sexta-feira, 27 de maio de 2011

Minha entrevista ao Boletim Econômico, de Itumbiara

BOLETIM ECONÔMICO, jornal do campus da UEG/Itumbiara:

1. Rudá, o que, de fato, podemos esperar do Governo Dilma Rousseff?
R: A administração do projeto lulista. O que não é pouco. A inflação por demanda, gerada pela oferta de crédito e aumento espetacular do consumo da classe C, já bate nas nossas portas. É verdade que os últimos indicadores econômicos diminuíram o estado de alerta geral: conseguimos reduzir os gastos federais em 0,8% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano anterior, batemos recorde de arrecadação e aumentamos significativamente o superávit primário. Além de tudo, ultrapassamos a marca dos 300 bilhões de dólares das reservas internacionais. O foco, contudo, será o PAC e controle/atendimento desta imensa base governista, que aumenta ainda mais com a vinda do PSD de Kassab

2. Podemos esperar algum tipo de reforma de base para o país?
R: Não. Possivelmente teremos a ampliação, caso tenhamos folgas orçamentárias (a expectativa com a entrada de recursos do Pré-Sal é grande, mas vendemos apenas a primeira cota para o Chile), dos programas sociais. No restante, a sinalização até o momento é de administração discreta deste neo-fordismo montado pela gestão Lula.

3. O país pode continuar com tantas assimetrias sociais e econômicas? E qual é o limite desse processo?
R: O modelo adotado nos últimos anos é o de conciliação de interesses e inclusão social pelo consumo. Portanto, não estamos trabalhando com a ampliação de direitos ou controle social. Num modelo como este, que remete à lógica do getulismo, a desigualdade permanece porque não se pretende ofender o pacto desenvolvimentista. Há neste cenário um claro ponto de estrangulamento: a transferência de renda se dá entre assalariados, já que o pacto não cria espaço para a tributação progressiva, o que quebraria a aliança com o alto empresariado. Assim, é a classe média tradicional (Classe B) que financia parte significativa da transferência de renda que catapulta as classes D e E para a classe C. O limite é justamente a capacidade da classe B continuar sendo o elo fraco deste modelo de desenvolvimento. O discurso oposicionista parece ter respaldo justamente neste estrato social.

4. Ainda podemos falar em "esquerda" ou "direita" no Brasil? Em que medida?
R: Sim. Norberto Bobbio sugeriu, em texto escrito pouco antes de seu falecimento, que a esquerda pende mais para a luta pela igualdade e a direita pela liberdade individual. É uma sugestão didática. Minha opinião é que a plataforma da esquerda está centrada, hoje, na sustentabilidade e controle social. A inclusão, neste caso, se dá pela política e não pelo consumo. Por este aspecto, é evidente que a distinção entre os que estão mais próximos da população e os que estão mais próximos das elites econômicas continua válida (esta é a origem dos conceitos de direita e esquerda). Sua pergunta, contudo, remete a outra questão: o governo é de esquerda. Aí entramos efetivamente num campo nebuloso. Não se trata de um governo de esquerda, mas social-liberal. E não me parece uma etapa, uma fase preparatória para uma guinada mais ousada. É um projeto de poder vitorioso, que dialoga com a cultura política comum de nosso país. A esquerda não almeja ser meramente popular como o lulismo, almeja uma ação pedagógica, de transformação da estrutura de poder.

5. No que tange a economia brasileira, que tipo de desenvolvimento cabe no atual cenário da enorme dependência em que nos metemos?
R: Como já afirmei anteriormente, nosso modelo é quase um clássico do fordismo-keynesianismo: Estado forte (que centraliza o orçamento público e debela a autonomia dos municípios), financiamento do alto empresariado via BNDES (o segundo banco de fomento do mundo, com recursos superiores à soma dos recursos do Banco Mundial e BIRD), promoção social (via, principalmente, aumento real do salário mínimo) e controle das instituições sociais (centrais sindicais, organizações estudantis e várias organizações populares). Trata-se de uma imensa tutela estatal, que Claus Offe denomina de “estatalização”. O Brasil, a partir deste imenso mercado consumidor apoiado na classe C, projeta-se como o quinto mercado consumidor do planeta, atrás dos EUA, China, Alemanha e Japão. Somos a 7ª Potência mundial (em 204 países) e o 2º PIB da América (ultrapassamos o Canadá). Disputamos a América com os EUA. O que vale destacar é que os países emergentes são, em sua maioria, orientais e o Brasil é latino-americano. O ocidente vive uma profunda crise econômica. Assim, vale refletir se o modelo de país desenvolvido que emerge neste século XXI não se pauta por potências que mantém desigualdade social interna e um poderoso Estado centralizador que orienta o desenvolvimentismo.

6. E por falar em desenvolvimento... Podemos falar em desenvolvimento brasileiro?
R: Sim. O desenvolvimento brasileiro é um fordismo tupiniquim.

7. As desigualdades regionais são limites reais para pensarmos e fazermos o desenvolvimento brasileiro. Que caminhos devemos adotar para tornar as regiões mais homogêneas?
R: O caminho seria alterar o modelo lulista. Descentralizarmos a gestão como ocorre na Itália desde meados dos anos 1970 e adotarmos o federalismo financeiro, diminuindo a dependência de repasse de recursos federais. Ademais, teríamos que adotar a tributação progressiva e possivelmente criar um organismo de planejamento nacional poroso à concertação entre entes federativos e estruturas de representação social. Teríamos, ainda, que instalar um sistema de monitoramento público de resultados, acompanhando esta estrutura efetivamente federativa. Talvez, os conselhos de gestão pública, hoje ao redor de 30 mil em todo país, seriam a estrutura adequada para assumir esta lógica de monitoramento e planejamento integrado participativo. Mas estaríamos, assim, revolucionando o modelo atual.

8. As atuais classes dirigentes do país, políticas e econômicas, estão em condições de conduzir o país rumo ao seu futuro?
R: Já demonstraram condições para isto. Somos uma potência mundial, respeitados em todo planeta. Somos pujantes e demonstramos uma capacidade de enfrentamento de crises internacionais. Mas nossa pauta de exportações e a política cambial mina nosso sistema de financiamento industrial. Já se fala em desnacionalização ou desindustrialização do país. Lideranças sindicais e empresariais já forjam um pacto pela defesa da indústria brasileira. O que ocorre, em primeiro lugar, é um problema de projeto político e modelo de desenvolvimento. O modelo lulista é, hoje, hegemônico, mas é pouco arejado e possui o risco de todo modelo fordista: ele cria um amálgama e interdependência (mercado consumidor-Estado-financiamento da economia local) que compõe uma espécie de playmobil gigante: um problema externo ao pacto dificulta o rearranjo do desenho formado. Isto já ocorreu na crise do fordismo a partir do aumento do preço do barril de petróleo na década de 1970. Nossas elites, entretanto, começam a se acomodar a esta dependência estatal e se distanciam da organização social cotidiana dos cidadãos. Isto é uma situação típica do neocorporativismo, onde as elites sindicais e empresariais participam de arenas de elaboração de políticas públicas e se acostumam aos acordos entre cúpulas. Não se trata, portanto, de incompetência política, mas de acomodação política.

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