sábado, 16 de julho de 2011

O corpo é sagrado

Ontem jantei com amigos, quase todos educadores. Contaram histórias de alunos e suas famílias. Muitos casos de pais que batem nos seus filhos e que são ausentes. Alunos com Síndrome de Asperger, alunos que alteram seu comportamento (de brigões para aquele que pede socorro ao psicólogo por ser atacado pelos que antes apanhavam), alunas que decidem fazer seu recreio na sala da diretora. Uma vice-diretora contou a história de um pai que batia em sua filha e só parou quando ela disse que o corpo é sagrado, não se toca nele, porque guarda a memória mais potente que temos. Uma frase cheia de sabedoria, daquelas ditas por gerações como síntese de uma lição de vida.

A frase me fez lembrar de tempos atrás, quando eu e minha equipe entramos numa grande escola pública onde prestávamos consultoria. Na porta, dois carros da polícia. O clima na entrada já era estranho. As diretoras, jovens, estavam desoladas porque uma professora teria chamado a polícia em função de uma aluna de 13 anos ter ameaçado esfaqueá-la. Fomos conversar com a aluna. Baixinha, tímida, cabeça baixa, alguém que dificilmente mataria uma formiga. Pedimos para os policiais nos deixarem conversar com calma. Ela contou aos poucos sua história. Contou que no dia anterior, ao final da aula, havia desabafado com a tal professora que havia chamado a polícia. Disse à professora que sofria abusos do padrasto. Chorou. E foi para casa. Ao dormir, imaginou que a professora contaria para outros professores e começou a desesperar. Seria humilhada para a vida toda. E pensou em intimidar a professora para que não contasse sua história para ninguém. Ao chegar na sala de aula, disse para vários alunos que iria furar a professora. O resto já se pode imaginar. Uma história circular, que até aquele momento ninguém havia tentado completar. Estacionaram na parte final. Foi um sufoco para conseguir achar a mãe. Porque se não achássemos, pelo ECA, a menina teria que passar o final de semana presa. E dizem que o ECA é permissivo!

O relato da assistente social escolar que estava no jantar de ontem era de que muitas vezes os alunos só querem ser ouvidos ou até desejam se colocar no papel de vítima (muitos, sendo os algozes até pouco tempo) para serem acolhidos e protegidos. Os professores dificilmente percebem estas histórias familiares ou relacionam com o comportamento e desempenho escolar. Algo que o IDEB não vê e não ouve. Fizeram relações com o último episódio da Grande Família, que contou a tortuosa relação de Irineu com seus pais.

E continuamos bebendo nossos vinhos.

Um comentário:

Ronan disse...

Rudá,

Bem sabemos que os problemas extrapolam os muros da escola (que até são altos e isolam) e não temos força para resolvê-los o que não quer dizer que devemos sofrer calados. Podem até chamar isso de Síndrome de Burnot. O fato é que "a escola sozinha não muda uma sociedade, mas sociedade nenhuma muda sem educação." O grito é para que nós, brasileiros, passemos a priorizar um tema que repercute em todos os demais âmbitos da vida em sociedade. Rudá, que tipo de sociedade somos e que educação queremos para nossos filhos? O modelo que está aí merece perpetuamento?