domingo, 10 de abril de 2011

Sobre eleições no Peru, por Wederson Advincula


Pelo twitter, perguntei ao advogado Wederson Advincula (foto), que está acompanhando as eleições no Peru, quais as diferenças em relação à nossa realidade. Sua resposta:
Muita diferença. Destaque a ausência de preocupação com abuso de poder econômico e facilidade de definição política do candidato. A eleição tbm é muito personalista. A própria cédula induz o eleitor que votar no Presidente, votar no mesmo congressista.


Aproveito e reproduzo, abaixo, análise que Wederson fez sobre as eleições de hoje:

Aspectos interessantes da Legislação Eleitoral Peruana

Hoje foi um dia muito produtivo. Pela manhã aprofundei o estudo sobre o Direito Eleitoral Peruano e de tarde fiz a minha pesquisa de campo. Assim sendo, destacam-se alguns aspectos da chamada Lei Orgânica das Eleições (26859/97)

1) Inicialmente é interessante verificar que a Lei Orgânica das Eleições Peruana é datada do mesmo ano que a nossa Lei Permanente das Eleições (1997). A diferença é que a nossa Lei, apesar de ter o nome de “Permanente”, em toda eleição é modificada. Talvez devêssemos, como o Peru, chamá-la de “Orgânica”.

2)O Sistema Eleitoral Peruano é formado, principalmente, por 3 grandes tripés: o Jurado Nacional de Elecciones, a Oficina Nacional de Proceso Electorales e Registro Nacional de Identificación y Estado Civil. O Jurado Nacional de Elecciones é o órgão máximo das eleições. É como se fosse o nosso Tribunal Superior Eleitoral. Mas uma diferença importante entre os órgão máximos das eleições, é que no TSE cabe Recurso Ordinário e Extraodinário para o STF, já a Lei Peruana expressamente proíbe recurso ou Ação em matéria eleitoral ao Tribunal Constitucional, ainda que contrarie a Constituição. O JNE exerce uma função de fiscalização das eleições e, também, uma instância recursal. Além disso, o Jurado Nacional de Elecciones constituem os Jurados Electorales Especiales, uma espécie de JNE local e temporário cuja função é um misto, se comparado ao Brasil, de Juiz Eleitoral e Junta Eleitoral. É formado por 3 membros. Enquanto no Brasil cabe ao TSE expedir as Resoluções para regulamentar as Eleições, no Peru esta tarefa é destinado à Oficina Nacional de Procesos Electorales, mas este pode delegar alguma competência ao Registro Nacional de Identificación y Estado Civil, quando se tratar de logística na administração dos locais de votação. Pode ser criado, também, Oficina Descentralizada de Procesos Electorares, que funciona como se fosse um cartório eleitoral provisório durante o período eleitoral. As Mesas de sufragio funcionam como as mesas receptoras no Brasil, regras idênticas de nomeação e impugnação de seus membros.
Questões técnicas das eleições ficam a cargo do Comite de Cordenación Electoral, cujos membros são designados pelos representantes dos órgão do Sistema Eleitoral.
Cabe ao JNE, após a Oficina Nacional de Procesos Electorales fazer a verificação dos requisitos necessários, registrar os candidatos.

