segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Reflexões sobre o conservadorismo brasileiro

O padrão moral brasileiro sempre foi motivo de interesse sociológico. Somos uma mescla de festa pagã e ritual religioso. O ritual religioso é, como já havia compreendido Reginaldo Prandi (e detalhado em estudos sobre a religiosidade medieval por Carlo Ginzburg), uma bricolagem, uma composição de valores, crenças e doutrinas as mais díspares.
Uma primeira hipótese é que nosso "fervor" religioso seria utilitário: tememos, antes de adorarmos, sermos punidos pela frouxidão. Uma noção primária e atávica (no caso, originária da pregação jesuíta aos desatentos indígenas que viviam no litoral brasileiro) do pecado original. Caso não seguíssemos o interesse das armas e da cruz, dá-lhe Missões (Luis Mir escreveu um tratado sobre esta desventura em seu O Partido de Deus). Nossa religiosidade nasceria, então, do avesso do avesso.
Outra hipótese, não excludente da primeira, seria nossa carência (ou excesso) afetiva. Algo entre o "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda - aquele que necessita do contato direto com o líder, marcado pela deferência, pelo contato físico, pelo carinho - e a busca da proteção e mando paterno de Freud. As duas possibilidades levam à forte necessidade de proximidade física e tendência à idolatria.  Talvez tenha relação com nossa história de dominação quase estamental, onde a maioria dos brasileiros nunca esteve do lado de dentro do poder político, sendo, antes, cortejada como "menoridade" intelectual, necessitada de proteção do mais forte.
A questão é que a revolta é latente, o que nos leva à escala emocional entre a infância e a adolescência da nossa cultura política. Não conseguimos atingir, de fato, a maturidade da autonomia, do controle sobre as instituições políticas. Mas nos revoltamos. E com certa freqüência.
Toda esta elucubração para compreender este imã que figuras como Joaquim Barbosa e Marina Silva acabam gerando de tempos em tempos. A atração pelas duas personalidades, acredito, surge por motivos quase antagônicos relacionados com esta realidade que citei acima.
Joaquim é pai severo. Aponta o dedo e não tolera perda de tempo. A ansiedade pela justiça divina é traço revelador. O personagem carrega, ainda, um elemento de revanche porque é negro. Um representante das camadas mais humilhadas de nossa população, com poder e intolerância típicas do pai mais severo da nossa cartilha patriarcal tem algo de revanche, repito.
Marina é o outro lado. É nossa origem ingênua e pura, reclamando um lugar que nunca nos é dado. Marina nunca entra no jogo. Quando entra, é como se afirmasse que existe e que sabe jogar como os adultos, se for necessário. Quando o faz, se afirma e deixa de ser "café com leite". Mas só para demonstrar que sabe jogar porque este não é seu lugar. Logo volta no canto da sala. Todos fingem que  não percebem sua presença, mas temem nova traquinagem.
Estes sentimentos difusos se articulam na nossa "menoridade" política.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Tendências 2014 (meu artigo para a revista Viver Brasil)

A TENDÊNCIA É MAIS DO MESMO

Postado em 27/12/2013 às 22:24


Quem vai decidir as eleições de 2014 é o consumo. Enquanto o brasileiro estiver conseguindo manter seu nível de consumo, ou até melhorando, mesmo havendo sinais evidentes de piora no quadro econômico, ele não deverá buscar mudanças. Esta tendência fica ainda mais consolidada pela ausência de um discurso convincente de oposição. O sociólogo Rudá Ricci (foto) é cético quanto mudanças. A não ser pelo imponderável. Neste artigo ele deixa claro o seu pensamento. *Rudá Ricci *Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva. Autor de “Lulismo” (Fundação Astrojildo Pereira/Editora Contraponto), entre outros. O que marca a conjuntura atual é a procura do imponderável. Explico: após a explosão das manifestações de junho, entramos num céu de brigadeiro, com um ou outro leve solavanco provocado pela economia em seu constante sobe e desce. Dilma Rousseff (em parte acompanhada pelos governadores), que teve seus índices de popularidade em forte declínio após os protestos juninos, recupera aceleradamente sua liderança nas intenções de voto dos cidadãos que estarão nas urnas em 2014. O que ocorre, afinal? Por que o cenário brasileiro parece com os passos sincronizados de um bolero praticados num terreno frágil e movediço? O que define a posição da maioria dos eleitores, desde 2006, é o consumo ascendente. Seu voto é pragmático e utilitário. Não há qualquer sinal de fidelização com partidos ou ideologias. A questão é simples: o voto vai para quem garante o nível de consumo familiar, se possível, nos patamares de 2010. Mas, aí, a economia patinou. Não estamos falando das classes médias tradicionais, mas dos que foram incluídos pelo consumo, beneficiados pelos programas de transferência de renda, pelo crédito popular e pelo aumento real do salário mínimo dos últimos dez anos. Eles não querem retornar à condição de quem viveu sob a penúria e discriminação social. Este segmento social, determinante nas eleições dos últimos sete anos, desconfiou que as políticas federais de cunho social se desmanchavam no ar em 2013. A inflação, tendo o tomate na vanguarda, dava sinais de desequilíbrio. O boato do fim do Bolsa Família foi um sinal e gerou o saque de 920 mil contas do programa em três dias. O Brasil já não era tão cor de rosa. As manifestações de junho desmancharam de vez a aparente bonança. Mas, em junho, quem saiu às ruas foram jovens universitários de classe média tradicional. Sua indignação foi acolhida, em grande parte, pelos eleitores mais pobres, aqueles que definem as eleições. Os índices de popularidade de todos governantes despencaram. Dilma à frente. Na verdade, várias pesquisas sobre grau de confiança nas instituições brasileiras já indicavam esta descrença há anos. O Direito da FGV já havia divulgado o impressionante dado que apenas 5% dos brasileiros confiavam nos partidos políticos. O sistema de representação formal do Brasil, enfim, está oco. Mas, se a maioria não crê no sistema de representação, por qual motivo os índices de aprovação da Presidente Dilma foram sendo recuperados a partir de agosto deste ano? O primeiro motivo foi a falta de resultados dos protestos de junho. Milhões saíram às ruas e conquistaram migalhas. Tudo voltou ao Quartel de Abrantes em poucas semanas. O protagonismo político retornou aos políticos profissionais. De um lado, a ausência de respostas gerou violência alimentada pela frustração e raiva que brotou do descaso. De outro, retornou o cinismo do eleitor que pode ser expresso na frase “já que todos são iguais, que fique o que me garante mais estabilidade no consumo”. O segundo fator foi a ausência de oposições convincentes. A despeito do perfil palatável de Marina Silva, sua figura desapareceu durante as manifestações de junho. Ao ingressar no PSB, partido-membro das bases tradicionais do sistema partidário tupiniquim, entrou no jogo e perdeu a aura de outsider. Mas continua com um pé no diferente. O resto do sistema de representação formal ficou como estava. Todos muito parecidos, principalmente na conduta. Aí, as políticas sociais do governo federal e o seu poder de investimentos falaram mais alto. O terceiro fator foi o controle da economia. Não estamos bem neste terreno. Os preços dos serviços e bens públicos estão defasados. Mas tudo indica que esta prestação de contas ocorrerá em 2015. Até lá, o governo federal vai cozinhando o galo em fogo baixo. E não adianta o alerta dos grandes veículos de comunicação sobre as nuvens negras que se avizinham. O eleitor que define eleições é imediatista, justamente porque não confia em nenhum partido. O eleitor de baixa renda não se pauta pelos grandes veículos de comunicação e, desde 2006, se distancia do que denominávamos de “formadores de opinião”. Há claros sinais de divórcio a partir da alforria pelo consumo. As opiniões se formam entre pares de consumo e estrato de renda. E, assim, la nave va. Caminhamos com grande previsibilidade para as eleições de 2014. É verdade que as manifestações de rua durante a Copa do Mundo são uma incógnita. E é por este motivo que comecei este texto afirmando que o que marca a conjuntura é o imponderável. Ficamos a espreita. Sem o imponderável, a conjuntura parece caminhar para mais do mesmo. Até a próxima explosão.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Metade dos professores de ensino médio não tem formação específica

