segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Perguntas e Respostas sobre Ensino Superior



PERGUNTAS - PALAVRA CRUZADA


No dia 5 de outubro participei do programa Palavra Cruzada, da Rede Minas, tendo como tema o Ensino Superior brasileiro. O programa enviou, dias depois, perguntas enviadas por telespectadores que não puderam ser apresentadas ao vivo em virtude do tempo de programa.
Estou reproduzindo, abaixo, minhas respostas. Espero ser útil.

PROGRAMA: Educação Superior
DATA: 05/10/2011

Gabriela
Sou fisioterapeuta e tenho muita dificuldade em fazer uma pós, pois não encontro na área de gerontologia. Gostaria de saber se existe.

Rudá: Sei que há estudos na PUC-SP. Sugiro entrar em contato com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia  (https://www.sbgg.org.br/default.aspx )


Kênia Carmos

O que você acha do chamado ensino à distancia?

Rudá: conceito e legislação se encontra no site do MEC (http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=289&Itemid=356 )

Jorge Augusto Otoni

O que o Brasil precisa fazer para colocar os estudantes em patamar de igualdade com outros paises mais desenvolvidos?

Rudá: elaborar um projeto estratégico em que fique especificada a função e objetivos de cada nível de ensino. Temos que localizar a educação num projeto de país e não como instrução a ser adquirida para se inserir no mercado (o que seria um projeto individual e não de sociedade). De imediato, precisamos redefinir a formação dos professores universitários, principalmente o projeto pedagógico das escolas noturnas, onde parte dos trabalhadores Classe C estão acessando. São trabalhadores que possuem nítidos déficits de formação estudantil. Precisamos ter um projeto adequado, que os auxilie a superar esta lacuna escolar (aulas de português, de leitura e interpretação de textos etc).

Sérgio Dourado

A quantidade de universitários na Coréia do Sul, durante guerra contra a Coréia do Norte, em 1953, girava em torno de 1 para cada 10 sul-coreanos adultos, a mesma que o Brasil. Eles investiram até 20% do PIB somente em educação e hoje têm em torno de 08 adultos universitários para cada 10 pessoas. O que o Brasil pode fazer para seguir esse caminho?
Rudá: há consenso que o Brasil deve investir 10% do PIB em educação. Lembre-se que nosso PIB é superior ao da Coréia.

Lawrence Gomes

O governo, através do poder financeiro, vem quebrando a autonomia das universidades?
Os novos Ifets, as universidades que aderiram ao Pro-Uni e as que mais recebem verbas utilizam o Enem. Será uma coincidência?
E o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) estaria ou não acabando com a regionalidade da universidade?
Comentem, também, sobre as cotas.
Rudá: é justamente isto. Não se trata de ofensa à autonomia, mas de orientação do sistema educacional, uma espécie de liberdade assistida. Em relação às cotas, sou contra porque se trata de um projeto pós-moderno, que não pensa a educação como direito universal. Também não me parece um programa que visa a equidade. A desigualdade está na educação de base que aparta negros e pobres do ingresso e trajetória escolar de brancos e elites. Por que o governo não enfrenta o racismo nas indústrias, utilizando a Lei Afonso Arinos e prendendo empresários? Porque trabalha com um projeto de conciliação de interesses, envolvendo todos segmentos  e classes sociais. E não se faz omeletes sem quebrar os ovos.


Eleusa

Sou socióloga, tenho 47 anos, cinco filhos entre 17 e 24 anos e todos estudaram em escola pública. O programa de ensino é excelente, porém, o que percebi ao longo dos anos, foi a falta de empenho dos profissionais de educação na transmissão do conhecimento. Será que os professores subestimam os jovens, que pensam em se formar em universidades federais?
Rudá: o que os aflige é o que se convencionou denominar de Síndrome de Burnout, ou seja, esgotamento e frustração profundos dos profissionais da educação. Veja pesquisa que coordenei em Ipatinga no site www.constituinteescolar.com.br (clique no link “download” e acesse os dados da pesquisa).


Paulo
Uma pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas apontou que apenas 1% dos jovens querem trabalhar como professores. Isso não influencia na diminuição de profissionais interessados?
Rudá: Exato. Infelizmente, os estudantes com piores expectativas profissionais e desempenho escolar são os que estão elegendo o magistério como carreira.

