terça-feira, 15 de março de 2011

As reações à minha entrevista à Caros Amigos


Foram muitas reações. Várias postadas no blog de Rodrigo Vianna (Escrivinhador).
A mais recente, vinda de Rondônia, em que um professor afirma que Lula seria fascista e não sabia (comentando jocosamente minha afirmação que o lulismo seria neogetulista). Na minha leitura, este professor deu um bom exemplo de como nosso sistema partidário caminhou para o passado. Explico. Os partidos políticos nasceram no século XVIII. Na ciência política são denominados de partidos de notáveis, porque viviam à sombra de expoentes da época. Eram, na verdade clubes (como clubes de futebol) e seus apoiadores algo parecido como torcida de time de futebol. A torcida só aparecia em época de eleição. Depois do jogo, a torcida sumia. Na verdade, não sumia, mas se transformava numa espécie de claque, porque não tinha outra opção já que era o notável, a partir de sua eleição, que fazia tudo, tendo poder ilimitado. No século XIX surgiram os partidos operários, de massa, denominados na ciência política de partidos modernos. Logo, os partidos operários contaminariam todo sistema partidário. O que tinham de novo é que continuavam funcionando entre eleições, tinham um programa de governo, tinham militância e não viviam ao redor de ídolos.
O professor de Rondônia pareceu ser um sincero torcedor de Lula. Mas não sabe que, assim, ajuda a acelerar a destruição do PT como partido moderno. O PT já foi um exemplo de partido moderno no Brasil. Mas desde 1994, foi se entregando à sana de ser uma máquina eleitoral. Foi abandonando seu programa, seus princípios, e caminhou para se transformar num partido-empresa. O partido-empresa é aquele em que o corpo administrativo manda no cotidiano partidário. Não sabemos quem são, raramente aparecem em público (apenas nas festas comemorativas do partido), mas fazem os contratos e acordos (comerciais e políticos), administram os recursos materiais, a fundação partidária e assim por diante. Nos escândalos, são eles que aparecem estampando as notícias. Com a projeção deste corpo administrativo, a militância perde seu lugar no processo decisório. Como perde lugar, o marketing ganha projeção, porque a conquista do voto não se faz mais pela paixão desinteressada. O marketing, por sua vez, é comandado pelo corpo administrativo, que tem objetivos claros: o resultado final. Assim, os intelectuais também perdem sentido neste novo partido. Porque quem define o eixo (ou posicionamento, como preferem os marketeiros), as cores, o sorriso e cabelo do candidato, os conteúdos leves e anódinos é o marketing. Como todo marketing voltado para o grande público, procura-se diluir tudo o que pareça mais ácido, menos palatável. Algo parecido com a TV Aberta. Para conquistar o grande público a TV Aberta tem que ter um pouco de tudo: um pouco de novela, um pouco de futebol, um pouco de programa de auditório, um pouco de jornalismo, enfim, tenta se pasteurizar.
Ora, então, onde ficam os apaixonados militantes? Do lado de fora da festa. Com a vitória, se jogam no alambrado que os separa dos jogadores e gritam, felizes, como se tivessem efetivamente ajudado o time a vencer o campeonato. Obviamente que os jogadores, no calor da vitória (ou num arroubo populista), dizem que parte do campeonato foi vencido pelos militantes. E os militantes agradecem, comovidos, e se jogam ainda mais no alambrado. Não estarão bebendo naquela boate fechada para que os jogadores comemorem com pompa a conquista do título. Mesmo assim, a torcida se delicia ao ler nos jornais como a festa foi animada. E aí começa a idolatria. A idolatria é um fenômeno em que aquele que idolatra não acredita em sua capacidade de vitória e transfere sua personalidade para a do vitorioso. Assim, a vitória do time é "sua" vitória. Esta projeção, ou transferência, é algo que pode atingir situações inimagináveis. Como a vitória do Brasil na Copa de 70, quando os torcedores deixaram Tostão semi-nu. Porque naquela invasão do campo, os torcedores literalmente tentavam encarnar na pele do seu ídolo. Não era apenas Tostão, nem Pelé, era toda uma torcida fanática que queria comprovar que era ela que havia vencido, era seu desejo, sua vitória consagradora, uma vitória que esfregava na cara de todos que a humilharam durante tantos anos, que fizeram pouco caso de sua paixão, de sua crença. Era o momento em que se exibia ao mundo, que dizia ao seu pai e seus amigos, o quanto era bom e eles não percebiam.
A vitória de Lula e seus mais de 80% de aprovação nacional redimiram os militantes. Mesmo não governando efetivamente, mesmo não participando de nenhum ato de decisão governamental, mesmo nem sendo ouvidos, os militantes apaixonados vão à desforra. Porque os mais de 80% de brasileiros estão a afirmar que eles tinham razão. E agora terão que se curvar à realidade.
Então, é comum a confusão geral. Porque neogetulismo não é fascismo. Fascismo é totalitarismo. E o getulismo foi autoritário, não fascista. O Estado Novo foi uma ditadura, não um totalitarismo. O neogetulismo nem autoritário é. Ele completa, na verdade, a modernização conservadora iniciada por Getúlio. Porque tanto Getúlio, quanto Lula, modernizaram a economia, mas politicamente deram lugar aos coronéis disfarçados, às oligarquias regionais. Um criou a urbanização do país e o outro o mercado de massas. Um transformou a carteira de trabalho (uma demanda dos empresários paulistas da CIESP para registrar os bons e maus empregados) numa "conquista" dos trabalhadores. Outro, criou o bolsa família, como um "direito" dos pobres. Ambos incluíram socialmente através da tutela e consumo. Mas não através da política.
Assim, militantes em sua sincera paixão, num mundo política cada vez mais sem paixão, não percebem que ao idolatrarem, já não torcem para aquele partido que permanece vagamente na sua memória. Já não é mais o partido dos trabalhadores. Agora, é o partido dos notáveis. O partido dos ídolos. O partido de Lula.