Este é o dado divulgado pela Folha a partir da tabulação realizada pelo INEP.
A questão que insisto há anos é: será fundamental esta formação específica ou, antes, a formação na área educacional?
Explico: para dar aula, não se contrata um grande pesquisador em física, mas um especialista em educação. Caso contrário, este conhecimento não servirá para nada. O mesmo em relação à qualquer outra área de conhecimento.
Evidentemente que o melhor é agregar os dois conhecimentos. Mas, para quem conhece a educação básica do Brasil, é evidente que no ensino médio o problema é desconhecimento da profissão de educador. Não sabem como se dá o desenvolvimento dos adolescentes, como um ser humano aprende e muito menos quais as técnicas de avaliação pedagógica indicadas para avaliar cada variável do processo de aprendizagem (memorização, interpretação, relação entre teoria e prática, formulação, compreensão dos conceitos, atitudes, procedimentos para a construção do conhecimento, metacognição, entre outros).
Nas universidades, o caos pedagógico é ainda mais grave.

Minha entrevista sobre protestos de rua em 2014 e partidos políticos (Estado de Minas)


Partidos traçam estratégia para ouvir a voz das ruas em ano eleitoralCom receio de virar alvo novamente das manifestações populares, partidos correm contra o tempo para tentar traduzir a voz das ruas e se aproximar dos movimentos e suas reivindicações

Publicação: 26/12/2013 06:00 Atualização: 26/12/2013 07:23

Enquanto movimentos sociais se organizam para novas manifestações no ano que vem, os partidos, um dos alvos de protestos em 2013, estão traçando estratégias para não sofrer o impacto nas urnas. Incluir em seus programas políticos assuntos que podem vir a ser pauta das reivindicações, aproximar-se dos movimentos organizados e formar chapas a deputado estadual e federal com pessoas jovens na política são algumas das saídas que as legendas acreditam que podem tirá-las da mira das ruas. O cientista político Rudá Ricci, que está escrevendo um livro sobre as manifestações de junho, avalia, no entanto, que eles estão despreparados para enfrentar novas mobilizações.

Sob influência dos protestos, os partidos estão investindo nas redes sociais, alguns em seminários, diagnósticos e pesquisas para entender o desejo do eleitorado. É o caso do PSB. O presidente da legenda em Minas, deputado federal Júlio Delgado, contou que seu partido está fazendo pesquisas para avaliar qual é a pauta que pode surgir nas reivindicações do ano que vem. O objetivo, de acordo com ele, é se antecipar aos assuntos, absorvê-los e ter um posicionamento concreto a respeito deles. Para Delgado, os partidos não vão ficar de fora das manifestações no próximo ano “porque eles estarão se mobilizando a respeito de algumas pautas”. "Houve esse ano rejeição da sociedade a que a classe política participasse. Como 2014 será um ano eleitoral, com certeza isso se perde”, acrescentou. 

O presidente estadual do PMDB, deputado federal Saraiva Felipe, avalia que os partidos antes dos protestos “estavam, de alguma forma, acomodados” e não tinham respostas objetivas para melhorias do serviço público, como a saúde e educação. “Não vai adiantar o discurso genérico”, ressaltou. De acordo com ele, o PMDB está trabalhando para apresentar soluções concretas sobre os temas levantados nas ruas. O deputado contou que o partido também está em busca de atrair para as chapas estadual e federal candidatos novos, que estão entrando na política. “Isso oxigena o partido”, afirmou. 

O PSDB também pensou nisso para atrair o voto dos insatisfeitos com a política. O partido filiou, por exemplo, o treinador Bernardinho e o jogador Giovane. Segundo o presidente tucano em Minas, Marcus Pestana, todos os partidos receberam o recado das ruas e tentaram dar suas respostas. Os tucanos também tentam se aproximar dos movimentos organizados. Criaram o PSDB sindical e investiram na inserção nas redes sociais. “As manifestações de junho foram totalmente diferentes de campanhas do passado como anistia, diretas já, Collor. Não tinha palanque, discurso e havia sentimentos múltiplos e plurais na praça. Quem tentar manipular isso vai se dar mal. Esse tipo de movimento é igual cavalo selvagem, não aceita cabresto”, acrescentou. 

As direções partidárias nacionais e estaduais do PT passaram a ter 50% de mulheres, mínimo de 20% de jovens e 20% de negros. “Você só renova as candidaturas com pessoas que têm a cara da direção do partido. Respeitamos as lideranças mais antigas, mas é preciso mais renovação”, ressaltou o presidente do partido em Minas, deputado federal Odair Cunha. “Na verdade, as manifestações colocam para nós o desafio de abrir um diálogo com um conjunto de preocupações ali levantadas. É nesse sentido que o PT se prepara para a disputa eleitoral”, ressaltou. 

Despreparo 


O cientista político Rudá Ricci observa que os partidos não estão preparados para novas mobilizações. “Eles fazem análises de longa duração”, justificou. Para o pesquisador, as legendas não conseguem captar o anseio dos movimentos. “Esse tipo de manifestação, típica do século 21, assume uma lógica de enxame de abelhas. Em um determinado momento, uma mensagem nas redes sociais acaba envolvendo uma grande gama de jovens, que saem às ruas. Da mesma maneira que se forma essa mobilização ela some. E a qualquer momento ela pode retornar com uma bandeira diferente”, explica. Na avaliação de Rudá, os partidos políticos tradicionais no país vão reagir e não se antecipar. “Eles tentam antecipar coibindo”, acrescentou.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As chances das oposições e a tentativa da Exame