Lucimara

Ouvi no programa que o ensino médio está melhorando e já incluí matérias como sociologia e filosofia. Mas, ao mesmo tempo, tira o inglês e deixa a educação física que, acredito eu, não acrescenta em nada, ainda mais para o Enem. Não entendi essa escolha.
Rudá: Não, o ensino médio não está melhorando. Pelo contrário: o MEC já realizou dois grandes seminários nos últimos dois anos sobre justamente o que denomina crise do ensino médio. Veja matéria a respeito: http://www.amazonas24horas.com/MEC-diz-que-ha-crise-no-ensino-medio.html

Antônio Gabriel

Muitas vezes o professor não consegue avaliar um aluno por não conhecê-lo. Como fica essa questão?
Rudá: O primeiro problema é que o professor, normalmente, nem conhece os vários instrumentos de avaliação e seus objetivos específicos (portfólio, autoavaliação, observação e registro, prova operatório, prova objetiva). A situação piora quando não tem tempo nem mesmo de realizar uma avaliação inicial, denominada diagnóstica, de seus alunos. Começa precariamente, não compreende as dificuldades individuais e acaba massificando as aulas e avaliações.

Silvia

Vocês conhecem a Universidade de Viçosa, que é considerada a melhor de Minas e a terceira do país.
Rudá: Conheço. A questão é: melhor em relação a que critérios? Viçosa é focada na formação produtivista, de mercado e só marginalmente desenvolve projetos de desenvolvimento sustentável.

Heitor Noronha Neto

O que acham da abertura de cursos de medicina, sem laboratórios ou hospitais para os alunos praticarem?
Rudá: sua pergunta é uma resposta, não?

Jésus

Como está a efetivação dos direitos de educação de jovens e adultos?
Vocês poderiam sugerir alguma bibliografia sobre a história da educação de jovens e adultos no Brasil?

Silvia Fernandes

Foi aberto, em 2008, o curso de música na UFJS, que tem pouca procura de candidatos. Na mesma região existem outros dois cursos iguais, em instituições públicas.  Você não acha que esse é um exemplo de mau uso de dinheiro público?
Rudá: Não. Nem sempre temos que nos fiar em critérios de mercado (oferta e procura) na área educacional. Novamente diz respeito a um projeto de país. Se fosse assim, eu dificilmente seria sociólogo, curso com procura muito inferior a medicina, engenharia, direito, entre outros.

Heitor Noronha Neto

Vocês acreditam que alguns cursos serão desvalorizados, como o de jornalismo, que não precisa curso de superior para se registrar como profissional?
Rudá: O mercado de trabalho, hoje, é profundamente dinâmico. Imaginávamos, em meados dos anos 1990, que o curso de contabilidade seria extinto (90% dos profissionais da área que foram demitidos naquele momento, nos EUA, nunca retornaram aos seus postos). E não acabou. O que ocorre é fusão, em busca da polivalência (juntando contabilidade com planejamento, por exemplo).

Junio Louback

Conversando com amigo, que fez curso de cabeleireiro e tem um salão há 15 anos, percebi que eu, que sou graduado, recebo três vezes menos que ele. A que posso atribuir a essa diferença de rentabilidade?
Rudá: Que mercado não se relaciona, em nosso país, com nível de instrução escolar formal. Perceba: o Brasil exporta commodities, de baixo valor agregado. Assim, os trabalhadores mais procurados não são os com maior nível de escolaridade, pois o trabalho não exige esta formação. Os salários que mais aumentaram de valor, nos últimos cinco anos em nosso país, são os de profissionais semi-qualificados e não os de doutores e pós-graduados. Infelizmente, a grande imprensa repercute as posições das empresas-líderes, de alta tecnologia. Mas elas não são a maioria, são a exceção no nosso mercado. Veja as ofertas de emprego divulgadas pelo SINE.

Edivaldo Pereira dos Santos

Por que os cursos técnicos não são valorizados no país, uma vez que os alunos saem mais preparados do que em muitos cursos de graduação?
Rudá: Visão elitista e pouco focada na realidade concreta. Porque é a universidade (um mercado de trabalho específico, fechado em si) que define o que é valorizado em termos profissionais.

Sérgio Dourado

Como o convidado vê o financiamento público do ensino superior através do Fies já que, ao final do curso, o aluno adquire uma dívida enorme com o próprio governo?
Rudá: Teríamos condições de ter uma política agressiva de financiamento público do ensino superior. Mas a opção do país é outra. O governo federal abdicou de disputar ideologicamente as políticas de Estado. Prefere ser mediano, ser popular.

Rafael Pinheiro

Vocês concordam que a abertura de cursos no interior deveria ser feita com um maior planejamento, de forma a explorar as potencialidades regionais?
Rudá: Sim. O interessante é que isto ocorre a posteriori. Com as avaliações rigorosas das comissões técnicas do MEC, os cursos são fechados ou recebem notas muito baixas, que obstaculizam de acessarem recursos públicos para investimento.

