terça-feira, 25 de outubro de 2011

Skinhead, PCC e partidos de esquerda

DO IG:

Facções se uniram de um lado e de outro. Nunca foi tão grave'

Autor do livro “Cadarços Brancos”, sobre sua convivência com skinheads, David Vega fala ao iG sobre violência, política e nazismo


Nara Alves e Ricardo Galhardo, iG São Paulo | 26/09/2011 07:00
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'Facções se uniram de um lado e de outro. Nunca foi tão grave'Autor do livro “Cadarços Brancos”, sobre sua convivência com skinheads, David Vega fala ao iG sobre violência, política e nazismo

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'Facções se uniram de um lado e de outro. Nunca foi tão grave'Autor do livro “Cadarços Brancos”, sobre sua convivência com skinheads, David Vega fala ao iG sobre violência, política e nazismo

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Os primeiros contatos com skinheads aconteceram quando ele tinha 13 anos, em uma biblioteca. Inspirado pela história de sua família, especialmente a de seu avô que lutou na guerra civil espanhola, David Vega começou a pesquisar sobre nacional socialismo, “conhecido vulgarmente como nazismo”. Inicialmente, o adolescente tinha “um pouco de medo” de sair com os carecas. Depois, mais velho, foi atrás de gente que pensasse como ele. “Eu pegava coisas do nacionalismo, coisas do nazismo e, em cima disso, eu montei a Brigada Paulista com mais três rapazes”, contou David ao iG.
Para David, a morte do jovem punk Johni na capital paulista em uma boate foi o primeiro passo de uma guerra entre facções opostas de skinheads. De um lado estão aqueles politicamente alinhados com a esquerda comunista. De outro, os da ultradireita fascista ou nazista. Num emaranhado complexo de subgrupos com posições político-ideológicas distintas, os skinheads estão agora reagrupando gangues para o confronto direto nas ruas de São Paulo. Diante do desafio da polícia, David acredita que a corporação deveria entender mais sobre as questões políticas.
Hoje com 22 anos, David é estudante de sociologia e se considera um ex-skinhead. Embora ainda defenda algumas das ideias nacionalistas, diz ter se cansado da vida entre “grupos considerados criminosos”. Autor do livro “Cadarços Brancos”, que narra a convivência com este mundo que combina violência e ideologia-política, David concedeu a seguinte entrevista ao iG em seu apartamento na zona sul da capital paulista.


Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena Ampliar
David em frente à obra Guernica, de Picasso. O quadro é uma referência à guerra civil espanhola

iG – Como foi o primeiro contato com skinheads?
David Vega
– Os dois primeiros contatos que eu tive com pessoas inseridas nesse universo skinhead aconteceram na biblioteca. Lá se concretizou. Mas antes eu já tinha contato com a ideologia, já vem de mais tempo. Meu avô lutou na guerra civil espanhola, uma série de coisas. Agora, contato com alguém que tem a mesma corrente ideológica e que está lutando por isso foi na biblioteca. Eu estava na 7ª série, 13, 14 anos, e eles estavam no colegial. Eu tinha um pouco de medo de sair com eles a princípio. Depois, quando você entra na idade da rebeldia, eu tive contato com outras pessoas, também no colégio.
iG – Você os procurou ou eles vieram atrás de você?
David Vega
– Eu fui atrás. Dificilmente eles vão atrás de alguém porque eles não querem recrutar qualquer um. Você tem que demonstrar interesse. Tem ativismo, propaganda, mas eles não perdem tempo colocando um “irmão”, um cara que não está lá por livre e espontânea vontade.
iG – A que grupo você pertencia?
David Vega
– A minha corrente ideológica era a Nacional Socialista, vulgarmente conhecida como nazista, ou neonazista. Mas eu não seguia à risca porque em São Paulo há uma divisão entre a chamada direita, os nacionalistas, e os nacional-socialistas. Os nacionalistas não são racistas, são conservadores, muitos são integralistas. E eu gostava desse nacionalismo tupiniquim. Eu condenava o conservadorismo exacerbado e me aproximava da anarquia. Eu pegava coisas do nacionalismo, coisas do nazismo e, em cima disso, eu montei a Brigada Paulista com mais três rapazes. Acabei fazendo contato com as duas barricadas. Mas eu era criticado tanto por alguns camaradas nazistas como por alguns camaradas nacionalistas. Depois, eu fui encontrar uma gangue – que eu nunca fiz parte – com uma filosofia parecida com a minha, que era o Front 88. Começou nazista, mas depois eles promoveram união com os Carecas.
iG – E qual era o seu grupo rival?
David Vega
– Os Antifas. Dentro dos Antifas têm os Anarcopunks, os RASH, comunistas, estudantes da UNE, militantes do PCdoB, do MST, até algumas pessoas inseridas no PCC, ligadas ao tráfico de drogas que têm ideal comunista. Os Antifas englobam várias vertentes.
iG – A polícia diz que há cerca de 25 gangues em São Paulo. Mas nossa reportagem identificou uma tendência de aglutinação dessas gangues em dois pólos opostos. É isso mesmo?
David Veg
a – Com certeza. Nos anos 80 e 90, tinha uma pseudo-união entre eles. Mas essa união como a gente está vendo agora começou a partir de 2005, quando havia muita briga entre pessoas que no fundo tinham ideologias iguais. Aí eles resolveram se unir. Mas ainda hoje um Careca do Subúrbio sempre vai combater um neonazista. Não é que eles estão amigos, não é isso. São uniões ocasionais. Têm pessoas ali que você conhece, respeita, cumprimenta. Mas não são amiguinhos, não.


Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena Ampliar
David colecionava símbolos nazistas
iG – Você acredita numa reedição, em breve, da Revoada dos Galinhas-Verdes?
David Vega
– Acho que sim. Como a gente já pôde perceber com a morte do Johni. Lá eram várias gangues da direita unidas, brigando com várias gangues da esquerda. Esse foi o primeiro passo. As outras mortes são casos isolados. Já a morte do Johni são várias facções que se uniram de um lado e de outro. Isso já aconteceu outras vezes, mas ninguém morreu, nunca foi tão grave.
iG – O desafio que a polícia tem pela frente pode ser comparado ao desafio de combater o PCC?
David Vega
– Eu acho exagerada essa comparação. Esses skinheads veem um carro de polícia e começam a tremer. Briga na rua, fica com olho roxo e depois mente pra mãe, diz que caiu da escada. O PCC não. Eles vão pra matar ou morrer, mesmo. Em termos de número, o buraco do PCC está muito mais em baixo. Se a polícia se dedicar com serviços de inteligência aos skinheads, com um mês eles conseguem acabar com tudo.

iG – Pela sua experiência nas ruas, como você vê a atuação da polícia?
David Vega
– A polícia é pessimamente informada. No combate, na técnica, eles são profissionais. Mas eles não têm o intelecto para diferenciar. Eles veem um cara de cabeça raspada e acham que é nazista. Eles têm muito a ideia que está na mídia. O policial deveria ser mais politizado. Os oficiais até lêem mais. Eu nunca entrei em confronto diretamente com a polícia. Já estive em confrontos em que a polícia se envolveu. Eu saí correndo. Mas a função do policial militar é a abordagem no ato. Esse combate às ideias é parte da inteligência.
iG – Um grupo de skinhead participou da Parada Gay já preparado para combater outros skinheads. E lá teve confronto.
David Vega
– Sim, os Antifas, os SHARP, que são contra o preconceito. Esses aí não são muito reprimidos pela polícia. Mas a polícia só vai saber diferenciar a partir do discurso do cara. Todo 9 de Julho, 7 de Setembro, Parada Gay, Marcha da Maconha... sempre tem skinhead. O motivo da aparição dos outros skinheads lá com certeza foi para bater no grupo rival. Mas tem homofobia entre eles também. Está cheio de anarcopunk homofóbico. Não é porque o cara é anarquista, libertário, que não vai ser.
iG – Como acontece a atuação política dos skinheads?
David Vega
– Os skinheads de esquerda têm mais ponto de atuação livre porque partidos comunistas não são ilegais. Na esquerda, eles votam no PC do B, no PCO, a CUT está cheia de gente, na UNE. No Brasil há muito espaço para eles. É condenável se bater num homossexual, é claro. Mas têm pessoas sérias que acreditam num ideal, mas que acabam se prejudicando por falta de liberdade de expressão. No Brasil, só um lado pode. O outro, não. A democracia brasileira é de um republicanismo onde se abre espaço para os amiguinhos da República Federativa Brasileira, mas quem é antirepublicano ou antidemocrátio não pode. Aí você começa a ter leis contra símbolos nazistas, a literatura nazista é proibida. Para mim, uma literatura nunca poderia ser proibida. Não precisa fazer propaganda, mas por que eles não podem escrever um livro, ter liberdade nas artes?
Foi brutal o que os nazistas fizeram. Não se mata um ser humano só por ter nascido judeu ou cigano. Mas também os comunistas mataram muita gente quando os chineses invadiram o Tibet, os russos na Ucrânia, na República Tcheca.Eu não estou defendendo o nazismo, mas eu já tive um pensamento nacional-socialista e não tenho mais. Mas eu continuo pensando dessa maneira. Por que um pode e outro não?
Meu trabalho é tentar fazer com que eles (skinheads) aproveitem o que há de bom nisso. Você tem muita cultura nisso, te instiga muito a pesquisar, a ler. É preferível um jovem assim, do que um cara alienado. Eu prefiro um cara que bate no outro, que sai em briga de rua, mas o cara se instrui, lê e tem uma posição política forte, do que um cara que bate no outro por causa de time de futebol ou nem isso, fala sobre Big Brother, sobre TV, alienado total.
iG – Como você decidiu abandonar esse mundo skinhead?
David Vega
– Eu mudei por mim mesmo. Morei um tempo fora, conheci um pessoal de outras culturas, eu cansei. Hoje eu penso mais em promover meu trabalho, seguir a área acadêmica, um dia me casar, ter uma carreira segura. Não quero estar associado a grupos considerados criminosos e bandidos e me excluir da vida social e de uma carreira de progresso. Mas, talvez, se tivesse um espaço aberto eu poderia ter amadurecido e aprendido a lidar com as minhas ideias de maneira mais democrática, mais ponderada. Mas talvez eu não tivesse vergonha em assumir o que eu era. Mas não sou eu que vou mudar isso. Eu quero viver a minha vida.
 
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