sábado, 5 de março de 2011

Leonardo Avritzer e a sociologia otimista


Há anos Avritzer produz uma série histórica sobre o orçamento participativo e o associativismo em capitais do Brasil. Trata-se de um autor respeitado. Mas desconfio que há um problema de base de coleta de dados em suas pesquisas. Que gera - ou é gerada - um otimismo surreal em relação ao avanço da democracia deliberativa no Brasil. Já nas suas pesquisas a respeito do orçamento participativo, onde vê avanço, percebo estagnação e envelhecimento precoce. A experiência é, ainda, basicamente petista e, mesmo assim, não envolve todas administrações deste partido. Não se espraia pelo país e mesmo após tantos anos, não atinge 5% das localidades brasileiras.
Ontem, a CBN me entrevistou e questionava a conclusão da última pesquisa de Avritzer, segundo a qual Belo Horizonte possui a maior prática associativa entre capitais brasileiras, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo. Perguntei sobre vários dados da pesquisa e fiquei surpreso. Acredito que o problema está na base de dados, excessivamente oficial e/ou quantitativa. É evidente que Belo Horizonte não possui uma prática ou cultura associativa muito desenvolvida. Veja os casos de alteração da Lei Orgânica no ano passado (que não foi acompanhada por organizações de base, mas apenas pelo Nossa BH) ou reação da população à chacina no Aglomerado da Serra (envolvendo reações emocionais desorganizadas) ou mortes no Anel Viário da capital. Veja a total ausência de reação à tentativa de destruição dos conselhos de gestão pública pelo vereador Leonardo Mattos (PV). Não há nenhum sinal de articulação ou reação do "associativismo" de Belo Horizonte. Mas a ação social em Recife é visível à olho nú. Me preocupa saber que em localidade onde o governo promotor da institucionalização da participação popular na gestão, ao perder, não deixa um legado cultural, não consegue inscrever estas práticas como direito da população. Em Belo Horizonte, as experiências participacionistas são todas tuteladas e alimentadas pelo governo local e, mesmo assim, vêm decaindo ano a ano.
O mesmo já ocorria nas pesquisas sobre o orçamento participativo. Avritzer envia pedido de dados para as prefeituras e são elas que respondem. Como ter controle sobre o dado oferecido? Trata-se de um problema de metodologia científica. Nesta pesquisa mais recente, se os dados são também quantitativos e oficiais, não há como ter controle sobre o resultado. Em tempo: a medida sobre a cultura participativa está na mudança do processo decisório das políticas públicas de uma localidade (incluindo a mudança de rotinas das secretarias de governo) e o impacto real na cultura política (nos valores e representações) da população pesquisada. O que exige um fôlego razoável de investigação.
Sempre tive um orgulho não explícito ao ouvir que a sociologia é a ciência do desencanto porque ela é a expressão do pensamento crítico sobre todos aspectos da vida social. Uma desconfiança que me parece a alma de qualquer investigador.

8 comentários:

Ana Carolina disse...

Eu assisti uma palestra do Avritzer sobre Orçamento Participativo aqui em POA, no Seminário Sistema Estadual de Participação Cidadã. Fiquei mesmo motivada. Escrevi um tx sobre o Seminário, está publicado no site do Sul21, no Opinião Pública. Penso que, além de trabalharmos com a racionalidade fria, temos que trabalhar com a esperança. Como se vai ter fôlego para ir além, se há uma convicção coletiva de que o além não existe? Alguém tem de trabalhar o horizonte ou então podemos fazer como os filmes de catástrofe: Vamos dizer para todas as pessoas que o mundo vai acabar - LOGO - que a Terra está rachando, que vamos ser congelados, sem poder dizer o que pensamos e que a lei NUNCA vai ser solução para a selvageria humana. Podemos fazer isso, seria racional o suficiente para vc, Ricci?
Não é uma zanga com o que você escreveu, é um questionamento sobre metas, sobre o futuro.
Att
AC

Rudá Ricci disse...

