sábado, 28 de fevereiro de 2009
A Folha e a "ditabranda"
No Brasil costuma-se brincar com tudo. Mas sempre há um sinal interior que indica quando se passa de um certo limite. Um limite ético.
Os fatos:
1) Editorial da Folha de SPaulo, de 17/2, aplica a expressão “ditabranda” ao regime militar;
2) Os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória Benevides enviam carta ao jornal perguntando: “Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de ‘ditabranda’? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos (...) O autor do vergonhoso editorial de 17/2, bem como o diretor que o aprovou, deveria ser condenado a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada. Podemos brincar com tudo, menos com o respeito devido à pessoa humana”;
3) As cartas são publicadas acompanhadas da seguinte Nota da Redação: "Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente ‘cínica e mentirosa’.”;
4) O professor da Unicamp, Caio Navarro de Toledo, faz circular na internet uma nota de desagravo e coleta, no Carnaval, mais de 3 mil assinaturas. Estou entre os 3 mil, e assino com o mesmo orgulho que senti nos anos 80, militando pelos direitos humanos e mudança do meu país. Com o mesmo orgulho com que tento auxiliar no aprofundamento da democracia participativa na América Latina.
Sei que Maria Victória e Fábio Comparato não precisam de defesa. Sua história é a própria defesa. Mas o mesmo orgulho que me toma ao assinar a nota (ou abaixo-assinado) concebido por Caio Navarro é o que me envolve por conhecê-los. Pessoas como eles dois infelizmente são uma raridade. Estão no mesmo "pódio" que Zander Navarro: são discretos mas a veemência de sua postura parece fazer de suas vozes comedidas algo próximo de um grito. É a atitude que grita. Que incomoda. Mas o que faz um jornal, que não poderia mais assumir uma postura juvenil, procurar conformar uma "tábula rasa" entre todos brasileiros? Qual o motivo para se achincalhar figuras públicas, reservas morais de nosso país, colocando-os, gratuitamente, no mesmo patamar de políticos corruptos, dissimulados e tantos outros que rodeiam manchetes de jornal? A banalização. Este conceito que faz do jornalista um humano superior, que olha de cima o submundo que noticia.
Alto lá! Calma que o andor é de barro! Não se constrói um país banalizando-o. Não é possível transformar tudo em ironia. A imprensa brasileira deixa de ser espelho e passa a ser tese. Nada mais político, com "p" minúsculo.
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2 comentários:
Bitabranda...
Pode ser que, pelos critérios da turma da Folha de São Paulo a ditadura deveria ter sido mais profunda.
Por exemplo, os militares não cumpriram direito “o serviço” ao não acabar com a raça do líder sindical dos anos setenta...
Mas convenhamos, eles sabem o que fazem – até os do O Globo estão fazendo o revisionismo deles – já que contam com a miopia (quase) generalizada dos leitores do país, onde, gente como Diogo Mainardi, faz parte do olimpo.
Acho que pior que o equivocado editorial, é conviver com um artigo constitucional que permite que todos expressem suas opiniões (em um amplo meio de comunicação), até as mais irresponsáveis.
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