segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Articulação política pela educação domiciliar tenta outra vez

Agora foi a vez do fantástico. Eles já tentaram de todas as formas. E me parece evidente que se trata de um movimento político, ultraliberal ou ultraindividualista. Já debati com eles pelos jornais (incluindo Folha de São Paulo) e TV (Brasil das Gerais). Não tem jeito. Eles não entendem que educação é ato comunitário por princípio. Em casa, visa apenas o sucesso individual e não a socialização. Em outras palavras, é um desserviço social, que retorna à época dos preceptores. Mas não tem jeito. Eles continuam na cruzada envolvendo, inclusive, a imagem de seus filhos para se promoverem.
O que é pior: incautos embarcam nesta aventura pré-histórica acreditando que se trata de um ataque frontal à educação pública. Já seria um escândalo. Mas é bem pior que isto.

7 comentários:

Eugenio Raggi disse...

Há vários fatores a serem considerados nesta análise:

1 - Quanto ao princípio comunitário da prática educativa eu concordo plenamente. Não se educa individualmente, sem a mais ampla noção do aprendizado coletivo. Aliás, é justamente por conta disso que sou radicalmente contrário ás propostas de "xurrículo livre" que vem sendo colocadas no ambiente escolar.

2 - Sempre me pareceu um pouco fascista a obrigatoriedade de matrícula dos filhos em escolas regulares. Do ponto de vista das liberdades individuais, penso que pais que comprovem o oferecimento de educação aos seus filhos e o consequente aproveitamento dos mesmo devam ser liberados para educarem seus filhos da forma que quiserem, sem seguir um determinismo arbitrário de Estado. Eu, como pai, JAMAIS faria esta opção, mas gostaria de ver respeitado o desejo de quem assim o quisesse, ainda que julgue essa modalidade de estudos bastante individualista e precária do ponto de vista da formação humana.

3 - A questão me remeteu à Educação Integral. Sou pai de criança em idade escolar e sou seu único representante legal. Se - por algum motivo - houver obrigatoriedade de estudo integral (algo que considero inconcebível, pois deve ser uma opção e jamais uma imposição) eu entro na justiça. Não acho que uma criança deva ser obrigada a permanecer na Escola durante dois turnos do dia e usar o outro para dormir. Crianças que podem desfrutar do convívio dos pais (como é o meu caso) podem fazer essa opção. Penso que esse determinismo seja perigoso.

Já havia pensado nisso, Rudá?

Rudá Ricci disse...

Vamos por partes:
1) A educação é um ato social e não individual. Não se educa para ser da família, mas para compreender as regras e história sociais;
2) A liberdade de educação dos pais se dá no âmbito familiar. Contudo, a humanidade nunca foi definida pelo pertencimento à família, mas à lógica societária;
3) A lógica comunitária é afetiva e impositiva. Respeitamos as regras pela afetividade que temos com os membros que a construíram: pais, vizinhos, família, bairro, comunidade. A lógica societária é racional, não afetiva. Respeitamos as regras porque concordamos em tolerar os diferentes, os desconhecidos. Caso contrário, não daria para residirmos em grandes metrópoles, já que não conhecemos a maioria dos seus moradores. Respeitamos o sinal de trânsito porque sabemos, racionalmente, que sem ele, mesmo quando estou com pouco tempo, a vida seria um caos;
4) Portanto, as instituições públicas não se relacionam apenas com as comunidades, mas com a tolerância e agregação dos diferentes. Ninguém está dizendo que as crianças devem ser retiradas do convívio dos pais. Ocorre que a maioria dos adolescentes com mais de 15 anos em grandes centros urbanos (várias pesquisas acadêmicas indicam este dado) não convivem por mais de 1h30 por dia com os pais.
O que penso é que falta um meio termo nesta história. Esta defesa intransigente do hiperindividualismo, típico da Geração Y, me deixa perplexo sobre os rumos da nossa crença na humanidade. Mas é fato que o hiperdimensionamento do Estado, a "estatalização" da vida social, é a redução, também, da humanidade.

kivas Arquitetura disse...

Parece que você então acha que falta um meio termo. Alguém criado na roça pode muito bem sentir-se consciente do acordo societário sem precisar passar pela educação formal você não acha?
Tem que ter mais claro o que você quer definir como educar.
E mais, a diversidade nas formas de educar(deveria dizer apreender) deveria ser parte de um direito democrático.E como tal ter regras específicas de regulação que evitassem o que esta no fundo da sua alma lhe incomodando. que é a possibilidade de que essa forma de adquirir conhecimento traga embutida em si uma "semente" maléfica de "ultra individualismo". Não conheço nada que comprove esta hipótese. Você conhece?

Rudá Ricci disse...

