quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sobre o piso salarial dos professores e seu futuro


A decisão do STF sobre a validade do piso salarial nacional dos professores é um alento, mas nem se trata da ponta do iceberg do problema da categoria. Obviamente que há, aqui, uma nítida prioridade que o movimento sindical da categoria deu à pauta econômica. É um direito e uma base mínima de sustentação da carreira, que vem perdendo aceleradamente a atração para jovens que procuram ingressar no mercado de trabalho. Os cursos de pedagogia perdem alunos com uma velocidade que exaspera qualquer educador.
Mas o salário não me parece o grande problema da categoria.
Enumero o que considero, em ordem de importância (não incluo a questão salarial, que já citei), os problemas mais graves a serem solucionados para se criar uma condição de trabalho mínimo para os docentes, em especial, do ensino fundamental:
1) Segurança: os índices de ameaça e atos violentos que os professores estão sendo submetidos são assustadores. Nas pesquisas realizadas em cidades médias e grandes, mais de 50% dos professores já sofreram ameaças verbais de pais ou violência física de alunos. Não há salário que compense tal angústia e humilhação;
2) Apoio técnico: como atender alunos incluídos com dificuldades médicas ou em situação especial (autores de atos infracionais) sem apoio especializado? As demandas por laudos que professores emitem entram nas filas do SUS. Não há prioridade para a área educacional e o professor fica na solidão, mergulhado na frustração de não saber como encaminhar dificuldades reais. Não há nenhum serviço de saúde diretamente vinculado às escolas públicas. São as velhas caixinhas da burocracia lusitana que herdamos;
3) Síndrome de Burnout: mais de 30% de professores e diretores escolares sofrem desta síndrome, cuja expressão é o desânimo e a depressão. Perde o fôlego. Daí o vocabulário dos educadores do ensino fundamental ser recheado de queixas e rancor. Não precisa ser bom orador para despertar a ira de uma platéia de professores. Não existe um programa básico nacional que tente amenizar este problema. E a busca por melhoria do IDEB agravou a angústia na sala de aula. Em qualquer escola de ensino básico país afora é possível ouvir que um professor demora ao menos vinte minutos para começar uma aula. A baderna, o desrespeito, a ausência, um certo autismo social que envolve os alunos, desmonta o ânimo de qualquer professor, mesmo os mais preparados e entusiasmados;
4) Tempo: a organização do tempo do professor de ensino básico é um escândalo a parte. Tripla jornada é básico no planejamento desses profissionais. Sem dedicação exclusiva e com um máximo de turmas para cada professor, não há saída. O esgotamento é questão de meses. Não é por outro motivo que estamos falando da categoria profissional que mais entra com pedidos de afastamento médico entre outubro e dezembro em nosso país.
Qualquer gestor educacional sabe desta realidade. Mas se esconde como avestruz. Prefere adotar paliativos que jogam a culpa no próprio professor: não tem formação, não sabe dar aulas, precisa de premiação para incentivar a melhorar o IDEB. Enfim, o gestor nunca aparece como culpado. E, pior, a universidade aplaude. Muitas vezes, ataca seus colegas, não são solidários.
Mas não só os gestores. Temo que o rancor da categoria tenha contaminado o sindicalismo de professores. Os dirigentes sindicais sabem desses problemas. Mas continuam se fixando na pauta econômica porque mobiliza facilmente e não exige grandes reflexões técnicas. Não sei se vender a saúde é um caminho eticamente aceitável. Mas é disto que estamos falando: a educação nacional do ensino básico vive esta dsputa entre salário/sindicatos X controle/gestores.

4 comentários:

Adriano José disse...

Excelente artigo. Parabéns pela lucidez, acho que essa discussão tinha que ser ampliada em todos os meios de comunicação. Mas, como vc bem disse, gestores e até mesmo as entidades representativas da categoria não atentaram ainda para o fato de que o salário é um aspecto, de fato importante,mas não é a única dificuldade de profissão docente. Adorei o toque que deu na academia. Enfim Parabéns pela iniciativa de propor o debate.

AF Sturt Silva disse...

Estou tendo a oportunidade de estagiar para concluir minha licenciatura numa escola de ensino fundamental (de 6º ao 9º) duma cidade do interior mineiro. Fiquei horrorizado com o que vi nos primeiros dias de observação. As coisas só pioraram depois que sai,a uns 7 anos,quando me formei no ensino fundamental nesta mesma escola.

A questão das agitações na sala de aula como indisciplina, desinteresse é um algo incontrolável. Uma verdadeira panela de pressão preste a explodir, mas já entornando pelas gretas da mesma. Nem o conteúdo básico o professor consegue passar, imagina conseguir uma atividade alternativa ou mesmo extra-classe.A estrutura física e outro problema grave que vi.

E olha que escolhi as melhores turmas da escola com medo de ficar traumatizado com a questão da violência em turmas da noite.

O engraçado que na sala do café as falas ouvidas dos professores, foram todas as possíveis de menos a questão salarial.

"Burocratização, papelada, indisciplina, falta de apoio da escola e da sociedade”, violência e depressão foram palavras que mais ouvi entre aqueles que tiveram contato. É um consenso que temos uma crise estrutural na educação.

Minha proposta era entender a diferença que se tem entre a teoria e pratica. Por que tanta teoria nos cursos de licenciatura?E por que essa diferença gritante entre o meio acadêmico e a educação básica?

Agora eu pergunto como podemos chegar uma educação "libertária" com esse tipo de espaço sociocultural?(queria ler sua opinião sobre isso, se puder responder).

A impressão que fiquei é que o liberalismo deu liberdade e deixou para trás a “responsabilidade”.
Isso me faz pensar que uma saída, e talvez a única, devido à falta de formação para os profissionais é que os professores muitas vezes vão buscar auxílio em um modelo que não acompanhado por elementos que atende as demandas da realidade atual pode ser um retrocesso, se isso é possível. Um modelo tradicional autoritário. Ou seja ,a volta do velho para contrapor os novos desafios e as novas dificuldades.

Flavio Serafim disse...

Perfeito! Só falta colocar uma reflexão se, após apreciadas as reportagens sobre o episódio do Rio de Janeiro, a escola ainda seria um local onde os pais deixam seus filhos e ficam tranquilos em casa ou no trabalho enquanto suas crianças estão estudando.

Dulcinéa disse...

Rudá, perfeito o texto. Quando você se refere a gestores, inclui diretores, supervisores e vice-diretores de escolas?
Faltou incluir que a violência se dá de forma acentuada da hierarquia da própria escola em relação aos professores. Eximem-se de culpa pelos descalabros cotidianos, preferindo penalizar os professores e com o conluio de Secretários de Educação e de todo o sistema.
Realmente, o salário é só um aspecto, como diz Adriano.
Volte a este assunto muitas, inúmeras vezes. Tudo o que se escrever sobre isto será pouco.
Obrigada por tornar público este tema.