A revista Exame entabula várias matérias enquadradas no amplo título "Tendências 2014".
Inaugura a seção com uma matéria sobre política (o título é "A maré pode virar?") que é sucedida por uma série de outras que procuram fundamentar a tese desta primeira. Qual tese? Que a maré política pode virar.
Quem acompanha meu blog sabe que não vejo a menor chance disto ocorrer em 2014. O que não será o mesmo a partir de 2015.
A tese começa com um primeiro dado: 66% dos brasileiros querem mudanças em relação ao governo federal. Fato: pesquisa Datafolha. O que a matéria não trata é o motivo, então, para Dilma retomar seus índices de popularidade com certa celeridade. Mas a matéria cita outro dado: 60% dos eleitores receiam que a inflação aumente nos próximos meses. Fato. O que a matéria não diz é que pesquisa da CNI revelou que 63% dos brasileiros acreditam que hoje é mais fácil subir na vida que nos últimos dez anos. Também não informa que o último índice de desemprego do país é o mais baixo da série histórica.
Com as omissões que cito, a conclusão se tornou enviesada: as oposições teriam, afinal, sua chance em 2014. Não terão. O que faltou à matéria foi articular os dados. Se o fato é que Dilma não tem lá popularidade muito consistente, não é verdade que o eleitor acredite que é da oposição que virá o horizonte perdido de Shangri-La. Sugerem, na verdade, mudança a partir do governo Dilma, não fora dele.
Afirmei, em outra postagem, que comentaria algo de outro livro que acabo de terminar a leitura (Vozes do Bolsa Família) a respeito do imaginário das mulheres que recebem recursos da política de transferência de renda do governo federal. É daqui que vem, aparentemente, o voto mais fidelizado ao lulismo. Acho que é boa hora para comentar alguns dados e, assim, contribuir para o leitor perceber de onde vem o voto não-oposicionista do Brasil. Não vem da classe média tradicional que já é anti-lulista desde muito tempo.
Para não me delongar, vou resumir as conclusões dos autores:
1) Todas mulheres registram mudanças positivas em suas vidas a partir do Bolsa Família (BF);
2) Contudo, não se alinham a noção que o programa é um favor. Várias afirmam se tratar de direito. Uma delas chega a citar os políticos, que desviam dinheiro público (fruto dos impostos pagos por cidadãos como ela, reforça). Portanto, concluem, elas teriam direito a receber alguma coisa, já que os políticos retiram mais do que precisam;
3) Lula aparece não como o melhor politico, mas porque tem na memória seus dias de penúria. Ele vivenciou a vida que elas levam;
4) A grande maioria afirma que só vota porque é uma obrigação, mas que o voto em Lula melhorou, de fato, sua vida;
5) Todas dizem que se homem receber o BF, fará besteira;
6) A quase totalidade continua trabalhando, mesmo recebendo o BF. Caso das alagoanas entrevistadas que ainda cavam areias em Maragogi (Alagoas) para coletar maçunins. De cócoras, por horas a fio, o que agrava as dores na coluna.  Veja a foto de uma beneficiária do BF catando o marisco (também conhecido como vongoli).



Vamos lá. Não se trata de voto cativo no lulismo. Não é fidelização imediata. É reconhecimento. Talvez, empatia. O cara era pobre (não é mais, registre-se, para as entrevistadas). Portanto, Lula teria mais sensibilidade para com os pobres. E ponto final.
A classe média, incluindo os editores destas revistas voltadas para a classe média tradicional, não compreende o mundo que está abaixo socialmente de sua existência. Lembro das lições que tive quando fui foca do falecido Jornal da Tarde. Naqueles tempos, as matérias de fundo tinham este caráter investigativo, não apenas para capturar a corrupção da vez, mas para entender o Brasil. Hoje, esta captura do mundo real, do trabalhador simples, é tarefa de cientista social acadêmico.
Uma pena porque revistas e jornais não conseguem compreender o país. Destilam ódio e discriminação. Acreditam que todos pobres que recebem BF estão perto da base da pirâmide alimentar e não sabem pensar. Todos, presas fáceis dos espertos de plantão. Como os leitores das revistas.

Livros de Férias 2: o último do Veríssimo

Acabo de ler este último livro do Veríssimo.
Começa como Luis Fernando mas vai ficando mais denso. Dois contos chamam a atenção pela diferença de estilo do autor: Lo e A Mancha.
Interessante que quando vi as livrarias destacarem a obra na vitrines, logo me veio à mente que Veríssimo havia se transformado numa leve e divertida leitura de final de ano. Obviamente, embarquei no clima. Aliás, li uma crítica ácida de Raul Arruda Filho (ver AQUI ) que sugeria se trata de um livro para ler, sorrir (algumas vezes, um sorriso amarelo) e esquecer numa estante.
Mas os dois contos que destaquei não são tão fáceis e possuem um ritmo (não só conteúdo), mais aprimorado, estudado. Lo trata da relação quase incestuosa (o quase é que dá o tom mais dramático) entre uma mulher balzaquiana e um adolescente de 12 anos, tirado do Brasil para viver uma aventura com jeito de desventura. A Mancha trata de outra contradição forte: um ex-preso político que encontra seu claustro onde foi torturado. Até aí, nada mais atual. Ocorre que este ex-torturado virou empresário do setor imobiliário, é casado com uma filha de financiador de tortura (possivelmente a sua) e resolve adquirir o imóvel que marcou sua vida. Vai não vai, decide demolir o prédio. Veríssimo deixa o leitor no contrapé, ao final. O ex-militante virou a página e se jogou à vida sem memória ou ficou irremediavelmente preso ao acontecimento que não consegue reviver ou passar a limpo (mesmo demolindo o prédio)? A presença da filha, mais marcante no final do conto, deixa ainda mais obscuro a moral da história.
Senti um Veríssimo diferente.
Pode até ficar na estante. Mas não digere tão fácil.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Livros de férias 1: Vozes do Bolsa Família

Vou citar, na medida em que avançar as leituras, os livros que trouxe para ler nas férias.
Um deles, interessantíssimo, é uma pesquisa qualitativa com beneficiários do Bolsa Família. Livro escrito por Walquíria Leão Rego e Alessandro Pinzani. Conheço Walquíria da minha época de doutorado na Unicamp (meu orientador no doutorado foi Rubem Murilo, casado com Walquíria).  68,3% das famílias pobres do nosso país são atendidas pelo BF.
As autoras entrevistaram mulheres de Alagoas, Vale do Jequitinhonha (MG), Piauí, Maranhão e Recife, entre 2006 e 2011.
Vou comentar o livro por aqui, mas, até lá, veja esta entrevista de Walquíria sobre o livro e o BF:

O discurso de Dilma, no Estadão de hoje

Bela matéria montada por Pedro Venceslau. Poste pode até se eleger, mas falar de improviso....

Quando o discurso de improviso vira gafe

Dilma expõe vícios de linguagem e desorienta plateias quando não segue roteiro predefinido

