sábado, 5 de janeiro de 2013

O abandono da reforma agrária como modelo de desenvolvimento

Acabou. Nasceu com o movimento tenentista como agenda de desenvolvimento do país. Nos anos 1950 foi retomada como bandeira de desenvolvimento e se tornou popular nos anos 1960. No pós-regime militar, foi alçada à condição de política nacional e durante um longo percurso foi objeto de muito embate interno nos governos federais, gerando ministérios específicos até uma luta intestina entre MDA e parte do INCRA, contra vários ministérios da área econômica.
Surpreendentemente, foi nesta fase lulista que a reforma agrária minguou de vez e se transformou em política assistencial. A matéria publicada no Estadão de hoje dá o tom para o novo lugar da reforma agrária na agenda nacional. José Graziano já afirmava, nos anos 1980 e 1990, que a reforma agrária, do ponto de vista do capital, já havia sido realizada no Brasil e que só poderia ser adotada como política social, de inclusão. José Serra já havia dito algo similar, um pouco antes, sugerindo ser um gasto de energia e recursos desnecessários porque assentaria gente despreparada e descapitalizada para enfrentar a concorrência tecnológica do agronegócio.
O artigo fala da descentralização da política, antes nacional, para a gestão das prefeituras, incluindo a seleção de famílias que serão beneficiadas. No restante, as ações comandadas pelo INCRA serão fragmentadas entre vários ministérios (como MDS e Ministério das Cidades).
Eu sustentava que ao redor de 2014 o MST não teria mais importância social alguma em virtude do Bolsa Família e ascensão social acelerada. Parece que 2013 antecipará minha análise.


Um novo Incra

05 de janeiro de 2013 | 14h 42
O Estado de S.Paulo
Está em curso uma mudança radical no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que se coaduna com o objetivo geral do governo de Dilma Rousseff de aperfeiçoar o processo de reforma agrária, em lugar de meramente ampliá-lo ao sabor das reivindicações anacrônicas dos movimentos de sem-terra. O aspecto mais importante, como mostra reportagem do Estado (1.º/1), é a descentralização das atividades relativas à reforma agrária, envolvendo outros órgãos federais e prefeituras no processo e conferindo ao Incra condições de dedicar-se exclusivamente ao que lhe deveria caber, isto é, prestar assistência aos agricultores nos assentamentos. A modernização administrativa do Incra, aliada a uma alteração paulatina do perfil da reforma agrária no País, vem em muito boa hora, pois indica a opção pela integração dos pequenos agricultores ao agronegócio, algo que será benéfico para todos - menos, claro, para aqueles que lucram politicamente com a proliferação de sem-terra. Um dos projetos em andamento mobiliza prefeituras de cidades com até 50 mil habitantes para a melhoria das vias de acesso aos assentamentos, de modo a facilitar o escoamento da produção. 
A reforma prevê que as administrações municipais terão o maquinário necessário por meio do Programa de Aceleração do Crescimento - Equipamentos. Além disso, as prefeituras que comprarem parte da produção receberão combustível do governo federal. O envolvimento dessas prefeituras é inédito e deve alterar suas relações com os assentamentos, que até agora eram vistos como enclaves, pois os prefeitos tinham pouca influência sobre eles. O Incra calcula que somente essa medida poderá reduzir seus gastos em quase 70%. Outra tarefa que o Incra deixará de desempenhar será a construção de casas para os assentados, que ficará a cargo do Ministério das Cidades, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. Em dois anos, o governo espera reformar 118 mil casas e construir 70 mil. Já a responsabilidade pelo fornecimento de água a famílias no semiárido nordestino passará a ser do Ministério da Integração Nacional, enquanto a construção da rede de energia elétrica em todos os assentamentos será uma atribuição do Ministério de Minas e Energia, dentro do programa Luz para Todos. O Incra também não será mais responsável pela seleção das famílias beneficiadas pela reforma agrária, processo que é objeto de toda sorte de pressões dos movimentos de sem-terra. A triagem passará a ser feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com base no mesmo cadastro usado para selecionar os beneficiados pelo Bolsa-Família e outros programas de transferência de renda.
O presidente do Incra, Carlos Guedes, considera que não se pode mais trabalhar com o cenário da época da criação do Incra, nos anos 70, em que sua função era organizar a colonização do interior do Brasil, responsabilizando-se por tarefas tão díspares como abrir estradas e construir escolas nos assentamentos. Para ele, as novas medidas terão o poder de multiplicar o orçamento do instituto, porque suas funções serão reduzidas. A mudança já é real: a verba para desapropriações, por exemplo, caiu 11,5% entre 2011 e 2012, enquanto a de assistência técnica aumentou 123%. Por trás desse esforço, porém, há uma significativa mudança de foco na própria reforma agrária, que se traduz na estatística segundo a qual o total de famílias assentadas no governo Dilma é o menor desde 1995. A ideia é cuidar melhor dos assentados em vez de investir na criação de verdadeiras favelas rurais, que é no que se transformaram muitos dos assentamentos instalados para dar satisfação aos chamados "movimentos sociais".
O melhor sinal de que está certo o caminho escolhido para mudar o Incra talvez seja a reação do MST. Com a descentralização das tarefas relativas à reforma agrária, o grupo, que já se queixa da pouca interlocução com o governo federal, deverá perder ainda mais influência. Para o MST, Dilma desistiu de "democratizar" a terra e fez uma "opção pelo agronegócio" - como se fosse um crime apostar na produção agrícola que vá além da roça e do arado.

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