3) Sobre a Propaganda Eleitoral, é permitida a colocação de faixa, banner, cartaz, em locais públicos, tais como postes, passarelas, pontes, viadutos. Mas a Lei Municipal pode regulamentar os locais onde poderão ser colocadas as propagadas. No Brasil, somente a Lei emanada do Congresso Nacional pode limitar a Propaganda eleitoral. Também não admitimos, desde 2006, a propaganda fixa em postes, passarelas, viadutos e pontes. Também, como no Brasil, é permitida a propaganda por meio de carros de som ou de sonorização fixa, mas, somente no Peru, a autoridade local também pode regulamentar o volume do som. Confesso que não vi sonorização nesta campanha eleitoral. Não consegui descobrir o porquê disso, mas acredito que existe muita sonorização em Lima, decorrente das buzinas do caótico trânsito da cidade. Como no Brasil, é necessário que nos bens particulares a fixação de propaganda eleitoral seja autorizada por escrito e previamente pelo proprietário.
Nos prédios públicos a propaganda eleitoral só é permitida se for dada a mesma oportunidade a todos os outros candidatos. E como ocorre no Brasil com a propaganda eleitoral nas Casas Legislativas. Contudo, no Brasil, além de não ser permitida a propaganda eleitoral em bens e prédios públicos, também não é permitida nos bens particulares de uso comum, tais como Shopping, Igrejas, Restaurantes, etc.
O candidato, sob pena de multa, tem um prazo de 60 dias após a eleição para retirar toda a propaganda eleitoral. Um fato que achei interessantíssimo é que no Peru não se permite que na propaganda eleitoral haja invocação de temas religiosos. No Brasil, pelo contrário, alguns candidatos só são eleitos porque usam e abusam de temas religiosos. É o paradoxo entre a liberdade de manifestação religiosa e a influência negativa na vontade do eleitor. Outro aspecto que atinge diretamente a vontade do eleitor, é que a Legislação Peruana proíbe que este, desde o dia anterior até o dia da eleição, porte material de propaganda eleitoral. No Brasil, apesar de ser proibida a boca de urna, o eleitor, em consagração ao Direito da livre manifestação do pensamento, pode votar com bandeira, adesivo, camiseta, boné e qualquer outro material de propaganda eleitoral.

4) As informações contidas na Internet, no site oficial das eleições, são muito melhores que as contidas no Tribunal Superior Eleitoral. Chama-se a atenção à facilidade de se navegar pelo site do JNE. No site do TSE quase é necessário fazer um curso para conseguir encontrar algo. Para quer quiser ficar antenado nas informações das eleições peruanas, basta acessar http://www.jne.gob.pe
É muito fácil encontrar no site acima os dados dos candidatos e, principalmente, suas propostas. Como no Brasil (apesar de ser uma novidade na lei de nosso país), a proposta é requisito indispensável ao Registro de Candidatura.

5) O Título Eleitoral no Perú é o chamado Documento Nacional de Identidade. Enquanto no Brasil temos uma infinidade de Documentos, no Peru é um documento único com foto e emitido pelo Registro Nacional de Identificación y Estado Civil.

6) Como no Brasil, o voto é obrigatório aos maiores de 18 anos e facultativo após os 70 anos. No Peru, o maior de 16 anos e menor de 18 não pode votar.
Há um aspecto interessante na Constituição Peruana: enquanto a Constituição Brasileira estabelece que o cidadão é o eleitor, a Constituição Peruana estabelece que o cidadão é o maior de 18 anos. Para o leigo esta pode ser uma diferença insignificante, mas para os profissionais do Direito Constitucional e do Direito Eleitoral esta é uma diferença significativa.

7) Como informado anteriormente neste Blog, a utilização de Partido Político é desnecessária. Na própria Constituição Peruana está consignado que “los ciudadanos puedem ejercer sus derechos individualmente”. Apesar de existir uma cláusula de Barreira no Peru, pois apenas podem existir os Partidos que tenham obtido 5% dos votos válidos na última eleição, a mesma legislação também permite que qualquer cidadão possa registrar uma “agrupación politica”. Para tanto, basta recolher 4% de assinatura do número de eleitores do último pleito eleitoral. Um “aderente” que tenha assinado uma lista não pode assinar a lista de outro apoiamento. Existe, inclusive, uma discussão doutrinária se o Eleitor poderia mudar de opinião e assinar outra lista. Ainda dentro deste aspecto de incentivo à legitimidade das eleições e também de mobilização popular, o aspecto na legislação peruana que mais me chamou atenção foi a possibilidade de participação de ONGs e de cidadãos para acompanhar e fiscalizar todo o processo eleitoral. No Brasil coloca-se o Poder Judiciário como elemento máximo da garantia eleitoral, pouco sendo permitido a participação de outros órgãos como, por exemplo, a OAB. ONGs e cidadãos, no Brasil, são relegados a um terceiro plano no processo eleitoral.