João Faustino

Conheço um bom livro sobre educação em família chamado “Pais difíceis e filhos impossíveis”.  A dificuldade dos pais em ajudar seus filhos e dos professores em ensinar seus alunos tem como resultado estudantes analfabetos e péssimas escolas.
Rudá: O tempo de convívio familiar está decaindo. O mercado de trabalho rouba o tempo familiar. Em cidades grandes, o tempo de convívio familiar de pais que possuem filhos acima de 15 anos de idade é de apenas 1h30 por dia.

Jésus

A educação deixou de ser um direito e virou mera mercadoria do capitalismo, com o monopólio da educação e a entrada do capital estrangeiro?
Em 2009, 4,5 milhões de jovens se inscreveram para as provas do Enem e disputaram pouco mais de 300 mil vagas. Isso quer dizer que 4,2 milhões de jovens ficaram de fora das universidades federais por falta de vagas. Como resolver este problema?
Rudá: Exatamente. Esta é a realidade da educação brasileira. Apresento o funil a seguir:



Guilherme Melgaço

Percebo que, no país, a educação básica não tem qualidade. Um dos grandes problemas é a falta de profissionais. Os professores de hoje são, geralmente, alunos que tiveram dificuldades durante o aprendizado, que tiveram notas baixas no decorrer da vida escolar ou que pararam de estudar por algum motivo. A falta de incentivo afasta os jovens que tem desejo de lecionar. Gostaria de saber a opinião de vocês sobre isso.
Rudá: é fato.

Sérgio

Ter títulos de doutor e mestre é garantia de bom ensino?
Rudá: Não. Há doutores que nunca deram aula. O título acadêmico não é concedido pelas habilidades de um educador. Ao contrário: avaliam-se as habilidades de pesquisador, de investigador.

Rose

Houve, em Minas, uma greve de professores de 112 dias e o governo não quis pagar nem o piso salarial. Como pensar em uma educação superior de alto nível com uma educação básica desvalorizada pelo próprio governo?
Rudá: Não é possível um projeto educacional quando o piso da categoria é justamente o que um servente de pedreiro recebe nas obras de Eike Batista (1.200 reais mensais).

Sirlene

Sou aluna do EJA e tenho um filho no ensino médio. Percebo que os professores não têm interesse em ensinar, eles não se importam com os alunos. Eu tenho apenas dois que querem nos preparar para o vestibular. Não estão preparados para dar aula, estão enrolando dentro de sala de aula.
Rudá: Temos que ser mais rigorosos. Eu penso que seria o caso de entrarmos com ação junto ao Ministério Público contra o serviço oferecido pelo Estado.

Luiza

O PT vai transformar as universidades brasileiras em supletivo de segundo grau, no país da ignorância desmedida?
Rudá: Se fosse só o PT.... O PSDB faz o mesmo (veja a UEMG). E outros partidos também. Não dá para partidarizar este debate.

Adelson Dias

Fiz o segundo grau há algum tempo. Sou obrigado a fazer o Enem para entrar em uma universidade pública?
Rudá: O ENEM é optativo. Em algumas universidades, como a UFMG, é o exame que substitui a primeira etapa do processo de seleção (neste caso, torna-se obrigatório).

Fernando

Vejo o desrespeito das faculdades particulares com os alunos. Eles falam que darão material de aula, que é cobrado na mensalidade, mas não entregam. Na minha faculdade os alunos estão combinando de tirar a pior nota na avaliação do curso.
Rudá: Se é faculdade particular, basta denunciar no Procon. Eles não estão cumprindo o código do consumidor.

Lúcia Prates

Voltei hoje do exterior e percebi que as pessoas que saem do Brasil para estudar nos Estados Unidos são melhores que os próprios americanos.
Rudá: Exatamente. Nosso ensino básico é melhor que o dos EUA. E poucos falam sobre isto. Anos atrás, o governo norte-americano fez um estudo sobre este problema que resultou num documento intitulado “Uma Nação em Risco”. Que tal? Veja documento: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1935/193514385004.pdf

Armando Anjos

Você não acha que o Enem está se transformando em um novo vestibular? E, se sim, ele pode se tornar obsoleto rapidamente?
Rudá: Sim, infelizmente. Era uma proposta das mais inovadoras e fundamentadas, quando criado pelo Nilson José Machado, matemática e ex-coordenador do curso de pós-graduação em educação da USP. O problema é quando se pensa em massificar a educação, sem muito critério (ou com critérios meramente administrativistas).

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