Publiquei, tempos atrás, um artigo na Folha cujo título é "O ocaso dos Partidos". Estou convicto que estas estruturas do século XIX não conseguem mais nos representar. Nem ao menos representam seus filiados. Representam porcamente sua direção. Na verdade, a cada ano, representam mesmo o jogo de interesses dos seus parlamentares e seu ataque aos cofres dirigidos por governantes eleitos, nem sempre filiados aos seus partidos. O cidadão pouco compreende - e nada apoia - este jogo em que o candidato não nasce de sua vontade, o eleito não possui a liberdade para fazer o que prometeu e desejava, e o parlamentar sabota a seu favor, numa eterna negociação entre pares, como que se praticasse uma dancinha de passos curtos e sorrisos largos.
Os partidos, na atual conjuntura, são instrumentos absolutamente conservadores. Não desejam e não podem mudar uma vírgula. Daí se assustarem com as ruas. São dinâmicas e instáveis em demasia e podem descolar retinas sensíveis de quem se acostumou a não olhar muito além dos seus pés.
La Evolución de los Partidos Políticos
Juan Carlos Barajas Martínez
O primeiro país a criar um sistema partidário foi o Reino Unido. No
final do século XVII foram criados dois grupos políticos, ainda muito longe da
ideia que temos de uma organização partidária nos dias de hoje, os "Whigs”
e os "Tories”, que mais tarde ficariam conhecidos como o
Partido Liberal e o Partido Conservador, respectivamente. Ambos os termos, Whig e Tory ,
eram uma derivação depreciativa de Whig - que vem do gaélico
escocês - significa ladrão e Tory - derivado do gaélico
irlandês – que significa bandido Como vemos, a identificação de ladrões com políticos,
tão popular hoje em dia, é longa.
Os Whigs eram mais progressistas, à esquerda, e os Tories, mais
à direita e ficaram assim identificados numa votação ocorrida em 11 de setembro
de 1789 que decidiu sobre o veto da Coroa sobre leis emanadas da futura
Legislatura. Aqueles que eram contra, e, portanto, apoiavam a soberania popular
sobre a Autoridade Real, foram colocados à esquerda do presidente. Já os partidários
do rei, considerado soberano na sua plenitude, ficaram à direita. Assim, o
termo "esquerda" foi associado com as opções políticas pela mudança
política e o termo "direita" aos grupos conservadores que se opõem à
mudança.
Muito tem sido dito e escrito sobre o futuro do sistema partidário,
a sua possível morte e o declínio dos partidos. Muitos se sentem excluídos
das decisões políticas, e percebem os partidos como estruturas que servem aos
interesses dos grandes grupos de pressão. Destacam a necessidade de
utilizar as novas tecnologias para promover formas de democracia direta. Outros
acham que os grupos sociais e ação coletiva seriam o substituto ideal para os
atuais agentes de representação.
Vamos definir o que é um partido político e definir uma
metodologia para a análise de sua evolução. Em ambos os casos não vamos
inventar nada, mas vamos utilizar o que a ciência política desde muito cedo tem
dito sobre estas questões.
Para Edmund Burke,
que, aliás, era "Whig", um partido é um corpo de homens unidos para
promover, a partir de sua visão, o interesse nacional. Para o cientista
político britânico Alan Ware um partido político é uma instituição que busca
influência no interior do Estado, representando diversos interesses sociais.
Em geral, a maior
parte dos tipos ou classificações de sistemas partidários se baseia no espectro
ideológico. Eu gosto da definição de Richard Katz e Peter Mair que adotam três
variáveis: os militantes, a organização central do partido e cargos públicos.
O primeiro tipo de partidos surgiu nos séculos XVIII e XIX, o
que significava na prática que só tinha o direito de votar uma parcela da
população que agregava uma série de exigências econômicas, sociais e
educacionais e, claro, de gênero. Estes partidos não tinham organização
central, as funções normalmente eram as realizadas no parlamento, ou seja, vinculadas
a um cargo público. Não havia funcionários do partido. Os militantes eram
grupos sociais locais, pessoas de meios e influência, com direito a voto que
deram o seu apoio ao candidato e que deveria representar os seus interesses, se
eleito. Essa era a idade de ouro da representação porque se assentava num claro contrato entre
eleitor e eleito.
A passagem do sufrágio censitário para o sufrágio universal afetou
este modelo. A mudança foi gradual como foi a extensão do voto. A
necessidade de mobilizar novos eleitores, aumentando a complexidade das
campanhas eleitorais, aumentando os custos e os recursos de todos os tipos para
que um candidato fosse eleito exigiu o estabelecimento de uma organização
central e a existência de uma base militante. A organização estabeleceu
uma ideologia e uma estrutura mais ou menos hierarquizada em que os militantes
foram integrados. Estruturas típicas do século XX.
Os funcionários públicos passaram a se envolver num perigoso conflito. De um lado estavam investidos de
poder público, portanto, deveriam seguir certa ética e lealdade para com os
interesses dos cidadãos e, por outro lado, eram funcionários do partido, com outra
ética e outras lealdades.