23 de dezembro de 2013 | 2h 03
PEDRO VENCESLAU - O Estado de S.Paulo
Antes de entrar na campanha presidencial de 2010, a então ministra Dilma Rousseff, candidata ungida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi submetida a um intenso processo de media training com o marqueteiro João Santana para melhorar sua oratória. Considerada um quadro técnico, ela tinha pouca desenvoltura em palanques e diante dos microfones, o que preocupava os estrategistas petistas. Após três anos no Palácio do Planalto, a presidente surpreendeu aqueles que apostavam em um mandato eminentemente técnico e fechado no gabinete.
Entre o primeiro discurso, feito no Congresso Nacional no dia da posse, em 1° de janeiro de 2003, e o último, na inauguração da BR-448, em Porto Alegre, no último dia 20, Dilma somou 599 intervenções, segundo dados obtidos no site da Presidência da República. A média de quase dois discursos por dia está longe da alcançada por Lula, que somou 968 falas nos primeiros três anos do seu primeiro mandato, mas ainda assim é um número considerável, já que a Presidência foi a primeira disputa eleitoral de Dilma.
"Ela tem feito falas belíssimas, emotivas e com muita capacidade de explicação", celebra o deputado Edinho Silva (PT), um dos prováveis coordenadores da campanha pela reeleição da presidente. "A oratória dela melhorou muito ao longo do mandato. Dilma é hoje uma exímia oradora." Apesar dos elogios, a oratória presidencial deixou um rastro de gafes e declarações indecifráveis que tornaram-se hits na internet e memes nas redes sociais. Entre os mais populares está um pronunciamento feito no último dia da criança, em Porto Alegre.
"O dia da criança é da mãe, do pai, dos professores... mas também é o dia dos animais. Sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás. O que é muito importante", disse Dilma, para espanto da plateia.
Especialistas ouvidos pelo Estado foram unânimes ao avaliar que a presidente mantém vícios perigosos em seu estilo de falar. "O perigo está na hora em que ela tenta dar um toque pessoal e parte para a fala de improviso", disse o fonoaudiólogo e professor de oratória Rodrigo Moreira, que analisou discursos de Dilma a pedido do Estado. "O nervosismo faz com que ela perca a concentração."
Foi em um momento de improviso, por exemplo, que a presidente saudou Márcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte, como prefeito de Porto Alegre em um discurso em Minas Gerais. Acabou vaiada pela plateia.
Em outra ocasião, chamou o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, de Antonio Cláudio. Nos dois casos, a saída encontrada para evitar o constrangimento foi fazer piada com o erro. "Quando o erro é grave, é melhor levar no humor", afirma Moreira. " Dilma faz isso e ri de si mesma."
Outra declaração da presidente que chamou a atenção aconteceu na saída de uma reunião do G-20, em setembro, quando o País vivia o auge da tensão com os Estados Unidos devido às denúncias de espionagem. "Ontem eu disse para o presidente Obama que é claro que ele sabia que, depois que a pasta de dente sai do dentifrício, ela dificilmente volta para dentro do dentifrício. Eu disse que a gente tinha que levar isso em conta. Ele respondeu que faria todo o possível para que a pasta de dente não ficasse solta por aí e voltasse uma parte para dentro do dentifrício", disse Dilma a um batalhão de jornalistas. Não se sabe se o recado foi assimilado pelo norte-americano ou compreendido pelo tradutor.
"Por ter um perfil técnico, Dilma sente-se mais à vontade em público do que se tivesse que inventar um estilo", pondera o cientista político Cláudio Couto, professor de administração pública da FGV.
Vícios. O fonoaudiólogo Rodrigo Moreira aponta alguns vícios da oratória de Dilma. "Ela faz muitas perguntas para si própria durante a fala, o que é um vício de linguagem. Quando usado em excesso, isso cria um incomodo para quem escuta. Outro problema é a questão do contato visual, que é perdido. Se eu fosse professor de oratória dela, só usaria teleprompter."
Um exemplo do uso de perguntas foi o discurso feito no dia 17 dezembro, no Estaleiro Atlântico Sul, em Ipojuca (PE). "Nós decidimos que íamos partir para a ofensiva e implantar a indústria naval. Como? Através da garantia de demanda que os projetos da Petrobras representam. Por que isso? Porque a Petrobras é uma das maiores empresas de petróleo do mundo."
O cientista político e consultor de marketing Rudá Ricci, autor do livro Lulismo, observa que houve uma evolução importante nos discursos da presidente nos últimos quatro anos. "Dilma abandonou o obrigação de sorrir. Como ela é séria, o sorriso parecia forçado . A presidente também está dominando melhor o espaço dela na hora de falar."
Para o jornalista Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, a presidente é tecnocrática até nos assuntos políticos. "Esse estilo não cai nas graças do povo. O discurso parece de uma auditora que fiscaliza, não que lidera. Dilma fala como uma máquina. Não parece alguém que está conversando."
Equipe de apoio. Sempre que vai falar em público, a presidente segue o mesmo ritual. O discurso é preparado por uma equipe de redatores de uma "tropa de elite" chamada GAIA (Gabinete Adjunto de Informação de Apoio à Decisão). O texto final passa ainda pelo crivo do ministro ligado à área que será alvo da fala antes de chegar às mãos da presidente, que costuma dedicar suas horas de voo para ler e memorizar o máximo possível do material. Os "cacos" de improviso vão sendo incluídos ao longo da fala. Segundo interlocutores da presidente, a linha mestra das falas é definida por João Santana, marqueteiro da campanha de 2010.
"O ghost writer ou o marqueteiro, dependendo do caso, pontua quais são as ideias-força e os momentos que merecem mais ênfase e consequentemente algum improviso para gerar empatia com a plateia. É justamente quando ela sai do protocolar que se perde", diz Rudá Ricci.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Balanço da economia tupiniquim

O Estadão de hoje oferece uma ampla e plural leitura da atual conjuntura econômica brasileira. O interessante é que todos autores - da vasta cadeia de pensamento tucana e petista - partem do princípio da economia como política, como escolha. Já é um alento. Esta história de pensar a economia como tecnalidades matemáticas é de dar sono. Não sei se alguém, lá no fundo, acredita nisto, com exceção dos fundamentalistas que jogam no mercado financeiro. Mas aí já é coisa de gente estressada, que faz consulta até para cartomante, várias, até achar a que diz o que o demandante gostaria de ouvir.
O mais interessante é que embora eu tenha afinidades ideológicas mais próximas de Beluzzo e Amir Khair, é a análise de André Lara Resende a que mais me atrai e convence.
Beluzzo sugere que vivemos o risco de regressão da estrutura industrial do país (em função do real valorizado) e a necessidade de centralização do capital (contra o capital disperso em empresas sem escala). Khair teoriza sobre a mesmice da política econômica sob a liderança de Dilma. Vai além. Sugere que o governo federal cedeu, a partir de 2012, à crítica de parte dos economistas ao modelo de desenvolvimento baseado na ampliação do consumo interno. Agora, fica no rame-rame do controle da inflação como definidor da taxa de câmbio e o silêncio em função do "abuso de agiotagem que reina no País". Sustenta a relação entre consumo e investimento como articulados numa política econômica progressista. Mas o seu artigo se alimenta de uma evidente frustração.
Lara Resende faz um voo mais panorâmico. Faz duras críticas ao Estado Patrimonialista, ineficiente e caro. Cita a China como referência. E sugere a valorização e autonomia de Estados e municípios, criando uma vaga inovadora e competitiva em relação às políticas sociais, fiscal e de segurança.
Embora por motivos distintos, concordo plenamente com o ex-Presidente do BNDES. O modelo concentrador e indutor, ao estilo estatal-desenvolvimentista, está corroendo as possibilidades de inovação da gestão pública a partir do conjunto de entes federativos. Faz parte de uma aposta na democracia. Estados e municípios, sem fundos para investimentos, fazem convênios com as agências federais e nacionalizam programas sociais e de infraestrutura. A resultante é uma indigência intelectual e ausência de ousadia administrativa em todos municípios brasileiros. Obviamente que esta penúria local deságua em fortes limites à democracia deliberativa. Orçamento Participativo já é página virada na gestão pública tupiniquim. A mesma onda já salpica os conselhos de gestão pública. São elefantes brancos de uma época em que os municípios se abriam ao crivo do cidadão.
O lulismo completou o ciclo do pensamento clássico da esquerda brasileira. Mansamente centralizou as políticas públicas e transformou a União em demiurgo de todo um país. Uma agenda tradicionalíssima da esquerda do século passado.
A política econômica foi na esteira desta opção. Evidentemente, os tais "negócios" (esta nomenclatura abstrata que define um oráculo acima do bem e do mal) não aceitam esta orientação, porque pensam a política como obstáculo o como necessariamente subordinada à economia (também empregada como sinônimo de "negócios"). O importante balanço do Estadão de hoje recoloca as coisas em seu lugar. Os negócios serão, sempre, um elemento subordinado das opções políticas de um país. Cabe discutirmos qual, afinal, as opções que nos apresentam e qual a escolha do cidadão. Que as pretensas vanguardas do mercado e da política partidária escutem.

