PERGUNTAS - PALAVRA CRUZADA
No dia 5 de outubro participei do programa Palavra Cruzada, da Rede Minas, tendo como tema o Ensino Superior brasileiro. O programa enviou, dias depois, perguntas enviadas por telespectadores que não puderam ser apresentadas ao vivo em virtude do tempo de programa.
Estou reproduzindo, abaixo, minhas respostas. Espero ser útil.
PROGRAMA: Educação Superior
DATA: 05/10/2011
Gabriela
Sou fisioterapeuta e tenho muita dificuldade em
fazer uma pós, pois não encontro na área de gerontologia. Gostaria de saber se
existe.
Rudá: Sei que há estudos na PUC-SP. Sugiro entrar em
contato com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (https://www.sbgg.org.br/default.aspx
)
Kênia Carmos
O que
você acha do chamado ensino à distancia?
Rudá:
conceito e legislação se encontra no site do MEC (http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=289&Itemid=356
)
Jorge Augusto Otoni
O que o
Brasil precisa fazer para colocar os estudantes em patamar de igualdade com
outros paises mais desenvolvidos?
Rudá:
elaborar um projeto estratégico em que fique especificada a função e objetivos
de cada nível de ensino. Temos que localizar a educação num projeto de país e
não como instrução a ser adquirida para se inserir no mercado (o que seria um
projeto individual e não de sociedade). De imediato, precisamos redefinir a
formação dos professores universitários, principalmente o projeto pedagógico das
escolas noturnas, onde parte dos trabalhadores Classe C estão acessando. São
trabalhadores que possuem nítidos déficits de formação estudantil. Precisamos
ter um projeto adequado, que os auxilie a superar esta lacuna escolar (aulas de
português, de leitura e interpretação de textos etc).
Sérgio Dourado
A
quantidade de universitários na Coréia do Sul, durante guerra contra a Coréia
do Norte, em 1953, girava em torno de 1 para cada 10 sul-coreanos adultos, a
mesma que o Brasil. Eles investiram até 20% do PIB somente em educação e hoje
têm em torno de 08 adultos universitários para cada 10 pessoas. O que o Brasil
pode fazer para seguir esse caminho?
Rudá: há
consenso que o Brasil deve investir 10% do PIB em educação. Lembre-se que nosso
PIB é superior ao da Coréia.
Lawrence Gomes
O
governo, através do poder financeiro, vem quebrando a autonomia das
universidades?
Os novos
Ifets, as universidades que aderiram ao Pro-Uni e as que mais recebem verbas
utilizam o Enem. Será uma coincidência?
E o Sistema
de Seleção Unificada (Sisu) estaria ou não acabando com a regionalidade da
universidade?
Comentem,
também, sobre as cotas.
Rudá: é
justamente isto. Não se trata de ofensa à autonomia, mas de orientação do
sistema educacional, uma espécie de liberdade assistida. Em relação às cotas,
sou contra porque se trata de um projeto pós-moderno, que não pensa a educação
como direito universal. Também não me parece um programa que visa a equidade. A
desigualdade está na educação de base que aparta negros e pobres do ingresso e
trajetória escolar de brancos e elites. Por que o governo não enfrenta o
racismo nas indústrias, utilizando a Lei Afonso Arinos e prendendo empresários?
Porque trabalha com um projeto de conciliação de interesses, envolvendo todos
segmentos e classes sociais. E não se
faz omeletes sem quebrar os ovos.
Eleusa
Sou
socióloga, tenho 47 anos, cinco filhos entre 17 e 24 anos e todos estudaram em
escola pública. O programa de ensino é excelente, porém, o que percebi ao longo
dos anos, foi a falta de empenho dos profissionais de educação na transmissão
do conhecimento. Será que os professores subestimam os jovens, que pensam em se
formar em universidades federais?
Rudá: o
que os aflige é o que se convencionou denominar de Síndrome de Burnout, ou
seja, esgotamento e frustração profundos dos profissionais da educação. Veja
pesquisa que coordenei em Ipatinga no site www.constituinteescolar.com.br
(clique no link “download” e acesse os dados da pesquisa).
Paulo
Uma
pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas apontou que apenas 1% dos jovens
querem trabalhar como professores. Isso não influencia na diminuição de
profissionais interessados?
Rudá:
Exato. Infelizmente, os estudantes com piores expectativas profissionais e
desempenho escolar são os que estão elegendo o magistério como carreira.
Lucimara
Ouvi no
programa que o ensino médio está melhorando e já incluí matérias como
sociologia e filosofia. Mas, ao mesmo tempo, tira o inglês e deixa a educação
física que, acredito eu, não acrescenta em nada, ainda mais para o Enem. Não
entendi essa escolha.
