terça-feira, 20 de outubro de 2009
Meu artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje (Tendências/Debates)
O FIM DA ERA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS
Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, 47, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. Blog: rudaricci.blogspot.com
Dentre muitas divergências há um consenso entre estudiosos dos movimentos sociais: todos são formados a partir de espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais. Ocorre que nos anos 90 muitos movimentos sociais se institucionalizaram. Diversos ensaios recentes revelam essa forte institucionalização e segmentação política e social nas experiências associativas, além de avaliar o processo de participação social nas experiências de gestão participativa (como orçamento participativo). Mesmo na América Latina, vários estudos (como o de Christian Adel Mirza, “Movimientos sociales y sistemas políticos en América Latina, publicado pelo Clacso), relacionam nitidamente o antes conceito de movimentos sociais (não institucionalizado) com o Estado e instituições políticas dos países do continente. Fica a dúvida: a Era dos Movimentos Sociais teria terminado no Brasil? A fragmentação social em curso e a ampliação da participação da sociedade civil no interior do aparelho de Estado teriam reformatado o que antes denominávamos de movimentos sociais? Os movimentos sociais brasileiros são representações ou parte integrante de anéis burocráticos de elaboração de políticas públicas? Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros adotam alguma modalidade de participação da sociedade civil na determinação de prioridades orçamentárias na área social. Motivados ou premidos pelas exigências constitucionais, pelos convênios com órgãos federais (dados importantes fornecidos pelo IBGE revelam que governadores e ministérios lideram a criação de conselhos de gestão pública paritários, muito acima das ações de prefeitos brasileiros) e do Ministério Público, os prefeitos de todo país institucionalizam (e, muitas vezes, traduzem ou interpretam a partir de seu ideário peculiar) vários mecanismos de gestão participativa na deliberação de políticas locais. Se localidades rurais, conselhos de desenvolvimento rural sustentável, de meio ambiente ou de bacias hidrográficas pululam. Se localidades urbanas, conselhos de saúde, assistência social e direitos da criança e adolescente proliferam. Onde estariam os movimentos sociais, que antes exigiam inclusão social e fim da marginalização política? Estão todos nesses conselhos e novas estruturas de gestão pública. Ao ingressarem no mundo e lógica do Estado, poderiam construir uma nova institucionalidade pública. Porém, foram engolidos pela lógica da burocracia pública. A multiplicação das conferências de direitos não foram incorporadas às peças orçamentárias da maioria dos entes federativos. Não alteramos a lógica de funcionamento e de execução orçamentária efetivamente. O aumento da participação da sociedade civil na gestão pública também não ensejou qualquer mudança na estrutura burocrática altamente verticalizada e especializada do Estado brasileiro nas três esferas executivas. Enfim, o ideário anti-institucionalista dos movimentos sociais brasileiros dos anos 80 converteu-se rapidamente ao ideário do Estado que atacavam. Talvez por inconsistência teórica e programática, pautados pela mera negação ou sentimento de injustiça. Mas, talvez, por excesso de partidarização dos movimentos sociais. Nos anos 80, não por coincidência, Frei Betto sugeria que sindicatos, partidos e organizações sociais eram ferramentas do que denominava de movimento popular. Tal concepção fomentou a criação da ANAMPOS, organização nacional que articulava sindicatos de oposição à estrutura oficial do sindicalismo nacional e movimentos sociais. O mundo sindical achou seu caminho alternativo ao ideário dos movimentos sociais e se afastou da ANAMPOS. E os movimentos sociais? Nos anos 90 se atiraram na tarefa de formalizar as estruturas de gestão pública participativa conquistadas na Constituição de 1988. Mas, a partir das estruturas criadas e com a eleição de Lula (o ícone do ideário dos anos 80) suas lideranças subsumiram à lógica do Estado. E não conseguiram mais se livrar dela. Basta analisarmos as pautas das conferências nacionais de direitos. São, com raríssimas exceções, a agenda definida pelo governo federal. Compreendo que esse é o cenário montado para o drama que se desenrola nos últimos dias sobre o futuro do MST. Evidentemente, a organização popular mais poderosa do país, a única que ainda consegue gerar mobilizações sociais de massa, está se isolando politicamente. Isola-se a partir do governo que ajudou a desenhar, mesmo que apenas no seu esboço mais geral. E se isola porque seus aliados de antes estão imersos nos escaninhos do Estado.
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8 comentários:
Profº, qual seria o papel das ONG's num cenário desse?
Olá prof. Rudá,
O MST está se isolando, e se está ele faz bem em se isolar? Quais são os mecanismos e percursos que demonstram este isolacionismo?
Os espaços construído ao longo dos anos no Estado, mas, principalmente, no governo Lula, não deveriam ser ocupados? Mas pensando para além do Estado, qual seria o papel dos movimentos sociais quando sua pauta coaduna com a pauta da governo?
O que significaria o fim da era dos movimentos sociais? Existe espaço ideal para sua ação? Qual seria esta arena?
Agradecido pelo texto!
abraços professor!
