Na entrevista que Chico de Oliveira concedeu ao IHU-Online (que reproduzo abaixo), há uma certa confusão entre o 18 de Brumário (9 de novembro de 1799), quando Napoleão iniciou sua ditadura na França, com a narrativa de Marx intitulado "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", publicado na revista Die Revolution e que foi escrito entre dezembro de 1851 e março de 1852. O conceito de bonapartismo se apóia no texto de Marx. Significaria, resumidamente, a ascensão de um aventureiro político que se aproveita de um momento de crise de representação onde as classes sociais não conseguem impor sua hegemonia.
Em nenhum sentido cabe a análilse de Chico de Oliveira, um evidente exagero e descaso teórico. Lula não deu golpe e não se aproveitou de um vazio de representação. Trata-se de algo mais contemporâneo e nitidamente fincado na ascensão social em massa.
Quanto à conciliação de interesses, base fulcral do lulismo, é evidente que pode se movimentar em virtude da dinâmica social e política. Em outras palavras, os interesses são móveis, nunca estáticos. O lulismo, para se manter, terá que acompanhar este dinamismo. Algo que Dilma Rousseff não sabe fazer. Mas seu padrinho sempre foi mestre nesta arte.
Vamos à tentativa de Chico de Oliveira:
O
governo Dilma é a amostra da impossibilidade de manter-se, no longo prazo, o
tipo de conciliação ampla dos dois mandatos do governo Lula. A sociedade
brasileira é cada vez mais complexa para que seus interesses contraditórios
sejam envelopados numa fórmula carismática. Já as dificuldades da candidatura
Haddad estão demonstrando que Lula não é o mago que ele mesmo acredita ser e
sua segunda clonagem tem todas as chances de falhar estrondosamente. Daí Dilma
ter que demitir, ou aceitar a renúncia de uma quantidade de ministros que, no
todo, daria para formar um time de futebol: o time Dilma. E todos não foram por
corrupção, como é anunciado. Nelson Jobim não saiu do governo por corrupção,
mas porque sua opção de interesses se compatibiliza mais com Serra do que com
Lula/Dilma. Daí, Dilma não é propriamente inábil, ou trator, ou faxineira. É
que Lula abafou e conciliou numa escala que não dá para manter por muito tempo.
Quanto
à política econômica, Dilma mantém o mesmo ritmo, as mesmas opções que, aliás,
estão aí desde Fernando Henrique Cardoso. Lula mesmo não mudou nada das
orientações neoliberais de FHC; apenas injetou mais dinheiro no BNDES, seguindo
assim, as orientações da Economia da Unicamp, da qual Luciano Coutinho é um dos
mais representativos: fazer as empresas brasileiras serem internacionais,
atuando fortemente para fora, e não para dentro.
Quanto
à classe trabalhadora, Lula foi uma espécie de Bonaparte : enquanto exportava a
Revolução Francesa na ponta de suas baionetas, Bonaparte arrasou com o ímpeto
revolucionário interno da Revolução Francesa, anulando o poder da novel classe
trabalhadora francesa. Lula foi um Bonaparte reduzido, ou seu governo foi um
“18 de brumário” de Luis Inácio Lula da Silva. A classe trabalhadora, por suas
frações organizadas, não apita nada neste governo, como consequência da
anulação de seu poder de classe operado por Lula da Silva.
Enquanto
isso o Bolsa Família representa exatamente essa anulação: estendendo um pequeno
subsídio para a subsistência dos mais pobres, ele anulou o poder
reivindicatório das frações organizadas da classe. Na verdade, isso é o que se
pode dizer do primeiro ano do governo Dilma. As chamadas qualidades da
presidente têm sido consumidas no “apagar fogo” de uma coalizão que não tem
qualquer identidade programática, e por isso seu governo pode ser chamado de
“governo de combate ao fogo amigo”.
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