Rudá:
Não, o ensino médio não está melhorando. Pelo contrário: o MEC já realizou dois
grandes seminários nos últimos dois anos sobre justamente o que denomina crise
do ensino médio. Veja matéria a respeito: http://www.amazonas24horas.com/MEC-diz-que-ha-crise-no-ensino-medio.html
Antônio Gabriel
Muitas
vezes o professor não consegue avaliar um aluno por não conhecê-lo. Como fica
essa questão?
Rudá: O
primeiro problema é que o professor, normalmente, nem conhece os vários
instrumentos de avaliação e seus objetivos específicos (portfólio,
autoavaliação, observação e registro, prova operatório, prova objetiva). A situação
piora quando não tem tempo nem mesmo de realizar uma avaliação inicial,
denominada diagnóstica, de seus alunos. Começa precariamente, não compreende as
dificuldades individuais e acaba massificando as aulas e avaliações.
Silvia
Vocês
conhecem a Universidade de Viçosa, que é considerada a melhor de Minas e a
terceira do país.
Rudá:
Conheço. A questão é: melhor em relação a que critérios? Viçosa é focada na
formação produtivista, de mercado e só marginalmente desenvolve projetos de
desenvolvimento sustentável.
Heitor Noronha Neto
O que
acham da abertura de cursos de medicina, sem laboratórios ou hospitais para os
alunos praticarem?
Rudá: sua
pergunta é uma resposta, não?
Jésus
Como está
a efetivação dos direitos de educação de jovens e adultos?
Vocês
poderiam sugerir alguma bibliografia sobre a história da educação de jovens e
adultos no Brasil?
Silvia Fernandes
Foi
aberto, em 2008, o curso de música na UFJS, que tem pouca procura de
candidatos. Na mesma região existem outros dois cursos iguais, em instituições
públicas. Você não acha que esse é um
exemplo de mau uso de dinheiro público?
Rudá:
Não. Nem sempre temos que nos fiar em critérios de mercado (oferta e procura)
na área educacional. Novamente diz respeito a um projeto de país. Se fosse
assim, eu dificilmente seria sociólogo, curso com procura muito inferior a
medicina, engenharia, direito, entre outros.
Heitor Noronha Neto
Vocês
acreditam que alguns cursos serão desvalorizados, como o de jornalismo, que não
precisa curso de superior para se registrar como profissional?
Rudá: O
mercado de trabalho, hoje, é profundamente dinâmico. Imaginávamos, em meados
dos anos 1990, que o curso de contabilidade seria extinto (90% dos
profissionais da área que foram demitidos naquele momento, nos EUA, nunca
retornaram aos seus postos). E não acabou. O que ocorre é fusão, em busca da
polivalência (juntando contabilidade com planejamento, por exemplo).
Junio Louback
Conversando
com amigo, que fez curso de cabeleireiro e tem um salão há 15 anos, percebi que
eu, que sou graduado, recebo três vezes menos que ele. A que posso atribuir a essa
diferença de rentabilidade?
Rudá: Que
mercado não se relaciona, em nosso país, com nível de instrução escolar formal.
Perceba: o Brasil exporta commodities, de baixo valor agregado. Assim, os
trabalhadores mais procurados não são os com maior nível de escolaridade, pois
o trabalho não exige esta formação. Os salários que mais aumentaram de valor,
nos últimos cinco anos em nosso país, são os de profissionais semi-qualificados
e não os de doutores e pós-graduados. Infelizmente, a grande imprensa repercute
as posições das empresas-líderes, de alta tecnologia. Mas elas não são a
maioria, são a exceção no nosso mercado. Veja as ofertas de emprego divulgadas
pelo SINE.
Edivaldo Pereira dos Santos
Por que
os cursos técnicos não são valorizados no país, uma vez que os alunos saem mais
preparados do que em muitos cursos de graduação?
Rudá:
Visão elitista e pouco focada na realidade concreta. Porque é a universidade
(um mercado de trabalho específico, fechado em si) que define o que é
valorizado em termos profissionais.
Sérgio Dourado
Como o
convidado vê o financiamento público do ensino superior através do Fies já que,
ao final do curso, o aluno adquire uma dívida enorme com o próprio governo?
Rudá:
Teríamos condições de ter uma política agressiva de financiamento público do
ensino superior. Mas a opção do país é outra. O governo federal abdicou de
disputar ideologicamente as políticas de Estado. Prefere ser mediano, ser
popular.
Rafael Pinheiro
Vocês
concordam que a abertura de cursos no interior deveria ser feita com um maior
planejamento, de forma a explorar as potencialidades regionais?
Rudá:
Sim. O interessante é que isto ocorre a posteriori. Com as avaliações rigorosas
das comissões técnicas do MEC, os cursos são fechados ou recebem notas muito
baixas, que obstaculizam de acessarem recursos públicos para investimento.