sábado, 21 de dezembro de 2013

A Razão Populista, de Ernesto Laclau

Estou lendo A Razão Populista, de Ernesto Laclau. Estudei este autor (que faz um interessante cruzamento de Marx/Gramsci e Lacan) mais de 20 anos atrás. Agora, neste livro recém publicado no Brasil, ele propõe, entre outras, a dicotomia entre institucionalismo e populismo, sendo o extremo, a crença liberal na imutabilidade do campo institucional e, no outro, a política do puro protesto autorreferente. Não seria este o pêndulo político tupiniquim?
O fato é que o conceito foi, no Brasil, trabalhado por autores como Octavio Ianni e Francisco Weffort. O fenômeno ficou vinculado à emergência das massas urbanas em meados do Século XX que estabeleceram tensões crescentes com a institucionalidade vigente, que não atendia suas demandas. O líder populista aparecia a partir deste cenário de conflitos inovadores, quase sempre confundido com a figura do líder carismático weberiano.
A tese de Laclau, no livro em tela, pode ser assim resumida:
1) Trata-se de um modo de construção do político;
2) Faz parte de sua constituição a apresentação de demandas sociais que não são atendidas pelos governos de plantão. Ao se somar a insatisfação dos autores da demanda não atendida com outras demandas também órfãs, constrói-se forte tensão popular com o campo institucional e o bloco de poder;
3) O salto para o fenômeno do populismo, contudo, se dá quando se consolida um processo hegemônico de representação no âmbito do discurso popular para além da soma das demandas não atendidas. Esta operação se faz quando uma das demandas se destaca à condição de representação de um amplo campo popular (como as Diretas Já ou Impeachment de Collor que galvanizou todo campo social insatisfeito). Laclau denomina esta construção discursiva de "significante tendencialmente vazio". Um significante aparentemente sem significado mas que nomeia a insatisfação coletiva e une os insatisfeitos.

Laclau, como se percebe, está no campo da análise da construção do discurso popular. Não apenas que dialoga com as tradições, mas com os desejos frustrados que se configuram politicamente em determinado momento histórico. 
Ora, o que parece interessante é o percurso metodológico de análise de fenômenos sociais incompletos que se repetem constantemente neste início de Século XXI e que se manifestou no Brasil em junho. 
A incompletude e provisoriedade estiveram presentes nos EUA (Occupy), Espanha (M15), Primavera Árabe, Argentina (Assembleias Populares), Islândia (Revolução das Panelas) e aqui. A ausência de uma "classe universal" foi sua marca. Foram mobilizações sociais desfuncionais do ponto de vista da lógica da Ordem. Não dialogam com a construção do poder instituído, demandam sem apresentar sugestão de reformas políticas. 
Vocês leram o texto de Bruno Torturra na revista Piauí ("Olho da Rua") sobre a Mídia Ninja e os dias de protesto junino? O texto é intenso e cruza as manifestações e confronto campal com papel das redes sociais e difamação, terminando com dilema pessoal (ou existencial) frente à tanta exposição instantânea. Uma explosão social e individual à velocidades extremas que arrastam pessoas, reputações, instituições num turbilhão. 
Acho um belíssimo contraponto o artigo de Bruno com o texto teórico de Laclau. 
Dificilmente construiremos conceitos muito acabados a partir de dinâmicas sociais tão incompletas e avassaladoras como se projetam neste início de século. 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Fui assistir com uma baita expectativa. Diziam que era um filme delicado. Achei um reality show com pretensões intelectuais (amenas). Citar Sartre ou Klimt não chega a doer a cabeça e forçar o pensamento. Achei até interessante a síntese didática d´O Existencialismo também é um Humanismo.
Mas, noves fora, não passou, para mim, de um reality show. Uma invasão de privacidade com amenas pretensões intelectualizadas. Nada mais.

Black Bloc e os 50 tons de vermelho (meu artigo na Folha de hoje)

Rudá Ricci: "Black blocs" e os 50 tons de vermelho



Tendências / DebatesEm 1840, Lorenz von Stein empregou pela primeira vez o conceito de movimento social, perplexo com as práticas sindicais do movimento operário francês. Revelava um profundo estranhamento em relação às mudanças sociais aceleradas carregadas pela industrialização e urbanização europeias.
Cento e setenta anos depois, as manifestações de junho geram o mesmo estranhamento envolvendo cientistas sociais brasileiros que deveriam, ao menos, ter olhar treinado para compreender as filigranas do social. As manifestações, desde o início, tiveram atos de violência como elemento constitutivo. Em junho, contudo, eram refutados pela maioria dos manifestantes. Mas a partir de julho, já se percebia uma gradativa tolerância. O que mudou? A total insensibilidade de autoridades públicas em procurar negociar.
De maneira torta, as ruas de junho lançaram pontes para o campo institucional. Ao criticarem acidamente governantes, abandonaram o cinismo e pragmatismo políticos que vinham tomando parte do eleitorado. Havia uma ponte levantada que autoridades públicas não souberam utilizar. Ao contrário, procuraram responder como reação instintiva, muitas vezes revertendo posições assumidas dias antes para, logo depois, voltarem atrás.
Uma geração de políticos que desconhece que ao gestor público cabe negociar e liderar. Cabe compreender que seu planejamento nunca pode ser normativo, mas flexível ao desejo social. Interditado o diálogo, o espaço para a revolta se abriu. Com o conflito, práticas violentas se reproduziram nos protestos.
"Black bloc" não é um agrupamento específico, mas uma tática de ação direta, de inspiração anarquista, empregada por quem desejar, ao estilo "faça você mesmo". Nas manifestações, as práticas "black blocs" foram sendo apropriadas por diferentes agrupamentos: de anarquistas a jovens da periferia revoltados com a violência policial (absolutamente desorganizados), passando por grupos com vínculos com o crime organizado.
Para quem procura compreender o que se passa nas ruas deste segundo semestre, considerar todos como um bloco com as mesmas motivações é retornar à política do café com leite da era Washington Luiz, quando a questão social ainda era tratada como caso de polícia.
Se a própria Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro avalia apenas duas UPPs como positivas, segundo a Folha noticiou, afirmar que os "black blocs" contribuíram para o fim da política de pacificação é, no mínimo, estranho.
O combate à violência se faz com inteligência. Distinguir motivações e procurar diminuir a possibilidade de as ações violentas se legitimarem é fundamental para consolidar a cultura da paz. Ao contrário, criminalizar indistintamente como política de inibição do protesto social, não apresentar saída para o diálogo, reduzir o papel do governante à condição de mero gestor da máquina pública é não aprender com as lições que vieram da Argentina (com as Assembleias Populares de 2001), da Islândia (com a Revolução das Panelas, em 2008) e os confrontos que envolveram tantas outras mobilizações nacionais neste século. É ignorar todos os estudos sobre movimentos sociais que se seguiram à perplexidade de Lorenz von Stein.
RUDÁ RICCI, 51, sociólogo, é diretor do Instituto Cultiva e membro do Fórum Brasil do Orçamento

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Outro discurso histórico de Dilma

Se confunde e começa a discursar sobre outro evento que participaria mais tarde:

Discursos de Dilma e a incapacidade das oposições

Já afirmei tantas vezes que Dilma Rousseff se reelegerá pela incapacidade das oposições que já está parecendo birra de minha parte.
Mas vejam o discurso (bem conhecido) de Dilma no vídeo que estou postando abaixo. Comparar criança com cachorros e fechar com chave de ouro que o Dia das Crianças também é o dia dos animais deve entrar para os anais da política intergalática.
O problema é que as oposições são tão incompetentes que não conseguem nem fazer desta inabilidade crônica da Presidente no campo político um outdoor gigante para que todos formem a imagem mais nítida de Dilma. O discurso da Presidente é linear, revela desconforto, quando tenta criar um "caco" se perde, não consegue pausar corretamente as frases... um desastre.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