Ana Carolina,
Não, motivação não é suficiente. A campanha pela diretas motivou muita gente, mas não foi suficiente para evitar a eleição de Sarney. A campanha contra Collor motivou, mas não foi suficiente para evitar que se elegesse senador e comandasse uma das comissões mais cobiçadas do Congresso Nacional. Criamos 30 mil conselhos de gestão pública no Brasil e não conseguimos controlar os governos ou criar uma cultura de participação nas políticas públicas. Para ser sincero: o trabalho de um cientista social não é motivacional. É analítico. Para isto já temos Paulo Coelho.

Ana Carolina disse...

Qual é o problema com o Paulo Coelho? Alguém tem e fazer as pessoas sonharem com as estrelas. Seria problema se todos fizessem isso. Ele faz. Cada um faz o que sabe. Pior se ele estivesse na internet ensinando a fazer bombas. Quanto aos Conselhos todos, quanto aos governos todos, são mais antigos do que eu, ou vc. Se de 100conseguirmos esclarecer 10, e esses 10 saírem lutando e mantendo a revolução permanente, serão 10. Dez é mais do zero. O que seria do Cristianismo se não fossem os 12 de sua assessoria de marcketing? Eu entendo o que vc diz, sobre o papel do Cientista Social, eu sou Mestre em Comunicação Social, mas eu sou a favor da pesquisa-ação. Minha pesquisa, minha vida, tem lado. Eu entendo o papel de descrença e de desarticulação que vc está fazendo. Alguém tem de fazer isso, para a gente ficar pensando: eu não quero ser assim quando eu crescer. Eu estou perfilada com a esperança, com a utopia e luta. Esses que lançam falsas esperanças, mesmo que aparentemente dos "nossos", caíram. Devagar, como tudo, quando se trata de justiça, mas caíram.
Att
AC

Rudá Ricci disse...

É, Ana. Temos gosto e idade bem diferentes. Com exceção dos conselhos de educação, que nasceram no início do século XX, todos os outros eu vi nascer (e ajudei a criar, vários, inclusive). Eu já vivi muito de esperança. Aliás, era o que nos restava nos anos de ditadura militar. Mas hoje, temos a responsabilidade de consolidar nossa democracia e, para tanto, não adianta carregar bandeiras e bandeirolas. Ao menos, no meu caso, já que assumi muitas responsabilidades nesta área.
Percebo um certo exagero de sua parte, algo próximo do desespero. Há uma distância enorme entre ser ingênuo (otimista) e fatalista. Entre os dois pólos há uma postura mais serena, responsável, equilibrada, protagonista.
No que diz respeito a Paulo Coelho... é melhor deixar prá lá. Não vale a pena gastar tutano com auto-ajuda.

Emanuel Marra disse...

Caro Rudá,

Participando dessa interessante discussão de uma maneira indireta, do ponto de vista da Práxis científica, não faz muito sentido uma distinção entre normatividade e positividade, tal como feito nas ciências naturais. Assim, no meu entender, normatividades estão sempre a criar positividades e é partir das positividades que as normatividades também se engendram na dinâmica social. Trata-se, portanto, de uma relação recíproca.

Nesse sentido, tendo a pensar que os estudos feitos sobre as experiências dos conselhos e OP’s pelo professor Avritzer são de valia ao evidenciar alguma potencial instância de participação cidadã na administração pública. Utilizando um jargão do vocabulário político, trata-se de uma “trincheira” que, a princípio, não faz muito sentido abandoná-la.

Claro, as críticas a qualquer tipo de estudo podem e devem ser feitas, afinal a falibilidade do conhecimento científico é a melhor forma de produzir conhecimentos que criamos até hoje. Logo, aceito e reconheço a importância de suas críticas quanto à consistência dos dados para o caso das experiências dos OP’s. E mais, também vejo como valiosas outras considerações que você faz sobre a qualidade participação em seu blog, tais como: grau de abertura das instituições participativas e forma de relacionamento entre poder público e sociedade.