8) Enquanto no Brasil o mandato é de 4 anos, no Peru o mandato é de 5 anos. Em ambos países há possibilidade de uma única reeleição para os cargos do poder executivo.
Porém há um avanço impressionante na legislação peruana em relação à legislação brasileira. No Peru, o candidato à reeleição é submetido à uma série de proibições (outras condutas vedadas), justamente para que este candidato não se beneficie com o cargo que já ocupa e, em consequência, desequilibre o pleito eleitoral.
No Brasil, por outro lado, os candidatos à reeleição usam e abusam de seus cargos, preferindo fazer o máximo de atos administrativos para garantir uma mídia gratuita.

9) A votação no Peru é realizada por meio de cédulas de papel, em tamanho nunca inferior ou papel A5. O Eleitor marca um “X” na Logomarca do candidato.
Esta é uma estratégia interessante, pois facilita em muito o voto do eleitor analfabeto. Basta ele decorar como é a logomarca do candidato e, assim, marcar um “x”. Apesar da Lei expressamente proibir que a logomarca faça referência à alguma pessoa física ou jurídica, quase todos os candidatos utilizam como logomarca a primeira letra do seu nome. Indaguei este fato no Jurado Nacional de Elecciones, mas me disseram que não tem problema utilizar como logomarca a primeira letra do nome e que isto não contraria a Lei. Preciso estudar mais os princípios eleitorais peruanos.
Há uma cédula especial para os cegos.

10) Nestas eleições escolhem-se 1 Presidente com 2 Vices-Presidentes e 120 Membros do Congresso. Há também eleição para os membros do Congresso Andino, uma organização internacional dos países Andinos. Hoje, conversando com o gerente do Hotel que estou hospedado, este reclamou da quantidade de Congressistas e que não é necessário tanto. Não agüentei e comecei a explicar a quantidade de “Congressistas” que têm no Brasil: São 513 Deputados Federais, 81 Senadores, 1045 Deputados Estaduais e 51.924 Vereadores (em 2013 teremos 59.267 Vereadores). O gerente ficou assustado, principalmente quando eu disse quantos soles ganha um Deputado Federal.

11) Enquanto pra Presidente da República o critério de eleição é o majoritário (vence o mais votado), na eleição dos Congressistas a eleição é pelo critério proporcional (depois de uma complicada conta, distribui-se as cadeiras – nem sempre o mais votado é eleito). O interessante é que na lei peruana, diferentemente do Brasil, há informação precisa de que o critério proporcional - idêntico ao aplicado no Brasil – objetiva garantir a representação das minorias.
Espanta-me que no Brasil alguns parlamentares têm defendido acabar com a eleição proporcional para os cargos do legislativo e passar tudo para o critério majoritário. Ora, acabar com o critério proporcional é acabar também com garantia de participação das minorias. Sou, inclusive, a favor de acabar com a cláusula de barreira contida no critério proporcional, que impede os partidos que não atingiram o quociente eleitoral de participar das distribuições das cadeiras pelas sobras.

12) Como no Brasil, só é eleito presidente aquele que atingir mais de 50% dos votos válidos. Se nenhum candidato a presidente atingir o número de votos necessários, haverá a segunda vuelta (segundo turno) entre os dois candidatos mais votados.

13) Cabe ao Presidente da República fazer a convocação das eleições por meio do Decreto Supremo. O Presidente da República também pode fazer a convocação quando ele dissolver o Congresso. Em princípio vejo este ato de convocação das eleições com negatividade, pois a lei peruana, além de não prever o que acontece quando não há a convocação pelo Presidente, dá competência a alguém diretamente interessado na eleição em convocá-la.

