Enviado por Maurício David (a quem agradeço), o texto abaixo revela a leitura que republicanos (ala Reagan) fazem da crise européia: uma crítica pautada pela leitura do aumento do déficit público. Interessante que o atual prefeito de Barcelona, Jordi Hereu i Boher, acaba de anunciar que vai aumentar a dívida líquida do município para fazer frente à crise financeira. Duas visões absolutamente opostas. Na verdade, a crítica estaria centrada na lógica da unificação da moeda e, por outro lado, na valorização do território nacional. Uma vertente liberal acredita que existiria uma bolha (ou tutela) monetária, um artificialismo na real liquidez dos países pobres (do leste e, para alguns, até mesmo Portugal e Espanha, que também amargam sua porção na crise) que ingressam na União Européia.
MARTIN FELDSTEIN
Professor de economia na Universidade Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca no governo Reagan e presidente do Serviço Nacional de Pesquisa Econômica.
A Grécia decretará moratória sobre sua dívida pública. Essa moratória será de vida, em larga medida, à sua participação na União Monetária Europeia. Caso não fizesse parte do sistema do euro, a Grécia não estaria na enrascada atual e, mesmo que estivesse, poderia ter evitado a necessidade de uma moratória. A moratória não necessariamente tomará a forma de uma recusa explícita de pagar o principal e os juros da dívida em suas datas de vencimento. O mais provável é que consista de reestruturação das dívidas existentes, coordenada pelo FMI e envolvendo a conversão dos títulos atuais em novos papéis com principal e juros mais baixos. Ou poderia ocorrer na forma de uma "moratória branda", sob a qual a Grécia unilateralmente emitiria novos papéis de dívida como pagamento pela dívida atual, em lugar de saldá-la em dinheiro. Mas, qualquer que seja a forma que venha a tomar o processo, os atuais detentores de títulos da dívida grega receberão menos do que o valor de face desses papéis. A única maneira de a Grécia evitar uma moratória seria reduzir seus futuros deficit orçamentários a um nível que investidores internos e internacionais estivessem dispostos a financiar de forma voluntária. Isso significaria, no mínimo, reduzir o deficit a um patamar que impeça que a relação dívida/PIB continue a subir.
Reduzir o deficit de 14% para 10% do PIB significaria corte enorme nos gastos do governo ou imensa elevação na arrecadação -mais provavelmente, ambos. Além das dificuldades políticas que isso acarretaria, as medidas exerceriam efeito adverso sobre a demanda interna e, portanto, sobre o nível de produção e emprego. Provocar repressão ainda maior da atividade econômica por meio de impostos mais altos e cortes os gastos do governo resultaria em reduções proporcionais na arrecadação e elevações roporcionais nos pagamentos aos desempregados. Assim, cada euro da redução de deficit planejada resultaria em menos de um euro em redução de deficit concreta. Isso significa que os aumentos de impostos e os cortes de gastos básicos do governo teriam de ser ainda maiores.Simplesmente não há maneira de contornar a aritmética que a escala de redução de deficit requerida e o declínio econômico resultante implicam: é inevitável que a Grécia decrete a moratória da dívida pública.
Moeda própria
O país poderia ter conseguido evitar esse desfecho se não fizesse parte da zona do euro. Caso ainda tivesse moeda própria, as autoridades poderiam desvalorizá-la ao mesmo tempo em que apertam a política fiscal. Uma moeda desvalorizada elevaria as exportações e levaria empresas e domicílios gregos a substituir produtos importados por nacionais. A demanda ampliada pelos bens e serviços gregos elevaria o PIB, engordando a arrecadação tributária e reduzindo o seguro-desemprego. Em resumo, a consolidação fiscal seria tanto mais fácil quanto menos dolorosa caso a Grécia tivesse uma política monetária própria. A participação da Grécia na zona do euro também foi a principal causa de seu grande deficit orçamentário. Como o país não tem moeda própria, não houve sinais de mercado para alertar o governo grego de que sua dívida estava se tornando perigosamente alta. A combinação de créditos por outros países da zona do euro e empréstimos do FMI pode propiciar liquidez suficiente para postergar a moratória por algum tempo. Em troca desse apoio à liquidez, a Grécia se verá forçada a aceitar um doloroso aperto fiscal e uma queda em seu PIB. No final, a Grécia, os demais membros da zona do euro e os credores da Grécia terão de aceitar que o país está insolvente e não tem condições de manter em dia o serviço da dívida. No dia em que isso acontecer, a moratória chegará.
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