Todavia, reconhecendo as críticas e tentando ir um pouco mais adiante, comungo com a ideia de conhecimento produzindo realidade para além dos limites do real que temos estabelecido. Nessa medida, todos nós (interessados pela temática da participação) estaríamos inseridos em uma “atmosfera” de - para não usar a expressão otimismo e pessimismo - variados graus de empatia acerca desse assunto.

Grande abraço,
Emanuel Marra

Rudá Ricci disse...

Emanuel,
Acho que você foi além do que se denomina de práxis. Chega a resvalar no idealismo, que supõe que as idéias fazem o mundo real. Não sou um marxista ortodoxo, mas não tenho como concordar com este tortuoso raciocínio. Há que se preservar os princípios e protocolos metodológicos para se construir uma pesquisa científica. E as fontes definem, em muito, este percurso. Por exemplo: se vou estudar a resistência de colonos italianos que substituíram a mão-de-obra escrava negra no Brasil e adoto como instrumento de consulta as cartas que enviavam aos seus familiares na Itália, terei um viés emocional a ter que necessariamente ser controlado. Ao se comunicar com um familiar distante, esta relação afetiva faz toda a diferença, o que pode mascarar (ou maximizar) a situação realmente sentida. Ora, numa pesquisa sobre a dinâmica da participação popular, tenho que saber em que medida as modalidades de participação alteram a realidade destes participantes e o seu impacto real nas práticas políticas. O correto seria utilizar um grupo de controle (de não-participantes) e adotar vários indicadores de impacto (representação, valores, práticas, impacto sobre processo decisório local e assim por diante). E se a participação estudada se resumir aos militantes partidários que já participavam antes dos processos que estão em tela, sendo investigados?
Enfim, é necessário ter muito cuidado. Pesquisa não é confirmação, não pode partir de uma verdade já definida pelo investigador ou se torna verificação. Investigação parte de dúvidas sinceras, da abertura ao novo. Não dá para confundir desejo político com investigação social.

Emanuel Marra disse...

Não que a idéias façam o mundo real, tal como em toque de mágica Rudá. Mas que idéias e realidade estão continuamente em um processo de simbiose que produz realidade sim. O meu pressuposto é que pensamento e realidade não podem ser dissociados e, mais, o pensar, inserido na realidade, é uma forma de incremento no real.

Sobre os riscos de se enviesar uma pesquisa, isso sempre é possível e os métodos são alguma garantia, mas não suficiente. Afinal, dados manipulados, mesmo com todos os procedimentos estatísticos ou hermenêuticos disponíveis, de vez em quando aparecem por aí.

Além disso, me parece razoável considerar outros problemas acerca da própria possibilidade de produção do conhecimento científico. Um método positivista pode esbarrar nas dificuldades de simular condições laboratoriais na realidade. Um método interpretativo está sempre sujeito ao risco da generalização ou do subjetivismo.

Mais uma vez Rudá, reconheço e valorizo as suas considerações acerca da qualidade da participação no Brasil. Para mim, entretanto, é mais prudente procurar as falhas pontais das pesquisas produzidas acerca dessa temática. Detectadas tais lacunas e observadas as potencialidades, ainda parece razoável utilizar-se daquilo que é útil como, de novo, uma "trincheira" no processo de construção da participação cidadã na nossa administração pública. É nessa medida que pensar e realidade se encontram na minha formulação.

Obrigado pela atenção e pelo espaço,
Emanuel Marra

Rudá Ricci disse...

Emanuel,
Práxis não faz parte do arcabouço positivista. O positivismo nasceu pelas mãos de Comte, a partir de sua crítica ao que se seguiu à Revolução Francesa, denominada por ele de "filosofia negativista" (que tudo negava, destruindo todos pilares da coesão social). Daí sugerir uma ciência (que inicialmente ele denominou de física social) que procurasse entender os fenômenos coletivos positivos, agregadores e sugerir que eles fossem garantidos por lei. O fato, neste caso, era a verdade. Ora, a práxis é justamente a superação deste fato social positivo. Mandel, em seu livro Capitalismo Tardio, faz uma síntese do pensamento dialético enquanto método. Vale a pena conferir.