As bases do programa de Aécio (resumo)

Aécio acaba de divulgar as bases de seu programa de governo e, portanto, de sua campanha em 2014.
Decidi resumir os principais pontos (ver abaixo) para que o internauta tenha uma visão de conjunto.
Adianto que o diagnóstico, em termos gerais, é muito bem montado. Mas há armadilhas que o próprio texto cria.
Por exemplo: na seção que sugere a retomada pública (ou reforma) do Estado, alerta que não se trata de Estado Mínimo, nem Estado Máximo. Ora, qualquer leitor empaca nesta frase. Para que citar o Estado Mínimo se não é sua preocupação? Porque é. E os formuladores sabem que o PSDB está marcado por isto.
O item sobre a Pobreza (ou sua superação) é pedra basilar de qualquer programa lulista. A proposta tucana é muito inteligente e destaca a desigualdade social crescente no país. É fato. Se a pobreza diminuiu, é fato que a distância entre pobres e ricos aumentou. A questão é: como fazer este tema, acadêmico, chegar aos ouvidos de quem recebe Bolsa Família?
Educação: trata bem do problema ao dizer que a universalização do ensino básico precisa, agora, fazer o dever de casa e melhorar a qualidade. Ok. Mas, como fazer isto? As propostas tucanas (como pagamento de bônus pela melhoria dos indicadores de avaliação externa) não surtiram efeito e são amplamente criticadas por qualquer especialista sério.
Na agricultura, além de reafirmar compromisso com o agronegócio, reafirma o papel predominante do Ministério da Agricultura como formulador da área. Um recorte de classe, sugerindo a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e agricultura familiar. Trata-se de um tema espinhoso e que gera polêmica no meio acadêmico. Os tucanos trouxeram o tema à baila. Acho que a intenção pode ser boa, mas perderão voto com este recorte já que reforça a vestimenta yuppie.
Mas vejam o resumo:

Ética

Em claro desrespeito ao equilíbrio democrático, estimula-se, de um lado, a cooptação e, do outro, o constrangimento. Assim, setores importantes da sociedade perderam canais legítimos de organização, à medida que sindicatos, entidades e movimentos sociais foram cooptados, deixando de responder aos interesses dos segmentos que deveriam representar para passar a servir aos interesses do poder estabelecido. Por outro lado, com o viés autoritário de quem tem dificuldade de conviver com a diferença, buscou-se legitimar a prática da intolerância, da hostilidade e da calúnia contra opositores. Esse conjunto de ações deteriorou o ambiente político do país e fez aumentar a desconfiança dos brasileiros na atividade pública.
Nosso compromisso é restaurar valores e ideais caros aos brasileiros: ética, dignidade, honra, solidariedade, transparência.

Recuperação da Credibilidade

Numa combinação perversa, a inflação está alta, o crescimento é baixo e o déficit das contas externas, ascendente. Os alicerces que permitiram ao país atravessar um longo período de prosperidade, ampliar a justiça social e dar um salto no seu padrão.
Agências reguladoras, estatais e instituições como a Petrobras e o BNDES, patrimônio de todos os brasileiros, foram transformadas em instrumentos de um projeto de poder, causando enormes prejuízos ao país e aos brasileiros.

Estado eficiente, a serviço dos cidadãos

O Estado deve atuar na defesa dos cidadãos. Deve ser eficiente, justo e transparente. Não se trata de Estado mínimo, nem tampouco de Estado máximo. O Estado deve estar a serviço das pessoas e de seu bem-estar, provendo, com mais eficiência, os serviços públicos pelos quais os cidadãos pagam seus tributos, em especial saúde, segurança e educação de qualidade.
O Estado brasileiro não pode cruzar os braços e terceirizar responsabilidades, nem tampouco assistir impassível às tragédias que se desenrolam cotidianamente em cada canto do país, que cassam os direitos fundamentais de cidadania dos brasileiros.
As políticas públicas demandam novo modelo de gestão: profissionalização, planejamento rigoroso, gestão por resultados, definição de metas de desempenho, acompanhamento e fiscalização permanentes, como forma de garantir melhores serviços para a população.

Educação

A baixa escolaridade e o déficit de qualidade do ensino público demandam um esforço convergente, solidário e partilhado entre governos e sociedade organizada, para que a educação brasileira saia do esquecimento para, com realismo, voltar a significar um caminho real para o presente de crianças, adolescentes e jovens.
Entre 1995 e 2002, nosso governo garantiu a universalização do ensino fundamental às crianças brasileiras. O segundo passo foi deixado de lado, a partir de então: a qualidade, a aprendizagem e a garantia da conclusão dos estudos foram objetivos abandonados pelo atual governo.

Pobreza

Uma nação com as riquezas e potencialidades que o Brasil exibe não pode continuar convivendo com o imenso abismo que divide o país entre ricos e pobres, entre cidadãos com direitos e excluídos sociais.
Focalização
. Mas ir muito além, reconhecendo e garantindo que todas as privações sociais das famílias brasileiras possam ser atendidas como urgência social. Ir de porta em porta para apoiar a inclusão das famílias. Trabalhar nos territórios mais pobres, vulneráveis e violentos do país, que serão alvos prioritários de maior atenção social.

Segurança Pública


A crise na segurança pública também pode ser dimensionada pela percepção de impunidade causada pela baixa eficácia do sistema de investigação, julgamento e punição de infratores e criminosos. A deterioração da credibilidade das instituições policiais e judiciárias que resulta do agravamento da crise.

Saúde

O setor da saúde enfrenta graves problemas de gestão, desperdícios e desvios dos recursos públicos. O subfinanciamento existente gera baixa remuneração pela prestação dos serviços,

Autonomia Estados e Municípios

Concentração de recursos e poder na órbita da União.

Meio Ambiente

Temos assistido nos últimos anos à adoção de políticas que seguem na contramão dos preceitos da sustentabilidade: incentivo a fontes não renováveis de energia, com o acionamento perene de usinas térmicas; impulso desmesurado ao transporte individual, em detrimento do transporte público; aumento da utilização de fontes mais poluentes na nossa matriz energética. O fracasso do programa nacional de etanol, prejudicado pelo congelamento do preço da gasolina, precisa ser revertido. Os parques eólicos, construídos sem planejamento, carecem de ligação com as redes transmissoras de energia.

Agenda Desenvolvimento e Produtividade

Produção muito cara. Investimento em inovação.

Agronegócio

É crucial restituir ao Ministério da Agricultura seu poder de decisão e formulação de políticas agrícolas.

Política Externa

Brasil está isolado no mundo. Partidarização da política (ideologização).
O repúdio às tiranias, o direito à paz, a solidariedade internacional em defesa da democracia, o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Especificamente em relação ao Mercosul, o bloco precisa voltar a ser o que era na sua concepção, no início dos anos 1990: uma área voltada à liberalização do comércio e à abertura de mercados.