2 comentários:

Paulo Markes disse...

Olá Professor Rudá, li recentemente seu livro sobre o que você denomina de "lulismo". Concordo em muitos pontos de sua análise e em outros nem tanto. Ainda tenho dúvidas se é possível criar uma denominação, um "ismo" para um período de gestão que a meu ver é bem mais similar com o que já ocorreu em outras experiências de democracia representativa, particularmente na Europa, do que algo tão "específico" do Brasil. Me refiro até mesmo a transformação do PT, de partido programático e de militantes em "máquina eleitoral" como você se refere neste artigo. Nesse sentido minha pergunta para você seria: O PT não estaria simplesmente realizando o mesmo processo já realizado pela social-democracia européia? Exposto no clássico livro de Robert Michels "Os Partidos Políticos", no qual o autor ( que havia sido militante do SPD) analisa o fenômeno da "oligarquia" no partido social democrata alemão? Nao seria o PT a versão brasileira do PSOE espanhol, do PS Francês, do SPD Alemão, ou do Partido Trabalhista Inglês?( Certa vez ouvi de Raul Pont que o PT fez em 30 anos o que os trabalhistas ingleses levaram 100 anos para fazer) Não seria, portanto, um caminho "natural" de um partido social-democráta a partir da lógica eleitoral, se aproximar cada vez mais do centro? sendo que é onde se concentra a maioria do eleitorado? Assim que estaríamos na verdade sob a hegemonia dos "partidos ônibus", que pegam seus eleitores independente da ideologia e que se concentram nas paradas do centro.São questões que seu artigo e suas posições me instigam a pensar.Abraços

AF Sturt Silva disse...

Quando referir a um outro texto especificamente ,posta pelo menos o link.Ajuda a gente entender o que vc está criticando o respodendo nas análises dos outros autores.