Excerto de seu artigo recém divulgado:
"Agora quão razoável seria esse cenário de repetir a mudanças ocorridas nos cinco anos de 2003 a 2008 nos próximos cinco de 2010 a 2014. A análise por fonte de renda mostra um crescimento da renda do trabalho no período 2003-08 tão forte quanto as demais, o que sugere alguma sustentabilidade do processo de crescimento com redistribuição pregresso, interrompido mas não revertido com a crise. A tendência das séries de anos de estudo, fundamental tanto para a literatura de crescimento como da de desigualdade dão suporte tanto em nível como dispersão a continuidade da trajetória de crescimento. Nesse aspecto há que se lembrar dos problemas de qualidade de educação - que aqui representam oportunidades de melhorar que é o que importa quando se fala em crescimento, uma vez que hoje há aferição de proficiência por escola pública e metas de desempenho traçadas. Vou centrar inicialmente num cenário de prazo mais longo encerrado em 2014. Projetaremos para frente o crescimento e a redução de desigualdade do período 2003-08. Esse cenário é possível de ser quantificado usando a desigualdade observada no Espírito do Santo em 2008. Nesse caso é possível obter uma redução de pobreza à metade, 50,32% dos níveis de hoje, isto é caindo de 16,02% da população em 2008 para 7,96% em 2015. Ora, 2014 é a véspera da data final das metas do milênio. Nós já cumprimos a primeira meta do milênio de fazer a pobreza cair à metade em metade do tempo. Isso significa cumpri-la de novo em cinco anos ao invés de 25 anos. A consequência desse movimento em
termos das demais classes é o seguinte: queda da classe D de 18,28% (de 24,35% para 19,9%), aumento da classe C de 14,75% (de 49,2% para 56,48%) e aumento proporcional da classe AB de 50,3% (de 10,48% para 15,66% da população). Ou seja, o cenário auspicioso mostra que se a pobreza cai à metade, a classe AB dobra.
Vamos ilustrar o impacto da desigualdade em cenários assumindo um crescimento balanceado - uma situação onde a desigualdade nem aumenta nem cai. A proporção de pobres cairia 33,32% em cinco anos nesse cenário de crescimento neutro contra 50,32% ajudado pela redução da desigualdade. Ou seja, a pobreza cai pouco mais de 50% a mais se a redistribuição dos últimos anos retornar.
Mas e a curtíssimo prazo? Se ancorarmos 2010 no cenário para 2014, no cenário de redução do Gini dos últimos anos a pobreza cairia cerca de 10% em 2010. Se olharmos todos os possíveis limitadores da nossa expansão de curto prazo, inflação, déficits público e externo não há restrições a vista. O desaquecimento da economia mundial tem sido compensado pelo crescimento do mercado interno impulsionado pela redução do hiato mais brasileiro de todos, a desigualdade. Se não há fatores restritivos para além da restrição dos mercados externos, no curtíssimo prazo há fatores expansionistas no radar. O efeito estatístico denominado "carry-over" que jogou contra em 2009, ano de desaceleração, irá jogar a favor no ano seguinte. A redução generalizada de estoques ocorrida em 2009 sugere que os empresários previram uma recessão pior que a ocorrida e essa queda de estoques atuará como fator expansionista no futuro. O mesmo efeito ocorreu com o emprego formal que já revela a partir de outubro de 2009 sua face expansionista. Finalmente, se 2010 seguir a tradição de todos os anos eleitorais da nova democracia brasileira (na verdade desde
1981), há que se esperar ganho em todas as fontes de renda, nas transferências
públicas em particular."
Marcelo Côrtes Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV e professor da EPGE/FGV
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