Maioria iria às urnas mesmo que não fosse obrigatório (O Tempo)

Maioria iria às urnas mesmo que não fosse obrigatório

Estudo feito com 4.000 internautas aponta que 58% escolheriam os seus representantes


PROTES
Manifestações. Protestos se espalharam e levaram milhares de pessoas às ruas do país, em junho
PUBLICADO EM 17/12/13 - 04h00
Se o voto deixasse de ser obrigatório no país, 58% dos brasileiros continuariam a participar das eleições. Esse e outros pensamentos dos brasileiros sobre questões atuais que envolvem o país – como a Copa do Mundo de 2014 e as manifestações de junho – foram respondidas em uma pesquisa divulgada ontem pela rádio CBN, em parceria com o Conecta, braço de pesquisa online do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).
Mais de mil sugestões foram enviadas pelos ouvintes da rádio e o júri selecionou sete que foram respondidas por 4.000 brasileiros.
Entre os resultados relacionados às manifestações de junho, 67% afirmaram que elas não trouxeram qualquer mudança para o Brasil, mas 23% acham que os protestos fizeram com que o país mudasse para melhor.
Para o sociólogo Rudá Ricci, a pesquisa é bem realista. “De fato, as mudanças para o país, após as manifestações, foram muito pequenas. Acredito que tenha sido mais imediata, por exemplo, com o congelamento do preço das passagens de ônibus em mais de 100 municípios”, afirma.
Por outro lado, dentre as mudanças positivas apontadas pelos entrevistados, 74% acreditam que a população ganhou mais força.
“Tanto é verdade que os governos estão preocupados com Copa do Mundo no ano que vem, em função das manifestações. Todos os analistas políticos dizem que além da economia, o que mais pode mexer com as tendências eleitorais vão ser os protestos. Ou seja, ninguém sabe como lidar com as manifestações”, explica.
Motivações. Além disso, os pesquisados responderam que o combate à corrupção motivaria 29% deles para ir às ruas protestar e, em segundo lugar, a educação, com 21%.
“No Brasil, a educação vem aparecendo cada vez mais como um elemento em primeiro lugar. Principalmente para as pessoas que querem melhorar de vida e, pela educação pública, ser vista como de qualidade ruim. Quem tem pouco dinheiro cada vez mais percebe a educação como a única saída”, analisa o sociólogo.
Orgulho de ser
A pesquisa também perguntou se os entrevistados pudessem nascer de novo, se escolheriam o Brasil como seu país de origem. A maioria (61%) disse que sim. A pesquisa apontou também que EUA (19%), Canadá (17%) e Inglaterra (16%) são os países onde os brasileiros gostariam de nascer se tivessem oportunidade. Alemanha apareceu no ranking com 8%; Austrália, com 6%; Itália e Japão, com 5%; França e Espanha, com 4%; Portugal, com 3%; China, com 1%.

MINIENTREVISTA

Rudá Ricci

Sociólogo Diretor Geral do Instituto Cultiva e membro do Fórum Brasil do Orçamento

PUBLICADO EM 17/12/13 - 04h00
Qual a diferença dos manifestante de junho para as pessoas que foram ouvidas agora pela pesquisa?
Os manifestantes de junho não tinham exatamente o perfil da população brasileira. Eram jovens, de até 35 anos e cuja grande maioria já estava inserida no sistema educacional, inclusive nas universidades. Portanto, a população pesquisada agora se apropria das manifestações de maneira diferente da forma como aqueles que saíram as ruas pensavam.
Com esses resultados, você acredita que o brasileiro amadureceu?
Sim. No sentido de perceber que tem uma força política que não estava clara. Nos últimos anos, o governo federal aumentou muito o seu poder e, com isso, os movimentos sociais foram saindo das ruas, mas com essa explosão em junho, o brasileiro amadureceu no sentido de perceber que tem muito poder e que isso deixou os governantes desconcertados. Mas, por outro lado, as manifestações de junho foram “adolescentes”, ou seja, se reclamou, mas não mostrou poder. Ainda se tem uma longa história para percorrer.
Acha que os brasileiros vão protestar novamente no ano que vem?
Está claro que vão ter manifestações. Mas não está claro se vão ser maiores, se os governos vão reagir de maneira mais dura e se a grande maioria da população não vai estar contra por ser a Copa e pelo fato de o Brasil estar disputando um título. Não sabemos também se os protestos vão deixar de ser “adolescentes”, pois isso já aconteceu no Egito, Islândia e Espanha. Não é do dia para a noite que se amadurece politicamente. 

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Aécio acerta uma...finalmente

A Folha divulga, hoje, que Aécio Neves rompeu com seu marketeiro, Renato Pereira (na foto), por diferenças de concepção. As jornalistas Natuza Nery e Vera Magalhães informam que as divergências tinham como mote a agenda (que o marketeiro sugeria ser menos convencional). Pereira fez a campanha de Sérgio Cabral e Henrique Capriles (Venezuela, contra Hugo Chavez, em 2012).
No dia que lança as bases do programa tucano para 2014, a notícia poderia ser outra, mas não é de todo um desastre. Já havia uma forte tensão, nos bastidores do PMDB, por Pereira fazer o marketing de Aécio e Pezão (candidato ao governo carioca em 2014).
Os que conhecem, afirmam que o marketeiro sabe contar uma boa história.
Pode ser. Pereira sugeria pesquisas qualitativas (mais para o segmento médio do eleitorado) e porta a porta (para o segmento mais pobre). Mas o que ele apresentava até agora era por demais focado na classe média, possivelmente mais jovem, o que bateria na porta dos famosos "coxinhas". Um erro grosseiro. Trabalhar conceitos liberais para uma base social historicamente pobre que em uma década acessou o mercado consumidor com produtos top de linha (em alguns segmentos de produtos) não parece ser tarefa fácil.
Mas o que incomodou foi o tal "vamos conversar?". Nem como isca negativa (daquelas que obriga todo mundo a falar sobre) funcionou. Uma paródia, das piores, do Forrest Gump com Nextel. Com a cara de Aécio, que não diz efetivamente nada do ponto de vista social (não estou utilizando o social como coluna social, evidentemente). Aí, começou a oscilar. Desta anti-propaganda, partiram para o mote "você muda o país". Mas, como? Se quem define eleição nacional quer o Estado Pai (como demonstrou pesquisa recente do Datafolha)? Se não conversar com o eleitor de baixa renda, esqueça. Não há mais aquela famosa relação direta com os tais "formadores de opinião" (que soa como autodefinição de classe).
Aí, nova guinada e começam a demonstrar que utilizarão a imagem playboy de Aécio como uma pessoa de bem com a vida. Como? Aí é que perde de vez a base eleitoral mais importante do país.
Diria que se trata de uma visão exageradamente carioca do Brasil. Carioca estilo Leblon, diga-se de passagem. Não dá.
Embora não seja uma boa notícia, Aécio acerta. Precisa rapidamente sair desta posição de luta pelo terceiro lugar nas eleições de 2014. Terceiro lugar é fim de linha para sua carreira política.
Para quem quer conhecer o perfil do marketeiro, acesse a entrevista dele para a UOL clicando AQUI

domingo, 15 de dezembro de 2013

Minha entrevista ao Cena Política sobre impacto do mensalão e mensalinho

Bachelet se elegerá Presidente do Chile neste domingo

Com 27% de vantagem sobre o candidato liberal-conservador, a socialista Michelle Bachelet deve voltar ao poder no Chile. Terá como foco a reforma educacional e do sistema tributário. Fala-se em remover o entulho autoritário que ainda persiste no país. Há forte pressão do movimento estudantil pela adoção do ensino gratuito (os estudantes e suas famílias arcam, hoje, com 80% a 100% dos custos com a educação). Há vários candidatos a deputado que lideraram o movimento estudantil chileno desde 2011:
Giorgio Jackson, 26 anos, engenheiro, ex-dirigente da Federação dos Estudantes da Universidade Católica do Chile, membro da Revolución Democratica, que apoiou Bachelet neste segundo turno;
A famosa Camila Vallejo, 25 anos, do Partido Comunista do Chile;
Francisco Figueroa, 26 anos, da Izquierda Autónoma, de origem marxista, mas que se orienta pelo autonomismo (articulado ao redor do Movimiento SurDA que se formou no Chile a partir de inúmeros coletivos estudantis).


