Estou lendo A Razão Populista, de Ernesto Laclau. Estudei este autor (que faz um interessante cruzamento de Marx/Gramsci e Lacan) mais de 20 anos atrás. Agora, neste livro recém publicado no Brasil, ele propõe, entre outras, a dicotomia entre institucionalismo e populismo, sendo o extremo, a crença liberal na imutabilidade do campo institucional e, no outro, a política do puro protesto autorreferente. Não seria este o pêndulo político tupiniquim?
O fato é que o conceito foi, no Brasil, trabalhado por autores como Octavio Ianni e Francisco Weffort. O fenômeno ficou vinculado à emergência das massas urbanas em meados do Século XX que estabeleceram tensões crescentes com a institucionalidade vigente, que não atendia suas demandas. O líder populista aparecia a partir deste cenário de conflitos inovadores, quase sempre confundido com a figura do líder carismático weberiano.
A tese de Laclau, no livro em tela, pode ser assim resumida:
1) Trata-se de um modo de construção do político;
2) Faz parte de sua constituição a apresentação de demandas sociais que não são atendidas pelos governos de plantão. Ao se somar a insatisfação dos autores da demanda não atendida com outras demandas também órfãs, constrói-se forte tensão popular com o campo institucional e o bloco de poder;
3) O salto para o fenômeno do populismo, contudo, se dá quando se consolida um processo hegemônico de representação no âmbito do discurso popular para além da soma das demandas não atendidas. Esta operação se faz quando uma das demandas se destaca à condição de representação de um amplo campo popular (como as Diretas Já ou Impeachment de Collor que galvanizou todo campo social insatisfeito). Laclau denomina esta construção discursiva de "significante tendencialmente vazio". Um significante aparentemente sem significado mas que nomeia a insatisfação coletiva e une os insatisfeitos.
Laclau, como se percebe, está no campo da análise da construção do discurso popular. Não apenas que dialoga com as tradições, mas com os desejos frustrados que se configuram politicamente em determinado momento histórico.
Ora, o que parece interessante é o percurso metodológico de análise de fenômenos sociais incompletos que se repetem constantemente neste início de Século XXI e que se manifestou no Brasil em junho.
A incompletude e provisoriedade estiveram presentes nos EUA (Occupy), Espanha (M15), Primavera Árabe, Argentina (Assembleias Populares), Islândia (Revolução das Panelas) e aqui. A ausência de uma "classe universal" foi sua marca. Foram mobilizações sociais desfuncionais do ponto de vista da lógica da Ordem. Não dialogam com a construção do poder instituído, demandam sem apresentar sugestão de reformas políticas.
Vocês leram o texto de Bruno Torturra na revista Piauí ("Olho da Rua") sobre a Mídia Ninja e os dias de protesto junino? O texto é intenso e cruza as manifestações e confronto campal com papel das redes sociais e difamação, terminando com dilema pessoal (ou existencial) frente à tanta exposição instantânea. Uma explosão social e individual à velocidades extremas que arrastam pessoas, reputações, instituições num turbilhão.
Acho um belíssimo contraponto o artigo de Bruno com o texto teórico de Laclau.
Dificilmente construiremos conceitos muito acabados a partir de dinâmicas sociais tão incompletas e avassaladoras como se projetam neste início de século.
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