tipo de uniões, prevê-se que as “pessoas maiores e capazes, inclusive as do mesmo sexo, unidas por vínculos afetivos recíprocos, que convivem de forma estável”, para usufruir dos novos direitos, deverão comparecer aos ofícios do registro civil do município de residência. No cartório, assinariam um formulário e sua declaração não poderá ser uma “declaração conjunta”; no máximo, poderão fazê-la “contextualmente”. O projeto previa ainda que um só dos dois parceiros se apresente e, depois, comunique sua iniciativa ao convivente, “mediante carta registrada com aviso de recebimento”. Uma solução paradoxal, mas imposta pela corrente católica.
O ponto mais discutível foi, no entanto, o artigo 4, pois a possibilidade de visitar o parceiro doente não é regulada pelo Estado, mas é confiada às “estruturas hospitalares e de assistência públicas e privadas”, às quais cabe “disciplinar as modalidades de exercício do direito de acesso do convivente”. Um pouco melhor é o artigo seguinte (art. 5), que reconhece o direito de “cada um dos conviventes designar o outro como seu representante”, tanto para as “decisões em matéria de saúde”, quanto, em caso de morte, sobre as “modalidades de tratamento do corpo [p. ex., doação de órgãos] e as cerimônias fúnebres”. Além disso, são reconhecidos e confiados às regiões os direitos relativos à concessão das casas populares, à sucessão no aluguel da moradia, “desde que a convivência perdure por pelo menos três anos”, devendo ainda ser levada em conta a convivência nos contratos de trabalho tanto públicos quanto privados.
Finalmente, é previsto o direito à herança, mas somente após nove anos de convivência declarada e comprovada; a herança, no entanto, será dividida não apenas – como é óbvio – com os filhos, mas também com os irmãos e irmãs do falecido e, não os havendo, em vez de atribuir toda a herança ao convivente, será esta dividida com todos os parentes até o terceiro grau.
Diversos municípios, como por exemplo, Empoli, Pisa, Firenze, Ferrara e Bari instituíram um registro das uniões civis, definindo a disciplina correspondente e seus requisitos de acesso. O reconhecimento comunal das uniões de fato não introduz modificações no status dos cidadãos e tampouco novos direitos, sendo esta matéria reservada ao legislador nacional. A inscrição no elenco instituído junto ao Município tem, todavia, pelo menos natureza declaratória, isto é, um efeito de publicidade para os fins e objetivos considerados merecedores de tutela pela própria administração comunal (como, por exemplo, a posição nas classificações de acesso às moradias populares). Também dentre as regiões, muitas (Puglia, Toscana, Lazio, Emilia Romagna) atribuíram relevância às uniões de fato em determinadas matérias, sobretudo as relativas ao acesso aos serviços de welfare.
Na Itália, em suma, se chegou a uma situação de descontinuidade, pela qual, conforme o matiz político das administrações locais, determinados direitos de cidadania recebem um reconhecimento mais ou menos generalizado, sendo estendidos aos casais de fato, aí incluídos os formados por pessoas do mesmo sexo.
Aqui no Brasil, mesmo vivendo sob a lógica federativa, não temos iniciativas políticas desta natureza. Daí já podemos entender o quanto o conservadorismo define a vida política do país.
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