domingo, 1 de novembro de 2009

Entrevista de Frei Betto ao Jornal do Commercio (Pernambuco)


“Lula e o PT se afastaram dos movimentos sociais”Publicado em 25.08.2009

Uma das vozes mais respeitadas na luta contra a ditadura miltar e pela justiça social, Carlos Alberto Libânio Christo, Frei Betto, tem um acordo com o presidente Lula, de quem foi assessor especial até 2004: não falar sobre a amizade de ambos. Teólogo e escritor, com 51 livros publicados, Frei Betto, porém, não abre mão das críticas ao (des)caminho do governo e do PT. De passagem pelo Recife ontem, um dia antes de completar 65 anos, apontou o afastamento dos movimentos sociais e a ausência de reformas estruturadoras como os maiores erros de Lula. Também se mostrou feliz com a possível candidatura ao Planalto pelo PV da senadora e ex-petista Marina Silva (AC).
PERGUNTA – Qual o maior desalento com a política partidária feita no Brasil?

FREI BETTO – É que a democracia, que foi conquistada com muito sangue, suor e lágrimas, relativamente chegou ao mundo político. Mas não ao econômico. Ainda há uma brutal desigualdade social no Brasil. São 31 milhões de pessoas na miséria, em um País altamente produtivo que nunca fez uma reforma agrária. Só há dois países nas três América que não fizeram a reforma: Brasil e Argentina.

PERGUNTA – Lula carrega o ônus de não ter realizado essa reforma?

FREI BETTO – Creio que o governo Lula representa um avanço muito importante frente aos anteriores. Mas Lula e o PT tinham o compromisso de realizar reformas de estrutura. Talvez essa seja a primeira grande oportunidade histórica pela via pacífica e democrática. Mas até agora não há nenhuma reforma. Em vários aspectos o governo dele é positivo. Dou nota dez à política externa. Acho importante o Bolsa Família, mas era muito mais importante o Fome Zero (antecessor), que o próprio governo descartou. Ele tinha um caráter emancipatório. O Bolsa Família é compensatório.

PERGUNTA – Ainda há tempo?

FREI BETTO – Não dá mais. Já entramos no período eleitoral. Tudo agora vai ser feito em função das urnas. A crise no Senado não é um problema do presidente Sarney. É um problema da falta de reforma política. Ou seja, temos uma representação política muito viciada. Como um Estado como o Amapá pode ter o mesmo números de senadores do que São Paulo? Está errado! E não se mexeu nisso. Resultado: o tumor está sendo suturado.

PERGUNTA – Há caráter eleitoreiro no Bolsa Família?

FREI BETTO – Não conheço nenhum político que faça alguma coisa sem pensar em eleição. O que lamento é que não tem porta de saída. Quem entraria no Fome Zero ficaria, no máximo, dois anos recebendo do governo. Depois, estaria em condições de produzir a própria renda. E isso foi substituído, o que cria uma dependência das famílias. Até agora ninguém encontrou nenhuma saída.

PERGUNTA – O presidente tem base no Congresso e popularidade recorde. Mas não usou isso em favor das reformas. Foi o maior pecado?

FREI BETTO – Escrevi dois livros para divulgar minha análise sobre o governo Lula (A mosca azul e Calendário do Poder). Neles, enfatizo que o governo Lula era o primeiro na história do Brasil que tinha duas pernas de governabilidade: movimentos sociais, que o elegeram, e o Parlamento. Todos os presidentes dependem apenas do Parlamento. Lula poderia ter apoiado sua governabilidade também nos movimentos sociais. Aí teria tido uma força incrível para fazer as reformas que quisesse. Lamentavelmente, o presidente descartou o apoio dos movimentos sociais. Pelo contrário. Até cooptou. Hoje, a CUT e a UNE não têm nenhuma avaliação crítica. A exceção é o MST.

PERGUNTA – Por onde passaria a reconciliação do PT com as antigas bandeiras?

FREI BETTO – Continuo investindo nos movimentos sociais. Agora, vejo como muito positiva a entrada da senadora Marina Silva no páreo presidencial. Temia que, só com dois candidatos, o pleito se resumisse a um debate de avaliação do governo Lula, num olhar para o que passou. Com a entrada da Marina, vai ser um olhar para o projeto Brasil. Ou seja, todos os candidatos terão que discutir que Brasil que nós queremos.

PERGUNTA – O tamanho do PV atrapalharia esse projeto?

FREI BETTO – Isso é bobagem. Quem é que diria que o Collor iria chegar a presidente. O brasileiro é pouco partidarizado. O negócio dele é a figura humana.

PERGUNTA – Marina atrapalha a candidatura da ministra Dilma Rousseff?

FREI BETTO – Claro. Divide. Há um grande contingente de eleitores que não votariam em Serra, mas em Dilma. Conheço vários que pensam em votar em Marina.

PERGUNTA – O senhor vê o PT caminhando para o fim?

FREI BETTO – Não. Acho que o PT tem fôlego para muitos anos. Mas não mais com militantes. Mas com correligionários, o que é diferente. Preocupo-me quando vejo candidatos majoritários do PT pagarem pessoas para fazer campanha de rua. Vi o PT atuar com militância voluntária e idealista. Receio que o PT dos anos 80 tenha sido descartado pelo próprio PT. Seus dois grandes capitais eram a ética e o vínculo com os movimentos sociais. E ele perdeu os dois. Agora, como recuperar, não sei.

PERGUNTA – O papel de Lula foi determinante para o esfacelamento do partido?

FREI BETTO – Evidente. Ele é o fundador, o inspirador. No caso do Senado, tomou uma posição em defesa do Sarney, sem sequer apurar as denúncias.

PERGUNTA – O senhor conversou com ele sobre isso?

FREI BETTO – Não falo da minha amizade com o presidente.

PERGUNTA – Em quem o senhor pretende votar?

FREI BETTO – Estou balançado entre Dilma e Marina.

PERGUNTA – Como o presidente Lula vai entrar para a História?

FREI BETTO – Como um grande estadista, como Getúlio ficou.

PERGUNTA – Mas que não fez as reformas.

FREI BETTO – Isso, infelizmente, só a minoria percebe. O povo está feliz porque tem estabilidade econômica, vai à feira e o preço é o mesmo, tem Bolsa Família

2 comentários:

Anônimo disse...

A Mosca Azul e Calendário do Poder... As entranhas do poder.

GS disse...

Penso que a porta de saída se dará com o tempo, a partir da consolidação do programa...

Pactuo com a maioria dos apontamentos de Betto. Mas, nesse caso, não. E mais, vem ele vai ao encontro da fala da oposição - ele é oposição - partidarizada que tem tido o mesmo discurso.

Estamos nos esquecendo do tempo. Ou dá para acontecer duas coisa dessa dimensão concomitantemente? Pois há sim saída, só que ainda ela não é vultosa.