domingo, 20 de dezembro de 2009

Estilos políticos e popularidade, na visão de José de Souza Martins


Excertos do artigo "Com água pelo pescoço", de José de Souza Martins:

"O prefeito Gilberto Kassab quase se afogou na enchente de questionamentos que sofreu
em virtude da resposta distante à pergunta sobre o caos próximo causado pelas enchentes. E, depois, pela demora em visitar o Jardim Romano, na zona leste, ruas e casas invadidas pela água suja do transbordamento do Tietê. Ao uso da palavra caos pelos repórteres, negou-o, fazendo um relatório técnico completamente fora de hora sobre o acerto e a eficácia de medidas para contenção das águas em determinados rios da cidade. O relatório podia ser correto, mas o momento pedia outra resposta em face da aflição que alcançava milhares de trabalhadores com dificuldades para chegar ao trabalho ou voltar para casa, as ruas cheias de água, o trânsito impedido ou dificultado, pessoas em perigo. A coisa se complicou dias depois quando perguntado por que não estivera no Jardim Romano, cujas casas estavam inundadas. Respondeu dizendo que já fizera três vôos de helicóptero sobre o bairro para avaliar a extensão do problema. Na verdade, o que queriam saber é porque ainda não visitara as casas dos moradores. Provavelmente, tanto as medidas técnicas para conter as enchentes quanto o sobrevôo no bairro são mais apropriados para tomar decisões, mesmo as de emergência, do que falar em caos e do que entrar nas residências inundadas. Mas não é isso que conta em situações como essas. Economista e engenheiro, Kassab reagiu de acordo com os parâmetros dessas profissões e com a mentalidade de sua classe social. Ao fazê-lo, expôs o abismo que não raro separa o poder e o povo. Isso não é uma questão de partido político. Marta Suplicy, quando era ministra do Turismo, em 2007, pagou alto preço por usar expressão imprópria, ao se referir às vítimas dos congestionamentos e atrasos nos aeroportos do país, com a sugestão grosseira do 'relaxa e goza'."

(...)
"No dia seguinte à manifestação desastrosa de Kassab, Lula, em São Luís do Maranhão, falando de improviso na assinatura de contratos do programa "Minha casa, minha vida", disse que queria "tirar o povo da merda". Foi ovacionado, apesar da violação dos critérios de contenção e decoro do que deve ser a fala do presidente da República, o caso, porém, tratado como mais um divertido deslize do governante. A diferença de reações entre o que aconteceu com Kassab e o que aconteceu com Lula, independente dos problemas substantivos que cada caso encerra, está nas ocultas determinações que regem a conduta dos atores, como num teatro."

(...)
"Por que o que é lícito para Lula não é lícito para Kassab? Porque aqui, no entendimento popular, os políticos são originários da elite e governam em nome de uma concepção de mando do tempo em que as relações sociais e políticas eram muito mais desiguais do que são hoje, em que governar era, para o homem comum, equivocadamente sinônimo de mandar e ser governado era sinônimo de obedecer. Algo herdado da cultura da escravidão, distante, portanto, da concepção democrática de que tanto governantes quanto governados devem obedecer a lei e não a pessoas."

(...)

Nenhum comentário: