Acabo de ser entrevistado pela CBN. O tema foi a eleição da mesa diretora da Câmara Municipal de Belo Horizonte e outras capitais. Aqui em BH, a situação é das mais reveladoras. Aécio Neves e o prefeito reeleito, Marcio Lacerda, apostavam suas fichas na reeleição do vereador Leo Burguês para presidir o parlamento local. Tiveram que recuar nos últimos dias. Os vereadores de todos partidos reagiram contra a gestão Burguês que teria desgastado a imaagem da Casa. Aécio, então, passou a apostar no vereador Pablito (PSDB) e o prefeito Lacerda passou a apoiar o também tucano e pastor da Igreja Quadrangular, Henrique Braga. Mais surpreendente é que se cogitou o nome do petista (teoricamente oposicionista) Tarcísio Caixeta. Ontem à noite, inclusive, socialistas e tucanos negociavam que a presidência da Câmara ficaria com o PT no segundo biênio, 2015-2016.
Estes são os fatos. Mas o que intrigava a CBN não eram os fatos em si, mas a interferência de Marcio Lacerda, do executivo municipal, na eleição de um poder supostamente independente, o parlamento, que fiscalizará o executivo. A questão, óbvia, e que desnuda o nível de promiscuidade que a democracia brasileira chegou, surpreende, embora seja óbvia.
Assim como Pedro Aleixo afirmava que não temia o AI-5 pelo que a cúpula do governo militar faria (temia, na verdade, mas foi obrigado a criar esta frase de efeito), mas pelo que o guardinha de quarteirão faria ao se investir de um poder pleno, a preocupação maior não está nos acordos espúrios que ocorrem nas Câmaras Municipais das capitais brasileiras. Porque nas capitais há uma parcela signficativa da sociedade civil organizada e alerta e uma parte da imprensa com certa independência. O problema maior está nos acordos feitos da forma mais deslavada e imoral no interior do país. Se na capital mineira até senador entra no jogo da composição do parlamento local, algo insuportável para uma república federativa, a promiscuidade é ainda maior nos pequenos municípios. Acompanho casos de arrepiar os cabelos. Como de oposicinionistas ferrenhos que se tornaram, da noite para o dia, base do governo, permanecendo nos partidos que fizeram a mais dura e até descabida campanha difamatória ao prefeito eleito. As campanhas eleitorais, assim, não são palco de escolha do eleitor, mas jogos entre partes que desconsideram o cidadão. Nas pequenas cidades, a política já passou a ser naturalmente vista como coisa de profissionais e nada tem a ver com o cotidiano dos cidadãos. O ato de votar é uma festa, um interregno, quase sempre com pouco sentido, com exceção dos benefícios diretos e promessas de favores pequenos, minguados, sem grandes desejos, justamente porque o eleitor comum não vê o parlamento como sua casa. A vereança é um posto tomado pelos mais espertos, não pelo seu voto.
Marilena Chauí já alertava que, no Brasil, o voto era pensado pelas elites políticas como mera confirmação divina, reeditando a teocracia. O eleito já sabia que era escolhido, mas precisaria passar por esta última confirmação: o voto popular. Daí muitos eleitos agradecerem a Deus por sua eleição, não ao eleitor. Voto não é questão de fé, mas de representação. Sendo assim, tudo é perdoado para se conseguir passar por este último e pouco valorizado teste, o das urnas. Comprar votos é o desprezo em escala, que confirma a indigência democrática. Um negócio de momento, instantâneo, que revela que nunca mais o eleito terá relação com aquele que comprou. Se eleito, o candidato comprador não terá mais nenhum vínculo com o comprado, já que saldou o negócio.
Há, ainda, uma questão mais grave. O paralmento brasileiro, em todos os níveis, vai sumindo como poder independente. E há quem ainda lamente que o eleitor esqueça do vereador ou deputado ou senador que votou. O problema é justamente o inverso: o eleito esquece, em poucos segundos, quem o elegeu. O parlamentar se alinha ao prefeito, governador ou ministros em menos de dois segundos após a proclamação de sua eleição. Não por outro motivo, o parlamento brasileiro é a instituição menos prestigiada pelos brasileiros.
Não percamos o foco: a promiscuidade política tem lugar no Brasil. Daí porque o judiciário começa a tomar seu lugar, ainda que lentamente. Porque os parlamentos desconhecem seu papel na balança do jogo republicano. São braços do executivo e fazem do seu poder uma chantagem para receberem benefícios. A grande imprensa inverte o foco e afirma que é o executivo a fonte da relação promíscua. Como se os parlamentares fossem frágeis criaturas à mercê do poder absoluto. Pior: as verbas publicitárias são utilizadas para coibirem a imprensa local de fiscalizar a mesa diretora. Pior ainda: os meios de comunicação que as Câmaras Municipais criam são cabides de emprego, em parte considerável dos parlamentos locais, aumentando o poder de aliciamento (não convencimento político) da base política do parlamentar.
O parlamento, principalmente o dos pequenos municípios brasileiros, perde sua função e abandona o sentido da representação. Alí se localiza o que há de pior nas práticas políticas tupiniquins. E o dia de hoje, quando vereadores tomam posse e elegem as suas mesas diretoras, ilustrará, de norte a sul, esta afirmação. Aliás, todo roteiro esteve estampado nas últimas edições de vários jornais (ainda há alguma independência na imprensa, principalmente antes da eleição das mesas diretoras) e blogs.
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