domingo, 4 de abril de 2010
A coluna de Merval Pereira deste domingo
A coluna de hoje de Merval Pereira, no jornal O Globo ("Continuidade e Mudança", p. 4) parece um bom exemplo das dificuldades de compreensão da grande imprensa em relação ao novo Brasil que emergiu nos últimos cinco anos. Merval procura analisar os argumentos possíveis para derrotar a popularidade do governo Lula. Um problema que, me parece, não é para jornalista resolver, mas para a oposição ao governo Lula. Mesmo assim, os argumentos apresentados parecem muito frágeis e forçados. Vou destacar o que considero equívoco:
1) O grande mistério das eleições de outubro não é a estratégia para derrotar um governo popular. O grande mistério é como o Brasil conseguirá ser governado sem a sombra de Lula. Lula é o governante com popularidade alta mais constante da história recente de nossa democracia. Construiu uma arquitetura das mais sólidas, que envolve a maioria do sistema partidário, alto empresariado e população de baixa renda. Presidencialismo de coalizão, PAC e aumento de salário mínimo-crédito consignado criaram uma poderosa blindagem política;
2) Tal arquitetura é de longe mais inteligente e potente que o que Chávez ou Evo Morales produzem por aquelas bandas;
3) Merval cita argumento de Alberto Carlos de Almeida que sugere que atacar a falta de capacidade de Lula na escolha de seus assessores (envolvidos em casos de corrupção) poderia catapultar a oposição ou enfraquecer a força de Lula. Argumento dos mais frágeis. Se não soubesse escolher, Dilma não seria este fenômeno eleitoral, que agora está 3 pontos percentuais de Serra (que já possui recall junto ao eleitorado). Lula desmontou todos candidatos petistas que poderiam lhe fazer sombra: Palocci, José Dirceu, Tarso Genro, Marta Suplicy, Mercandante, Fernando Haddad. Tal argumento dificilmente retomaria a ponta do mensalão. Em política é necessário, como num jogo de xadrez, pensar o lance seguinte. E é justamente aí que é um argumento frágil: nenhum dos aloprados permanece no governo. Lula mudou o ministério e assessores sem grandes alardes, várias vezes. Se foi por ética ou astúcia, pouco importa. O argumento será desmontado com facilidade;
4) Outro argumento citado por Merval, mais consistente, é o de Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico. Marinis argumenta que a popularidade de Lula vincula o crescimento de Dilma. É fato. Mas há um fenômeno novo: as pesquisas Datafolha e a recente Vox Populi revelam que o crescimento de Dilma está sendo mais lento e que Serra parece estacionado no patamar de 35%. Minha aposta é que a estratégia de vincular mecanicamente a imagem de Dilma à de Lula está se esgotando. Portanto, atacar Lula, além de parecer despropositado nesta altura do campeonato, teria pouco efeito prático nas eleições de outubro;
5) O Brasil é um país continental e a mera exposição em inauguração de obras parece ter atingido um público específico, mas não chegou ao eleitor que aparentemente é mais fiel à Lula: os mais pobres. Quase 60% dos que dizem votar no candidato de Lula desconhecem que Dilma é sua escolhida. O problema, a partir de agora, é que Dilma não possui identidade, o que em marketing se denomina posicionamento. Como será resolvida tal equação na televisão? Este é o dilema dos lulistas. Fixar a imagem de Lula com Dilma à frente será suficiente? Mas Dilma possui um perfil muito próximo de Serra: autoritário, carrancudo, técnico, racional, impessoal. Será possível transformar tal imagem, tão distante da que Lula construiu para si?
6) Finalmente, Merval argumenta que como a nova classe C é consumista, a denúncia dos altos impostos indiretos poderia gerar alguma reação. Seria pedir muito para brasileiros que não lêem e pouco compreendem a lógica dos impostos indiretos (muitos afirmam, em pesquisas recentes, que não pagam impostos, porque não declaram nada ao imposto de renda).
A emergência da nova Classe C está criando uma dificuldade imensa para jornalsitas e editores da grande imprensa. Continuam pensando a classe média como se fossem majoritariamente a classe média tradicional, que lêem, se formam a partir do que lêem. Esta nova classe média - está evidente nas tabelas publicadas no livro de Lamounier – não é atingida pela grande imprensa. É atingida pela religião. E Lula, novamente, leva vantagem imensa sobre Serra neste quesito. Serra possui perfil agnóstico e Lula é o protótipo da bricolage religiosa do brasileiro de baixa renda. Para finalizar, lembro pesquisa do IBOPE, de 2007, que indicou que 75% dos brasileiros afirmam que seriam corruptos se fossem governo (ver aqui). Este tema da corrupção atinge a nós, classe média tradicional. Mas é pensada de maneira totalmente heterodoxa pelas classes menos abastadas ou a nova classe média. Precisamos mudar nossos parâmetros de interpretação da sociedade brasileira se desejamos compreender o que ocorre neste momento.
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2 comentários:
Prezado Rudá, gostaríamos de realizar uma entrevista consigo para o portal O Pensador Selvagem, acerca de homeschooling. Sabemos que sua posição é contrária ao homeschooling e, como também estaremos entrevistando o Cleber, pai que retirou os meninos da escola. Nossa própria rede ficou bastante dividida quanto a questão, assim como está a sociedade brasileira, e gostaríamos de colaborar para esclarecer ambos pontos de vista.
Por favor envie-nos um e-mail através do endereço http://opensadorselvagem.org/contato/contatos/o-pensador-selvagem (não divulgamos aqui o e-mail para evitar spam por mail crawlers) para que possamos lhe encaminhar as perguntas.
Bom comentário. Merval, hummm, dizendo que a nova classe média é consumista, parece uma das meninas do Jô acusando a classe C pelo apagão (estaria comprando mais geladeiras, TV, etc e aumentando o consumo de eletricidade). O fato de Dilma estar bem nas pesquisas e de ter um perfil similar ao de Serra demonstra um amadurecimento político (corrija se estiver errado) e talvez pouco se deva à famosa transferência de votos.
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