quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As chances das oposições e a tentativa da Exame

A revista Exame entabula várias matérias enquadradas no amplo título "Tendências 2014".
Inaugura a seção com uma matéria sobre política (o título é "A maré pode virar?") que é sucedida por uma série de outras que procuram fundamentar a tese desta primeira. Qual tese? Que a maré política pode virar.
Quem acompanha meu blog sabe que não vejo a menor chance disto ocorrer em 2014. O que não será o mesmo a partir de 2015.
A tese começa com um primeiro dado: 66% dos brasileiros querem mudanças em relação ao governo federal. Fato: pesquisa Datafolha. O que a matéria não trata é o motivo, então, para Dilma retomar seus índices de popularidade com certa celeridade. Mas a matéria cita outro dado: 60% dos eleitores receiam que a inflação aumente nos próximos meses. Fato. O que a matéria não diz é que pesquisa da CNI revelou que 63% dos brasileiros acreditam que hoje é mais fácil subir na vida que nos últimos dez anos. Também não informa que o último índice de desemprego do país é o mais baixo da série histórica.
Com as omissões que cito, a conclusão se tornou enviesada: as oposições teriam, afinal, sua chance em 2014. Não terão. O que faltou à matéria foi articular os dados. Se o fato é que Dilma não tem lá popularidade muito consistente, não é verdade que o eleitor acredite que é da oposição que virá o horizonte perdido de Shangri-La. Sugerem, na verdade, mudança a partir do governo Dilma, não fora dele.
Afirmei, em outra postagem, que comentaria algo de outro livro que acabo de terminar a leitura (Vozes do Bolsa Família) a respeito do imaginário das mulheres que recebem recursos da política de transferência de renda do governo federal. É daqui que vem, aparentemente, o voto mais fidelizado ao lulismo. Acho que é boa hora para comentar alguns dados e, assim, contribuir para o leitor perceber de onde vem o voto não-oposicionista do Brasil. Não vem da classe média tradicional que já é anti-lulista desde muito tempo.
Para não me delongar, vou resumir as conclusões dos autores:
1) Todas mulheres registram mudanças positivas em suas vidas a partir do Bolsa Família (BF);
2) Contudo, não se alinham a noção que o programa é um favor. Várias afirmam se tratar de direito. Uma delas chega a citar os políticos, que desviam dinheiro público (fruto dos impostos pagos por cidadãos como ela, reforça). Portanto, concluem, elas teriam direito a receber alguma coisa, já que os políticos retiram mais do que precisam;
3) Lula aparece não como o melhor politico, mas porque tem na memória seus dias de penúria. Ele vivenciou a vida que elas levam;
4) A grande maioria afirma que só vota porque é uma obrigação, mas que o voto em Lula melhorou, de fato, sua vida;
5) Todas dizem que se homem receber o BF, fará besteira;
6) A quase totalidade continua trabalhando, mesmo recebendo o BF. Caso das alagoanas entrevistadas que ainda cavam areias em Maragogi (Alagoas) para coletar maçunins. De cócoras, por horas a fio, o que agrava as dores na coluna.  Veja a foto de uma beneficiária do BF catando o marisco (também conhecido como vongoli).



Vamos lá. Não se trata de voto cativo no lulismo. Não é fidelização imediata. É reconhecimento. Talvez, empatia. O cara era pobre (não é mais, registre-se, para as entrevistadas). Portanto, Lula teria mais sensibilidade para com os pobres. E ponto final.
A classe média, incluindo os editores destas revistas voltadas para a classe média tradicional, não compreende o mundo que está abaixo socialmente de sua existência. Lembro das lições que tive quando fui foca do falecido Jornal da Tarde. Naqueles tempos, as matérias de fundo tinham este caráter investigativo, não apenas para capturar a corrupção da vez, mas para entender o Brasil. Hoje, esta captura do mundo real, do trabalhador simples, é tarefa de cientista social acadêmico.
Uma pena porque revistas e jornais não conseguem compreender o país. Destilam ódio e discriminação. Acreditam que todos pobres que recebem BF estão perto da base da pirâmide alimentar e não sabem pensar. Todos, presas fáceis dos espertos de plantão. Como os leitores das revistas.

3 comentários:

Rodrigo Machado disse...

comprei uma Exame que "apresentava" Eduardo Campos e vi que esta revista é muito pior que Veja. Inconsistente ao extremo.
Tu és uma pessoa ocupada, não deveria perder tempo lendo aquele lixo.
Feliz Natal e um ótimo 2014!

vera maria disse...

Essa é uma perspectiva explicitada com transparência e objetiva. Talvez vc esteja certo mas pertenço à classe média desiludida com os passos dessa política cujos avanços vc sublinha. É possível que tenha me tornado reaça? Não sei, espero que não, mas meu voto o PT perdeu. Parece que não fará a menor diferença.

kivas Arquitetura disse...

Exelente análise.
fica clarissimo como a imprensa "oficial" acabou assumindo um rótulo nefasto para todo o Brasil que é este de "pig" que hoje, mais do que golpista é de sujeira mesmo, de serviço mal feito. Uma pena.