João Faustino
Conheço
um bom livro sobre educação em família chamado “Pais difíceis e filhos
impossíveis”. A dificuldade dos pais em
ajudar seus filhos e dos professores em ensinar seus alunos tem como resultado
estudantes analfabetos e péssimas escolas.
Rudá: O
tempo de convívio familiar está decaindo. O mercado de trabalho rouba o tempo
familiar. Em cidades grandes, o tempo de convívio familiar de pais que possuem
filhos acima de 15 anos de idade é de apenas 1h30 por dia.
Jésus
A
educação deixou de ser um direito e virou mera mercadoria do capitalismo, com o
monopólio da educação e a entrada do capital estrangeiro?
Em 2009,
4,5 milhões de jovens se inscreveram para as provas do Enem e disputaram pouco
mais de 300 mil vagas. Isso quer dizer que 4,2 milhões de jovens ficaram de
fora das universidades federais por falta de vagas. Como resolver este
problema?
Rudá:
Exatamente. Esta é a realidade da educação brasileira. Apresento o funil a seguir:
Guilherme Melgaço
Percebo
que, no país, a educação básica não tem qualidade. Um dos grandes problemas é a
falta de profissionais. Os professores de hoje são, geralmente, alunos que
tiveram dificuldades durante o aprendizado, que tiveram notas baixas no
decorrer da vida escolar ou que pararam de estudar por algum motivo. A falta de
incentivo afasta os jovens que tem desejo de lecionar. Gostaria de saber a
opinião de vocês sobre isso.
Rudá: é
fato.
Sérgio
Ter
títulos de doutor e mestre é garantia de bom ensino?
Rudá:
Não. Há doutores que nunca deram aula. O título acadêmico não é concedido pelas
habilidades de um educador. Ao contrário: avaliam-se as habilidades de
pesquisador, de investigador.
Rose
Houve, em
Minas, uma greve de professores de 112 dias e o governo não quis pagar nem o
piso salarial. Como pensar em uma educação superior de alto nível com uma
educação básica desvalorizada pelo próprio governo?
Rudá: Não
é possível um projeto educacional quando o piso da categoria é justamente o que
um servente de pedreiro recebe nas obras de Eike Batista (1.200 reais mensais).
Sirlene
Sou aluna
do EJA e tenho um filho no ensino médio. Percebo que os professores não têm
interesse em ensinar, eles não se importam com os alunos. Eu tenho apenas dois
que querem nos preparar para o vestibular. Não estão preparados para dar aula,
estão enrolando dentro de sala de aula.
Rudá: Temos
que ser mais rigorosos. Eu penso que seria o caso de entrarmos com ação junto
ao Ministério Público contra o serviço oferecido pelo Estado.
Luiza
O PT vai
transformar as universidades brasileiras em supletivo de segundo grau, no país
da ignorância desmedida?
Rudá: Se
fosse só o PT.... O PSDB faz o mesmo (veja a UEMG). E outros partidos também.
Não dá para partidarizar este debate.
Adelson Dias
Fiz o
segundo grau há algum tempo. Sou obrigado a fazer o Enem para entrar em uma
universidade pública?
Rudá: O
ENEM é optativo. Em algumas universidades, como a UFMG, é o exame que substitui
a primeira etapa do processo de seleção (neste caso, torna-se obrigatório).
Fernando
Vejo o
desrespeito das faculdades particulares com os alunos. Eles falam que darão
material de aula, que é cobrado na mensalidade, mas não entregam. Na minha
faculdade os alunos estão combinando de tirar a pior nota na avaliação do
curso.
Rudá: Se
é faculdade particular, basta denunciar no Procon. Eles não estão cumprindo o
código do consumidor.
Lúcia Prates
Voltei
hoje do exterior e percebi que as pessoas que saem do Brasil para estudar nos
Estados Unidos são melhores que os próprios americanos.
Rudá:
Exatamente. Nosso ensino básico é melhor que o dos EUA. E poucos falam sobre
isto. Anos atrás, o governo norte-americano fez um estudo sobre este problema
que resultou num documento intitulado “Uma Nação em Risco”. Que tal? Veja
documento: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1935/193514385004.pdf
Armando Anjos
Você não
acha que o Enem está se transformando em um novo vestibular? E, se sim, ele pode
se tornar obsoleto rapidamente?
Rudá:
Sim, infelizmente. Era uma proposta das mais inovadoras e fundamentadas, quando
criado pelo Nilson José Machado, matemática e ex-coordenador do curso de
pós-graduação em educação da USP. O problema é quando se pensa em massificar a
educação, sem muito critério (ou com critérios meramente administrativistas).
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