Sejamos francos: o que esperar de um filme que se baseia num musical da Broadway, que tem como protagonista um ator de X-Men (Hugh Jackman, que faz o papel de Jean Valjean) e Sacha Baron "Borat" Cohen (como Monsieur Thénardier)?
Imagino que você pensaria duas vezes até decidir assistir. Foi o que aconteceu comigo.
Mas havia aquele outro lado. O filme é a obra de Victor Hugo, nada menos que Os Miseráveis. Esta obra, publicada em 1862, foi um dos primeiros best-sellers mundiais, vendendo 7 mil exemplares em um dia, só em Paris. Trata do período de formação da classe trabalhadora parisiense, que vivia em bairros centrais de maneira extremamente precária (lembrando em muito a descrição dos bairros operários ingleses que Engels faz em A Classe Trabalhadora na Inglaterra). Hugo descreve a epidemia de cólera que mata 32 mil pessoas em 1832, jogados em fossas comuns. Foi o estopim para inúmeras revoltas, incluindo as barricadas que derrubam Carlos X e que permanecem até 1848.
Apenas como nota de rodapé, lembro que Hugo tinha como pai um ateu republicano (admirador de Napoleão) e uma mãe católica (defensora da Casa Real). Ressalto este detalhe porque com seu pai na frente de batalha, Hugo foi morar num convento abandonado das Feuillantines, citado em Os Miseráveis. Com a Revolução de 1848, Victor Hugo abandona o catolicismo radical e abraça o republicanismo.
Dito isto, o filme surpreende. Primeiro, se concentrou na tradição de ter o texto cantado, fugindo das atualizações recentes de filmes musicais. Acabou por dar um tom mais reflexivo ao texto, porque obriga o espectador a acompanhar o texto para compreendê-lo. Esta escolha acaba por diluir as características marcantes dos atores. Por este motivo, fui pesquisar e acabei por descobrir que Sacha é formado em história pela Universidade de Cambridge! Mais: pesquisava sobre as raízes dos preconceitos contemporâneos!!!
Se a adaptação acaba por escorregar em certo didatismo, o conteúdo da obra é preservado. O sentimento de injustiça e a forte crítica ao establishment são nítidos, chegando ao ápice na cena final. Alguns críticos afirmaram que sentiram uma mera transposição do teatro para a telona. Talvez tenha sido exatamente isto que me atraiu.
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