Kivas,
Não, não dá para falar em processo educacional do mundo moderno como "sentimento". Vou aprofundar um pouco mais. Um dos objetivos da educação formal é o de propiciar a autonomia do sujeito. Autonomia, ao contrário do que parece que você sugere, não é liberdade individual total, mas autocontrole. Aliás, etimologicamente é próximo do conceito de disciplina (de DISC-O), que significa "aprender com sua própria experiência". O autocontrole significa saber qual é o seu papel no meio social e se controlar. E este processo ocorre com a relação coletiva, nunca em casa. O meio familiar é egoísta e gera um sentimento atávico de autoproteção. É na sociedade que aprendemos a lidar com as diferenças e despertamos o olhar para a noção de justiça equitativa (aquela em que percebemos que uma regra é mais justa, mesmo quando nos tira uma vantagem, em função das condições desiguais entre duas ou mais pessoas).
Nem o liberalismo clássico chegou a tanto como esta proposição de educação em casa. O Estado foi justificado por todos contratualistas justamente porque individualmente lutamos apenas pela nossa vitória.
O que mais me impressiona nos defensores da educação em casa, além do egoísmo evidente, é o desplante de dizer que seus filhos também se relacionam com outras pessoas nas ruas. Além da obviedade que revela falta de argumentos, a relação social na rua não tem absolutamente o mesmo efeito que num processo de educação programado, com equipamentos coletivos, administração pedagógica de situações coletivas planejadas, entre outros fatores.
Enfim, o limite à democracia é ela mesma. Não dá para abrir espaço para quem conspurca contra as bases da democracia. Daí ser ilegal o suicídio. Se vivemos no ultraliberalismo que se propõe, o suicídio seria um direito individual. Mas não é. Justamente porque a sociedade se protege.

kivas Arquitetura disse...

Rudá.
Talvez eu esteja sendo libertário demais mas algumas
ancoras suas me provocam.
Ok, dá para concordar com meu deslize do "sentimento", não tenho dados e recorri a hipótese amigável.Concordo com os objetivos da educação formal, só não sei se seu conceito desta "formalidade" não é um tanto restritivo ou, alguma experiência sua com educação em casa o tenha traumatizado(estou dramatizando).Se sim gostaria de saber.
Acho que se a educação em casa fosse "formalizada" de forma a garantir um mínimo de fricção intelectual social, sei lá?; um "debate socrático" por semana com 15 pessoas, como condicionante de poder ficar em claustro familiar, seria mais uma forma de garantir o que você menos "ultra individualização"; ou você acha que 90% das pessoas ia aderir a isto e toda esta "possível" estrutura democrática ruiria por isto?
Dizer que o meio familiar é egoísta e atávico "sempre" não é um pouco exagerado e não dá para dizer que existem comunidades em que este meio familiar não é assim tão "católico" e quadradinho, onde ele pode ser mais democrático e permeável?
Em teoria as comunidades indígenas praticariam um ensino "orgânico"(formal a maneira daquela cultura).
Difícil não aceitar que existem muitas formas de criar autonomia do sujeito.Aceitar as diversas que existem e podem existir não faria parte da Democracia e seus ajustes temporais?
Até o direito ao suicídio. Não é o que se coloca em relação a eutanásia?Já não é legal em algumas democracias ?

Rudá Ricci disse...

Kivas,
Não se trata de formalização (institucionalização) da educação domiciliar. Ela já existe e é reconhecida. O problema é que os defensores do homeshooling querem que ela ocupe o espaço da educação social, que é realizada pela escola. Entende que o movimento é justamente o contrário do que seus defensores dizem publicamente? Eles não são vítimas, mas algozes do sistema educacional social, que está numa dimensão superior (ou mais ampla) que a familiar. E qual o lugar da educação social, superior à familiar? Programar o convívio e o contato com regras e formas de pensamento e julgamento superiores e distintas à da família. É um simplismo equivocado dizer que a família é a célula básica da sociedade como se fosse uma sociedade em miniatura. Não é. Possui sua lógica absolutamente distinta das instituições públicas.

kivas Arquitetura disse...

Rudá
Não imaginava que fosse o reverso da medalha como você diz. Mas tive conhecimento de casos em que a família não conseguia formalizar a forma de educar e era obrigada a matricular mesmo o filho tendo passado formalmente nas provas institucionais.
Enfim, para mim é novidade que exista formalização no Brasil do ensino a domicílio. Gostei bastante da sua explicação e não posso estar mais de acordo se, existe de fato a possibilidade de, em se desejando, educar em domicílio, afinal já temos até ensino a distância o que coloca outra questão nesta receita, não é mesmo?
Se a briga é por uma substituição me parece anacrônico. Mas é isto mesmo ?