quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Entrevista sobre polarização PT X PSDB

Fui entrevistado por um aluno de jornalismo sobre este tema espinhoso. Reproduzo, abaixo, minhas tentativas de resposta:

Desde 1994, quando Fernando Henrique ganhou a eleição para presidente, PT e PSDB vêm sendo hegemônicos nas disputas pelo Palácio do Planalto. Por quais motivos esses dois partidos polarizaram as cinco últimas disputas presidenciais? A manutenção desse quadro trouxe benefícios para a forma de fazer política no Brasil? Em que ela atrapalha?
R: Porque os dois partidos confluíram para o mesmo ponto programático e ideológico. Primeiro foi o PSDB, que se deslocou do discurso socialdemocrata europeu para o liberalismo, ao se aliar com o PFL e criar uma aliança eleitoral que governou com FHC. Depois, veio o PT, com o advento do lulismo, que jogou o PT, do discurso socialista (difuso) para o social-liberalismo. O ponto comum é o respeito pleno do mercado. A diferença fica por conta da ênfase em relação às políticas sociais. Mas mesmo nas gestões PT, é evidente que as obras de infraestrutura são muito mais importantes (veja os governos municipais petistas desta atual geração) que qualquer instrumento de transparência ou participação (controle social ou democracia deliberativa) nos seus governos. Tenho a impressão que as oligarquias regionais e a lótica avassaladora do mercado internacionalizado dominaram a cena política. O mundo político brasileiro capitulou à economia. Quem perde é o representado, que hoje tem o mesmo poder de influência na política formal que na República Velha. PT e PSDB conseguiram fazer a ponte entre esta lógica e, no caso do PT, atendimento às demandas sociais mais agudas.

Em 1989 PT e PSDB estiveram do mesmo lado no segundo turno de uma eleição para presidente. Naquela ocasião, o psdbista Mário Covas apoiou Lula na disputa com Fernando Collor. De lá para cá os dois partidos estiveram sempre de lados opostos nas eleições presidenciais. O que houve de diferente naquela eleição em relação às seguintes? O que foi mais determinante para que a aliança não se repetisse para o mesmo cargo: as transformações nos programas de governo, o fato de ambos conseguirem lançar candidatos competitivos ou os dois partidos terem chegado à presidência em um período próximo?
R: Em Minas Gerais, Fernando Pimentel forjou uma importante aproximação com Aécio Neves. Aliás, durante os oito anos de governo Aécio, Lula o apoiou com muita decisão. Chegou, num encontro no Minas Centro, a dizer que trataria Aécio como se fosse um governador petista. Lula procurava dividir o PSDB, quebrando o núcleo paulista. Conseguiu, em parte. Os frutos mais nítidos foram os comitês Lulécio (Lula + Aécio) e Dilmasia (Dilma + Anastasia). Portanto, a disputa, eu arriscaria a dizer, é paulista, núcleo duro dos dois partidos. No resto do país, não vejo uma rejeição tão nítida. Obviamente que o núcleo paulista alimenta o ódio dos filiados. Mas, se os militantes pararem para pensar, perceberão que apenas as privatizações os divide efetivamente. Aliás, em dias de Dilma Rousseff, nem isto.

Em um recente artigo escrito pelo cientista político Marcos Nobre, publicado pela revista Piauí e comentado no seu blog, Nobre disse que os tucanos não fizeram oposição efetiva ao governo petista. O PSDB é um partido de oposição menos combativo do que foi o PT no governo FHC? O Lulécio em 2006 e o Dilmasia em 2010 são sinais disso?
R: Exato. PT e PSDB vivem em função do outro. Veja que o surgimento de Eduardo Campos desorienta os caciques petistas e tucanos. A polarização PT/PSDB só interessa aos dois partidos. O PT solo, embora seja um sonho de Lula, levaria qualquer discurso oposicionista para dentro do bloco de liderança lulista. Aliás, foi exatamente isto que alimentou Campos e Marina e que lhes dá mais credibilidade como oposição não raivosa ao lulismo que os tucanos. No fundo, todos convergem para um ponto fixo do ponto de vista programático.

Antes da implantação do Plano Real, o pacote de intervenções na economia feito no governo do presidente Itamar Franco foi muito criticado por Lula e outra lideranças petistas. Após resultados positivos do Plano, nas duas eleições seguintes Lula não conseguiu passar credibilidade ao afirmar que se eleito manteria parte da política econômica. O PSDB hoje sofre dessa mesma desconfiança ao prometer não acabar com as políticas de inclusão social promovidas no governo do PT?
R: O PT dos anos 1980 e parte dos 1990 era muito distinto do PT sob a guarda do lulismo. No caso do PSDB, pode-se dizer o mesmo a partir da gestão FHC. O que sugere o quanto o Estado (o Executivo, mais especificamente) define a lógica do sistema partidário brasileiro. O PSDB está em decadência porque foi se fechando no ideário de seu eleitorado cativo. Na prática, o discurso tucano é anacrônico. O problema central, hoje, é consumo familiar. O PSDB não consegue propor uma linha sobre este tema. Afirmar que manterá as políticas lulistas de promoção do consumo popular é inverossímil, a contar pela raiva que os tucanos destilam contra tudo o que é feito pelos governos lulistas. O eleitor ouve e não acredita. Mesmo porque, o PSDB não está onde este consumidor popular está. Ora, se tem cara de elite, cheiro de elite, se veste como elite e frequenta os restaurantes da elite, como convencer que não destruirão tudo o que o lulismo montou? Já Campos e Marina, por terem participado tanto tempo do campo lulista, podem com mais propriedade afirmarem que mudarão algo, mas não tudo.

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