As manifestações de rua seguiram o percurso de um bumerangue.
Começaram a partir de um movimento relativamente politizado, com fortes inclinações por princípios autonomistas e lógica horizontalizada de tomada de decisão, que logo perdeu o controle sobre a catarse juvenil que inundou as ruas. A partir daí, começou a disputa sobre pautas e controle das manifestações. Aos poucos, agrupamentos à esquerda (incluindo anarquistas que nunca tiveram tanta projeção desde os anos 1930 como agora) foram retomando o controle, principalmente entre o penúltimo e último jogo da seleção brasileira na Copa das Confederações.
Agora, no período pós-Copa, há duas modalidades de ação. As ocupações esparsas (como a da Câmara Municipal de BH, a localidade que desde o início revelava uma boa organização tendo na COPAC sua referência, além de várias outras articulações já existentes na capital mineira e que já faziam protestos de rua nos últimos dois anos) e as manifestações sindicais (tendo no sindicato de funcionalismo público estadual e caminhoneiros sua ponta de lança).
Embora dialoguem entre si, as duas ramificações são distintas na sua organização, recursos para sua sustentação e pauta.
A ação sindical é mais clássica, incluindo suas formas de decisão e estrutura de comando e agenda. A grande maioria dos pontos de pauta apresentados como reivindicações para a manifestação do próximo dia 11 é velha conhecida do mundo do trabalho.
A fase "ocupe" das manifestações de rua continua adotando a lógica da ação horizontalizada, com forte inclinação autonomista e elementos de democracia direta. Vive de contribuições e apoios espontâneos. E prima pela criatividade e cruzamento da ação política com intervenções artísticas.
Ambas articulações dialogam com a proposta de reforma política mas como segundo tema.
Esta passagem das ruas para o campo institucional, tanto negociação, quanto formulação de agendas que definam mudanças no sistema de representação e tomada de decisão na elaboração e gestão de políticas públicas, foi sempre o Calcanhar de Aquiles de todo movimento de massas no Brasil. Não se consegue, nesta passagem, tirar o controle da elite política que as ruas criticam. Justamente porque se trata de um momento de reflexão e elaboração que exige tempo, um ritmo menos emocional e mais cerebral.
Vale registrar que a imprensa militante (hoje, conservadora) perdeu este round. Tentou emplacar "líderes" estranhos às ruas, tentou emplacar agendas e focar vilões. Não deu. A imprensa, há muito deixou de dialogar com as ruas. Lembro do jornal mural que a Folha criou para acompanhar a Campanha das Diretas. Era afixado em tapumes ou paredes que circundavam as manifestações gigantes, ao redor da Praça da Sé, em São Paulo, para citar um exemplo. Todos liam. Seria impensável alguma publicação da grande imprensa se arriscar à exposição como esta nos dias de hoje. Eles continuarão. Mas tenho a impressão que, como os partidos, terão seus quinze minutos de fama e só terão influência entre si: entre editores, jornalistas e políticos. Esta é a audiência mais importante desses dois polos do que um dia se denominou centro da formação de opinião da sociedade moderna. A partir de agora, oscilarão ao sabor das ruas.
Em suma: a partir de agora, será mais e mais comum as manifestações explosivas, de rua, entremeadas por temperaturas elevadas nas redes sociais. Entre uma catarse e outra, as elites aparecerão como autorreferência. Até que um dia as ruas consigam dar o salto para o campo institucional. Neste dia, entraremos numa nova fase da história do sistema de representação formal.
Um comentário:
"...Até que um dia as ruas consigam dar o salto para o campo institucional. Neste dia, entraremos numa nova fase da história do sistema de representação formal." Poucas vezes eu o vi fazer exercício de futurologia. Como deu a deixa... Isso se as forças armadas não resolverem entrar em cena. O Egito está aí para nos lembrar que golpes militares não são coisas do passado.
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