Durante a segunda metade do século XX as mudanças econômicas,
culturais e tecnológicas foram acontecendo a um ritmo fenomenal e alteraram as demandas dos cidadãos. Aumentou a
importância dos meios de comunicação e, especialmente, a televisão, o que alterou radicalmente a linguagem da propaganda política. As melhorias empregadas pelo Welfare State afetaram as condições gerais da população, uma
nova classe média emergente surgiu e fronteiras difusas entre classes se
insinuaram, solicitando estratégias eleitorais interclasse, na tentativa de
capturar o maior número possível de eleitores em um ambiente muito competitivo
entre as várias opções políticas.
Todas essas mudanças têm influenciado as estruturas do partido,
levando a uma nova classe que Otto Kirchheimer denominou de " catch-all "
[algo similar a “balaio de gatos”].
No modelo original a estrutura básica era composta pela
organização central e por militantes. No modelo Catch-all é difícil de
determinar, na prática, como se dá a ordem dos relacionamentos internos, mas parece
que a base da sociedade perde peso em favor da estrutura organizacional. Os
funcionários públicos iniciam sua carreira dentro do partido. Não é tão
importante que os militantes continuem colando cartazes eleitorais,
participando nas decisões do partido. A ideologia também perde importância em
favor do pragmatismo. As abordagens utópicas dão lugar - mais do que nunca - à
arte do possível.
O financiamento se torna um problema, as grandes máquinas
eleitorais são muito caras e os partidos buscam financiamento a partir de uma
variedade de fontes, e não apenas a partir das contribuições dos militantes.
O clímax desse processo de "desmilitância" é o que
Katz e Mair chamaram de partido cartel, também conhecido como partido de
quadros ou partido eleitoral-profissional.
Um cartel designa um acordo entre várias empresas semelhantes
para evitar a concorrência mútua e regular os preços de produção e de venda. Para os autores do conceito, precisamente
o que caracteriza este tipo de ação política é o objetivo é ocupar cargos
públicos em todos os níveis do governo como base para se obter influência na tomada de decisão e no financiamento público. Os principais partidos formam
uma classe política homogênea que impede a concorrência de novas formações,
maximizando recursos e benefícios para os seus membros que acumulam o apoio do setor público, nem sempre apoio exclusivamente monetário. Este tipo de estrutura, afirmam os autores
desta abordagem, promove o bipartidarismo.
Os políticos são políticos profissionais, muitos deles não
conhecem o mundo dos negócios ou do mercado de trabalho. Os funcionários
do partido são também profissionais e a organização central está recheada de diversos
assessores de alto nível. Esta lógica de consultorias e conselhos é
transferida para os governos e dirigentes responsáveis pela contratação de
vários assessores e experts, à custa da influência dos trabalhadores.
O modelo de sociedade não é mais discutido, não há diferenças
ideológicas notáveis, embora a linguagem parlamentar e política continuem a ser
muito mais radicais do que a prática. Tudo o que foi dito e o que é feito é
pensado como show, como espetáculo. A preocupação com a imagem chega a obsessão enquanto as
preocupações sobre o conteúdo se limitam a declarações vagas.
Tudo isso é definido pelos grupos parlamentares que votam com
governos e a eles se subordinam, matando a separação de poderes.
Para Ware, os militantes se filiam aos partidos em virtude de três
tipos de incentivos.
1. Os incentivos materiais. São, por exemplo, o pagamento de
determinadas tarefas durante as campanhas, oferecendo postos de trabalho de
importância variável, dependendo da importância do militante, em vários níveis
da administração pública e, também, a oferta de contratos públicos em troca de
contribuições para os cofres do partido.
2. Os incentivos de solidariedade; São intangíveis. Por exemplo, a
realização de atividades em grupo, camaradagem e o sentimento de fazer algo
eficaz para resolver problemas comuns.
3. Os incentivos teleológicos. Se relacionam com a atração por um
programa. Tais militantes são típicos dos partidos de massa.
No século XXI, em um ambiente em que o modelo de partido cartel
parece ser a que melhor se adapta os jogos atuais, ainda há militantes que
valorizam incentivos de solidariedade e teleológico?
Um domingo antes da última eleição andava por uma praça em Las
Rozaa e vi um grupo com bandeiras vermelhas do Partido Socialista em uma
esquina. Um deles me entregou um folheto e conversou comigo. Aquele
homem dizia coisas que não estavam em consonância com a prática real de seu
partido. Aquele homem não tinha nenhum cargo importante, não tinha seguranças,
falava de peito aberto. Senti ternura por seu idealismo. Dei-lhe um leve tapa
no braço e lhe disse: “você dá valor àquilo que está acabando!”, e fui embora. Pois
é: ainda existem militantes idealistas. Ao menos um.
Um comentário:
Prezado Rudá,
acredito que muito da melancolia, tristeza, seja lá qual seja o sentimento relativo ao declínio dos partidos,se deve ao fato de os estudiosos, sociólogos entre eles, não admitirem que isso é um sintoma;
o problema real, eu acho e sei que não estou sozinho, é que a democracia é um mito irrealizável para o conjunto da sociedade, para as multidões
é trágico, mas é um fato
qualquer modelo de democracia está fadado ao fracasso
o "fracasso" do modelo atual, estado multidão com democracia representativa, é apenas uma das manifestações dessa realidade
o "fracasso" dos partidos é o "fracasso" da sociologia
surgiram juntos e vão desaparecer juntos
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