14) Há uma interessante regulamentação dos “Personeros”, como se fossem, no Brasil, os Delegados dos Partidos. São nomeados Personeros para atuar em todos os órgãos dos Sistema Eleitoral, nas mesas e nas oficinas. São três tipos de personeros: a) o Personero Legal, que tem uma representação plena; b) o Personero Alterno, que é um substituto do Personero Legal; e o c) Personero Técnico, que deve ter no mínimo 5 anos de experiência em informática, além disso, no desempenho de suas funções, tem muitas atribuições relativas a dados cadastrais e apuração dos resultados.

15) Quanto à Prestação de Contas, estabelece à legislação peruana que 60 dias antes da eleição os candidatos devem apresentar ao JNE a projeção dos gastos e a fonte de financiamento. A prestação de Contas dos gastos é posterior.
Achei muito interessante o requisito para apresentar a projeção de gastos e as fontes de financiamento. Ou seja, o candidato deve programar toda a sua campanha e realizar os gastos eleitorais conforme as projeções. É como se fosse um orçamento que o candidato está obrigado a cumprir. Desta forma o eleitor poderá saber previamente como o candidato pretende realizar seus gastos e, inclusive, quem poderá doar pra sua campanha. No Brasil, as únicas coisas que o candidato deve fornecer anteriormente às eleições é o valor máximo de gasto e duas prestações de contas parciais, que são, inclusive, colocadas na internet. Mas nada impede que todos os gastos sejam lançados e realizados ao final da Prestação de Contas, quando encerrada às eleições. Mas nem tudo é uma maravilha no Peru em relação à Prestação de Contas. Em visita ao Jurado Nacional de Elecciones (JNE) indaguei sobre quem faz a análise das contas e qual a sanção para quem não cumpre o estabelecido na Lei. Fui informado que é uma empresa de auditoria que faz a análise das contas e, quanto à sanção, aplica-se apenas uma multa e, no máximo, uma declaração por escrito de que há irregularidade nas contas. Sobre este aspecto acredito que o procedimento brasileiro é mais desenvolvido. Apesar do julgamento das contas no Brasil ter uma rigorosidade desarrazoada, é importante que a Justiça Eleitoral tenha um corpo técnico e efetivo, capacitado para realizar a análise minuciosa das contas. Quanto à sanção, dependendo da irregularidade encontrada na prestação de contas, o candidato pode perder o mandato. Neste sentido, somos muito mais rigorosos.

16) 15 dias antes da Eleição é proibido no Peru publicar qualquer pesquisa ou enquete sobre as eleições. No Brasil, apesar de existir Lei que também proíba a pesquisa eleitoral no período de 15 dias anteriores à eleição, este dispositivo foi considerado inconstitucional em consagração ao Direito de Informação (Vide ADIN 3.741-2).

17) No Brasil a legislação é silente em relação ao prazo para votar. Diz-se apenas que o eleitor permanecerá na cabine o prazo necessário para votar. As Resoluções do TSE também não regulamentam este tempo. No Peru, por outro lado, estabelece a legislação que o prazo para votar é de 1 minuto. Quando li este dispositivo temporal do voto, imaginei os velhinhos que agarram na cabine de votação e fazem qualquer um odiar o estatuto do idoso, serem arrastados para fora da seção eleitoral. Não é justo! Um minuto jamais poderia ser aplicado ao Brasil. Interessante também no Peru é o fato do eleitor assinar a lista de votação e somente depois de votar. No Brasil assina-se a lista primeiramente e depois se vota. Acredito que no Peru a ordem de votação é diferente da do Brasil porque os velhinhos podem ser arrastados para fora da seção eleitoral e o Presidente da Mesa não precisa justificar o porquê do número de assinaturas não ser equivalente ao número de votos na urna.

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