Mansueto Almeida (IPEA), no site do IHU-Unisinos:
O Brasil tem um problema complicado pelo seguinte motivo. O padrão de comércio mundial que tem prevalecido desde 2003 é altamente positivo para os setores nos quais o Brasil já é competitivo, que são aqueles ligados à indústria extrativa, petróleo e gás, e toda cadeia agropecuária. O saldo comercial elevado em alguns desses setores e o seu crescimento melhoram os indicadores da economia brasileira, independentemente do que vem ocorrendo com os demais setores da indústria. Um real mais desvalorizado não resolve esse problema, já que a rentabilidade hoje na produção e exportação de commodities é muito maior do que fabricar calçados ou carros no Brasil, qualquer que seja a taxa de câmbio.
O que o Brasil poderia fazer era incentivar com outros mecanismos (redução seletiva de impostos ou concessão de crédito subsidiado) os setores específicos que são mais afetados pela guerra cambial. Mas para fazer isso precisamos de recursos fiscais que hoje não estão sobrando. Não há nenhum mágica a ser feita. Incentivos maiores para alguns setores terão que ser pagos por outros setores ou pela sociedade. A Austrália fez justamente isso com a proposta de aumentar a tributação para algumas commodities específicas como minério de ferro, carvão, petróleo e gás e, assim, tentar corrigir essa diferença de rentabilidade entre setores. Apenas as exportações de minério de ferro e carvão respondem por 30% da pauta de exportação da Austrália e o governo fez opção de diminuir a rentabilidade desses setores para estimular com um câmbio mais desvalorizados os demais.
Brasil vem passando por um período de crescimento e de condições externas positivas, mesmo com a crise do final de 2008. A perspectiva de crescer nos próximos anos entre 4% e 4,5% ou até um pouco mais, se conseguirmos aumentar a taxa de investimento acima de 20% do PIB, é um cenário muito bom. O problema é que estamos em um momento que talvez mais do mesmo não seja suficiente para continuar o crescimento de renda com redução da desigualdade que observamos desde 2001. Nosso modelo de crescimento é baseado em gastos sociais crescentes, salário mínimo com reajustes reais que levam também a uma carga tributária crescente. Desde 2000, por exemplo, o salário mínimo no Brasil teve um aumento de 87% em termos reais. Em dólar esse aumento foi ainda maior. Mas não se consegue desenvolvimento apenas com aumento do mínimo e o outro lado dessa moeda, que é uma carga tributária crescente, vai sufocando a competitividade da indústria brasileira.
O Brasil tem uma agenda de infraestrutura que afeta o chamado custo Brasil que anda de forma muito lenta e precisamos urgentemente aumentar o investimento público. Por outro lado, como todos os outros gastos continuam crescendo, o aumento do investimento público vai exigir mais recursos fiscais que significa maior carga tributária. Por isso que hoje se discute o retorno da CPMF, pois não há recursos suficientes para se aumentar investimentos em educação, saúde e infraestrutura, e ainda continuar com a expansão dos gastos sociais e os reajustes reais do mínimo.
O grande desafio para a presidente é justamente desatar esse nó fiscal, além de tentar promover o crescimento do investimento público sem ter que recorrer a aumentos sucessivos de carga tributária e, ao mesmo tempo, promover o aumento dos gastos sociais e reajustes do salário mínimo que sejam menores que o crescimento do PIB nominal.
Por outro lado, o Brasil precisa fazer muita coisa errada para não dar certo. Além de termos uma economia diversificada com instituições muito mais estáveis do que os demais países do BRIC, o Brasil aumentou sua riqueza natural com a descoberta das reservas do Pré-sal, o que significa mais recursos que podem ser investidos em educação, inovação e saúde. Mas precisamos entender que não podemos fazer tudo e precisamos definir prioridades. A discussão do projeto do Trem Bala é, na minha visão, um evidente equívoco em um País que precisa urgentemente recuperar a malha rodoviária, investir em portos e aeroportos. É isso que me preocupa. A ilusão é que não precisamos fazer escolhas. A nova presidente tem escolhas difíceis pela frente.
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