quarta-feira, 21 de março de 2012

Uma descrição que tentam alçar a conceito

Florestan Fernandes, numa aula magna que nos brindou num encontro da ANPOCS (quando ainda era realizado em Águas de São Pedro, em SP), defenestrou os afoitos analistas que procuravam carimbar o conceito de bonapartismo no governo Collor. Resumindo, Florestan dizia que se tratava de uma descrição datada ao que tinha feito Luís Bonaparte, o sobrinho do Napoleão.
Na entrevista que Chico de Oliveira concedeu ao IHU-Online (que reproduzo abaixo), há uma certa confusão entre o 18 de Brumário (9 de novembro de 1799), quando Napoleão iniciou sua ditadura na França, com a narrativa de Marx intitulado "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", publicado na revista Die Revolution e que foi escrito entre dezembro de 1851 e março de 1852. O conceito de bonapartismo se apóia no texto de Marx.  Significaria, resumidamente, a ascensão de um aventureiro político que se aproveita de um momento de crise de representação onde as classes sociais não conseguem impor sua hegemonia.
Em nenhum sentido cabe a análilse de Chico de Oliveira, um evidente exagero e descaso teórico. Lula não deu golpe e não se aproveitou de um vazio de representação. Trata-se de algo mais contemporâneo e nitidamente fincado na ascensão social em massa.
Quanto à conciliação de interesses, base fulcral do lulismo, é evidente que pode se movimentar em virtude da dinâmica social e política. Em outras palavras, os interesses são móveis, nunca estáticos. O lulismo, para se manter, terá que acompanhar este dinamismo. Algo que Dilma Rousseff não sabe fazer. Mas seu padrinho sempre foi mestre nesta arte.
Vamos à tentativa de Chico de Oliveira:


O governo Dilma é a amostra da impossibilidade de manter-se, no longo prazo, o tipo de conciliação ampla dos dois mandatos do governo Lula. A sociedade brasileira é cada vez mais complexa para que seus interesses contraditórios sejam envelopados numa fórmula carismática. Já as dificuldades da candidatura Haddad estão demonstrando que Lula não é o mago que ele mesmo acredita ser e sua segunda clonagem tem todas as chances de falhar estrondosamente. Daí Dilma ter que demitir, ou aceitar a renúncia de uma quantidade de ministros que, no todo, daria para formar um time de futebol: o time Dilma. E todos não foram por corrupção, como é anunciado. Nelson Jobim não saiu do governo por corrupção, mas porque sua opção de interesses se compatibiliza mais com Serra do que com Lula/Dilma. Daí, Dilma não é propriamente inábil, ou trator, ou faxineira. É que Lula abafou e conciliou numa escala que não dá para manter por muito tempo.

Quanto à política econômica, Dilma mantém o mesmo ritmo, as mesmas opções que, aliás, estão aí desde Fernando Henrique Cardoso. Lula mesmo não mudou nada das orientações neoliberais de FHC; apenas injetou mais dinheiro no BNDES, seguindo assim, as orientações da Economia da Unicamp, da qual Luciano Coutinho é um dos mais representativos: fazer as empresas brasileiras serem internacionais, atuando fortemente para fora, e não para dentro.

Quanto à classe trabalhadora, Lula foi uma espécie de Bonaparte : enquanto exportava a Revolução Francesa na ponta de suas baionetas, Bonaparte arrasou com o ímpeto revolucionário interno da Revolução Francesa, anulando o poder da novel classe trabalhadora francesa. Lula foi um Bonaparte reduzido, ou seu governo foi um “18 de brumário” de Luis Inácio Lula da Silva. A classe trabalhadora, por suas frações organizadas, não apita nada neste governo, como consequência da anulação de seu poder de classe operado por Lula da Silva.

Enquanto isso o Bolsa Família representa exatamente essa anulação: estendendo um pequeno subsídio para a subsistência dos mais pobres, ele anulou o poder reivindicatório das frações organizadas da classe. Na verdade, isso é o que se pode dizer do primeiro ano do governo Dilma. As chamadas qualidades da presidente têm sido consumidas no “apagar fogo” de uma coalizão que não tem qualquer identidade programática, e por isso seu governo pode ser chamado de “governo de combate ao fogo amigo”.

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