Agradeço os dois comentários e tento responder em conjunto:
a) o papel das ongs, neste momento, é de construir uma rede de formação para o controle social;
b) a sociedade civil deve ocupar os espaços do Estado, mas com o objetivo de reformatá-lo, à luz de seu ideário de transparência e controle social. O que vemos é uma mera ocupação de espaço a partir da lógica de Estado burocrático, de tradição lusitana (personalismo + especialização temática), sem foco no ser humano, mas nas rotinas específicas. Lembremos: a experiência da sociedade civil é de rede, não de hierarquias funcionais;
c)o MST não está se isolando porque quer. Mas é fato que se isola porque as outras forças perderam a combatividade e a inovação;
d) o isolamento é demonstrado pela ofensiva da esquerda, do governo Lula e até jornalistas de esquerda (ver algumas notas neste meu blog);
e) a pauta dos movimentos sociais deveria ser a da reforma democrática do Estado. Por exemplo: fim do Senado (instalação da estrutura unicameral); implantação da lei de responsabilidade social e responsabilização de governantes que não melhorarem indicadores sociais; voto distrital misto e implantação do recall; instalação de conselhos de direitos no interior do parlamento; oficialização e exigência do orçamento participativo em todo ciclo orçamentário público; criação de ampla rede de escolas da cidadania para formação técnica de gestores sociais; implantação de observatórios sociais (como o existente em Maringá); implantação da educação fiscal em toda rede de ensino público; implantação de gestão participativa em rede; adoção de mecanismos de controle sobre a execução orçamentária com participação da sociedade civil.
São algumas possibilidades.
Concordo Prof,
Mas eu acredito que os movimentos traçam muitas destas linhas e assim direcionam sua força, seja ela pouca ou ainda não satisfatória, ou não? Nos cabe fortalecer cada vez mais estes espaços...
abraços
p.s.: expus seu texto no meu blog com o devido crédito, blz?!
Caro Rudá
É muito instigante sua análise. Ela faz sentido, tendo em vista as mudanças que ocorreram nos anos 90, quando a elite, com a força e ideologia neoliberal, dá as cartas do jogo político no Brasil, estabelecendo uma institucionalidade política que produz uma nova configuração nas relações entre as classes e os grupos sociais que atuam na sociedade. O advento da questão da cidadania (neoliberral), com seus mecanismos institucionais, alteraram de forma significativa a relação entre estado e movimentos sociais,pautada agora pela lógica institucional. Isso ocorre paralelo à queda dos referenciais filosóficos e políticos que sempre orientaram o ideário transformador dos movimentos sociais. Esse processo impactou os movimentos sociais e as organizações populares de maneira geral, modificando as formas, as bandeiras e os conteúdos da luta social. Numa sociedade em que o estado não é mais caracterizado como ditador, autoritário, violento; onde há espaço para o diálogo, mesmo que isso não dê em nada, as relações sociais são pautadas por uma dinâmica mais formal, orientada por mecanismos legais e institucionais, colocando novos desafios na relação estado e sociedade organizada. Outro fator é que, após a conquista do governo pelas forças ditas populares, com Lula na presidência, consolidou uma relação fundada na luta institucional,via os mecanismos que o estado neoliberal criou, neutralizando fortemente outras formas e bandeiras de luta, pois ela trouxe a despolitização da questão social. Porém, não podemos dizer que todo o movimento social está preso à dinâmica e aos ditames neoliberais. Há, na minha opinião, um movimento de retomada do ideário ttransformador, onde se resgata a atualidade do projeto novo de sociedade, com formas novas de luta e novas organizações, que fogem dos modelos da década de 80.O movimento Assmbléia Popular~,do qual fazem parte dezenas de entidades popualres, movimentos, ONGs proressistas, não seria um exemplo disso? O que falta é essas formas e movimentos ganharem força e redescobrirem os valores e as bandeiras que as une e sustenta frente aos novos desafios políticos e sociais.
Como saber se as ONG's e alguns dos movimentos sociais são confiáveis?
Osmar e Roqueiro,
1) Minha análise não tem nenhuma relação com o neoliberalismo ou sua ideologia. Trata-se de uma inflexão dos movimentos sociais que retomam a velha tradição do PCB, sem se perceberem;
2) Aliás, o neoliberalismo está morto. Não define nenhuma ação política de peso no mundo;
3) Se analisarmos a concepção estapista dos comunistas nos anos 50 e 60 perceberems esta lógica de assalto ao Estado, de tal maneira que, na prática, valorizava as direções e estruturas de cúpula. O então chamado sindicalismo autêntico dos anos 80 surgiu para se contrapor a esta concepção e acabou exatamente nela;
4) No caso dos movimentos sociais mais diretamente relacionados á Teologia da Libertação, o problema foi insuficiência teórica. Sabiam o que atacavam mas se descuidaram em relação ao que defendiam. Adotaram uma agenda reativa e não propositiva. E agora pagam o preço;
5) Finalmente, em política, avaliamos pela prática social e não pelo discurso. ONG que vive às custas de recursos públicos, sem projeto social claro, que lutam incansavelmente por renovarem convênios e se partidarizam acabam tendo que defender empregos e não projetos. Acredito que o ideal seria a implantação de um sistema de monitoramento de resultados e metodologias que poderia ser organizado pela ABONG, algo no estilo (mas mais avançado) do que a OAB faz.
PROFESSOR RUDÁ,
COMO CLASSIFICAR OS FORUNS: AÇÃO COLETIVA?
ATENCIOSAMENTE, ANGELA LOPES
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