segunda-feira, 19 de maio de 2008
Bônus no vestibular da UFMG para alunos de escolas públicas
A UFMG decidiu, em reunião tensa que durou 5 horas, criar um bônus de 10% para candidatos que cursaram todo o ensino fundamental e médio em escola pública. Assim, os alunos oriundos de escolas públicas terão um "fator de correção" a seu favor. Gostaria de aprofundar a análise desta proposta, tendo em vista que parece adotar uma solução de "justiça equitativa" e não "justiça igualitária" (esta última, baseada na meritocracia):
a)A simulação no vestibular de Medicina revela que este bônus elevará de 45 para 120 calouros oriundos de escolas públicas;
b)Contudo, aprofundando um pouco mais o impacto, acredito que o bônus terá maior influência sobre a própria escola pública do que sobre o futuro dos alunos candidatos. Explico: já se notava, há dez anos, que havia uma forte migração de vagas de escolas privadas para públicas, no ensino básico. As escolas particulares mais afetadas eram as católicas. De 1995 para 2000, 130 escolas católicas de ensino básico (fundamental e médio) fecharam as portas, segundo dados da CNBB/CERIS. As escolas católicas perderam 300 mil alunos. Os dois motivos apontados por este estudo foram: empobrecimento da população e melhoria do ensino público. Como sabemos, contudo, que os índices de pobreza vêm diminuindo desde então, o impacto do bônus será ainda maior, acelerando esta dinâmica de aumento da participação das escolas públicas no total de vagas do ensino básico;
c)Acredito, portanto, que os professores da rede pública que matriculam seus filhos (com forte sacrifício sobre a renda familiar) em escolas particulares, desejando vê-los na UFMG (a universidade mais desejada em MG), tenderão a matriculá-los em escolas públicas, ao menos nos próximos 5 a 7 anos;
d)O ingresso de alunos de escolas particulares (mesmo os de baixa renda, cujos pais se sacrificam para pagar as mensalidades) em escolas públicas terá um forte impacto sobre a qualidade do ensino e proposta curricular. Não sei ao certo o fruto desta pressão. Logo de início, aumentará a pressão sobre os professores, não tenho dúvidas;
e)Do outro lado, acredito que aumentará a oligopolização do ensino privado, hoje concentrado em 13 grandes grupos (mais de 30% das escolas particulares do país estão vinculados a estes grupos educacionais privados, como COC, Objetivo, Positivo, Pitágoras entre outros). A educação brasileira movimenta mais de 100 bilhões de reais por ano. A International Finance Corporation estima aumento de investimentos privados na área de ensino à distância e treinamento vocacional. Não por coincidência, este passa a ser tema central para o MEC: ensino profissionalizante;
f)O problema é ainda maior. As redes privadas estão vendendo apostilas e criando assessorias para escolas públicas. Já são 300 municípios brasileiros que adotam apostilas e assessoria privada em suas redes de ensino, sendo 150 (23% dos municípios paulistas) somente em São Paulo. Fica evidente que a tal valorização da escola da escola pública a partir da medida da UFMG é uma ponta do iceberg. O problema é que, nos últimos anos, apenas esta ponta esta merecendo alguma atenção. Não tenho dúvidas: trata-se do discurso único do pragmatismo em políticas públicas.
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