A autossabotagem tucana

Digo que esta é a pior geração de gestores públicos da nossa história republicana e as provas caem às pencas. Em vários casos, não apenas os gestores públicos se revelam despreparados, mas as próprias lideranças partidárias.
Acho que os campeões desta incompetência são os tucanos. Não por outro motivo estão decaindo a olhos vistos e se isolando em São Paulo, revelando a vocação "1932" do Estado.
Na ânsia de tentarem criar fato político à qualquer custo, não analisam bem o discurso. Agora, estão atacando todos os poderes republicanos porque o financiamento privado - as doações privadas de campanhas eleitorais - de campanha eleitoral está sub judice. O julgamento em curso no STF trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB.
Tucanos afirmam que se trata de ampliação do Caixa 2. Em outras palavras, sem financiamento privado o que sobra é Caixa 2? Raciocínio meio estranho, não? Está jogando água no argumento do PT, para quem o mensalão é fruto desta estrutura de financiamento.
Se é para pensar na lisura do financiamento eleitoral, não é melhor ser mais radical e exigir que o sigilo bancário do candidato, seu staff e até familiares sejam quebrados durante o período de campanha?
O voto, lembremos, é ato individual porque o representante eleito é depositário da vontade do eleitor. Assim, não se pode vincular o candidato à representante ao interesse empresarial, privado, mas apenas ao do cidadão. É verdade que podemos sugerir a representação delegada, que estaria vinculada a um interesse comunitário. Neste caso, o melhor seria, então, legalizar o lobby.
Enfim, esta canoa furada que o PSDB quer tomar vai ser mais um tiro no pé. Vai cristalizar a imagem de partido da elite empresarial. Fácil de abater. Um erro por puro desespero e ansiedade.
Veja os casos de financiamento de campanha em outros países, divulgado pela consultoria do Senado brasileiro em 2004:

Alemanha

Ao contrário do Brasil, o princípio que rege a legislação sobre financiamento de campanha é o da proteção de partidos e candidatos da influência de grandes financiadores.
Os gastos eleitorais são reembolsados pelo governo, inclusive para os candidatos distritais independentes.
O reembolso pode ser antecipado em relação à campanha eleitoral seguinte, de acordo com determinadas regras (por exemplo: 0,85 euros por voto até 3 milhões de votos e 0,70 euros por voto que exceder esse limite para os partidos que obtiveram até 0,5% dos votos na eleição anterior e que apresentem contas minuciosas ao presidente da Câmara).
Há também subsídio público a contribuições e doações privadas, por meio de dedução no pagamento de impostos.
Calcula-se que o governo subsidie até 38% dos recursos privados que chegam aos partidos, sendo que as mensalidades dos seus filiados representam, em média, de 30% a 50% de suas receitas.
Doações superiores a 10 mil euros precisam ser publicadas na prestação de contas dos partidos, com nome e endereço do doador.

Estados Unidos

Até o final de 2003, vigorava regra estrita para as contribuições diretas de indivíduos a candidatos (não podiam ser superiores a US$ 1 mil por ano e ciclo eleitoral) e a partidos (não podiam ultrapassar US$ 25 mil por ano e ciclo eleitoral).
Esse dinheiro, sujeito a limitações, é conhecido como hard money. Havia brecha legal que permitia doações por empresas, sindicatos e indivíduos acima desses limites, com o intuito de apoiar "ideias e atividades partidárias", que ficou conhecida como soft money, no jargão de candidatos e financiadores.
Propagandas nos meios de comunicação em torno de temas específicos de interesse dos financiadores também podiam ser custeadas por empresas e sindicatos. Só que o escândalo da Enron demonstrou a fragilidade do sistema.
Boa parte dos congressistas, chamados a apurar responsabilidades no caso, havia sido beneficiada por contribuições da empresa em suas campanhas na forma de soft money.
O Congresso aprovou alterações na legislação, impondo restrições severas ao uso de soft money e estabelecendo novos limites para as contribuições de pessoas físicas e jurídicas às campanhas eleitorais.

França

Optou recentemente pelo financiamento público de campanha, proibindo as contribuições de pessoas jurídicas e sindicatos.
O reembolso pode ser de 50% do limite definido de despesas para os partidos que obtenham pelo menos 5% dos votos nas eleições.
A distribuição desses recursos entre os partidos obedece, em partes iguais, ao número de votos obtidos nas eleições para a Assembleia Nacional e ao número de parlamentares filiados ao partido.
No entanto, ao definir como despesa de campanha apenas os gastos autorizados expressamente pelo candidato, a legislação acabou por permitir a constituição de comitês autônomos de simpatizantes, livres para arrecadar e gastar sem controle, criando situação semelhante ao soft money norte-americano.

Itália

A descoberta de ampla rede de corrupção envolvendo as lideranças dos principais partidos do país, grandes empresários e contatos com o crime organizado (episódio conhecido como Tangentopoli) provocou a reformulação do sistema partidário. A legislação italiana, segundo o consultor, já contava com uma tradição de confusão e ineficácia.
Em 1997, a lei que dispunha sobre o financiamento público de campanha (de 1974) foi substituída por um modelo de "financiamento voluntário dos partidos políticos".
Em 1999 surge uma nova legislação disciplinando as contribuições voluntárias e o reembolso público de gastos de campanha. Propostas de alteração das regras de financiamento de campanha, segundo o consultor, continuavam sendo discutidas no final de 2003.

Canadá

As eleições são organizadas pela Comissão Eleitoral do Canadá, à qual compete também a fiscalização e o controle sobre a arrecadação de recursos e os gastos de partidos e de candidatos.
O financiamento é misto. O público consiste em renúncia fiscal de parte do Imposto de Renda dos doadores a partidos e candidatos e reembolso parcial dos gastos de campanha, de acordo com determinadas regras (por exemplo, os candidatos podem reembolsar 50% dos seus gastos eleitorais).
A legislação canadense não limita as contribuições privadas às campanhas (só proíbe as anônimas e aquelas provenientes do estrangeiro).
A opção recaiu sobre o controle dos gastos. A ideia, segundo o consultor, é que a fixação de limites de gastos e a exigência de transparência conferem maior equidade ao pleito.
O limite varia dependendo da circunscrição eleitoral. O voto é distrital e existem 301 distritos no país.
Nas eleições de 1997, o limite de gastos foi, em média, de US$ 62 mil por candidato e de US$ 11 milhões para os partidos que apresentaram candidatos em todos os distritos.
Os candidatos são os responsáveis pela administração financeira da campanha. Eles são obrigados a abrir conta corrente exclusiva para essa finalidade, nomeando um tesoureiro oficial e um auditor.
Entretanto, o consultor chama a atenção para os gastos de terceiros, que o país estava tentando regulamentar ao final de 2003.
Os simpatizantes de uma candidatura podem receber doações e efetuar gastos sem controle, uma vez que não são candidatos nem partidos.
Até a finalização do levantamento, segundo o consultor, o país tentara impor sem sucesso limite de US$ 1 mil às contribuições de terceiros.