segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rio inaugura escola sem salas, turmas ou séries


Rio inaugura escola sem salas, turmas ou séries




O Rio de Janeiro começa, nas próximas semanas, a experimentar um novo tipo de escola. Nada de séries, salas de aula com carteiras enfileiradas e crianças ordenadamente caminhando pelo espaço comum. A aposta para dar a 180 crianças e jovens da Rocinha uma educação mais alinhada com o século 21 é o Gente, acrônimo para Ginásio Experimental de Novas Tecnologias, na escola Municipal André Urani. O espaço, que acaba de ser totalmente reformulado para comportar a nova proposta, perdeu paredes, lousas, mesas individuais e professores tradicionais e ganhou grandes salões, tablets, “famílias”, times e mentores.
Não houve pré-seleção. Os alunos que farão parte dessa nova metodologia já são os matriculados na escola antes da reforma. Mas agora as antigas séries serão extintas e não haverá mais as salas de aula tradicionais, com espaço para 30 e poucos alunos. Em vez disso, os jovens – que estariam entre o 7o e 9o anos – serão agrupados em equipes de seis membros, chamadas de “famílias”, independentemente de sua série de origem. A formação das famílias ocorrerá em parte por afinidade, a partir da escolha dos próprios membros, e em parte a pelo diagnóstico de habilidades ao qual os alunos se submeterão no início do ano letivo.Essa avaliação, que ocorre assim que eles chegarem ao Gente, pretende fazer um raio-x do estado da aprendizagem de cada um, tanto do ponto de vista do conteúdo tradicional quanto das habilidades não cognitivas, como comunicação, senso crítico, autoria. Cada aluno terá um itinerário de aprendizado pessoal, que funciona como uma espécie de playlist, só que em vez de músicas, estarão os pontos que ele precisa aprender ou desenvolver. Será o jovem o responsável por escolher a forma como o conteúdo lhe será entregue – videoaulas, leituras, atividades individuais ou em grupo. Todas as semanas os alunos serão avaliados na Máquina de Testes, um programa inteligente que propõe questões de diferentes níveis de dificuldade, para garantir a evolução no conteúdo. Quando ele não chegar ao resultado esperado, o jovem receberá uma atenção individualizada.
Tal atenção é de responsabilidade do mentor da família, o professor. Cada mentor será responsável por três famílias, que reunidas serão chamadas de equipe. “O mentor deve dar uma educação mais ampla, preocupada não só com os conteúdos tradicionais, mas com higiene, com aspectos socioemocionais do aluno, com a motivação dele”, diz Rafael Parente, subsecretário de novas tecnologias educacionais da Secretaria Municipal de Educação do Rio, explicando a mudança no papel do professor naquele contexto. Em vez de dar aula de português ou matemática, o mentor vai ajudar o aluno a encontrar a informação de que precisa para entender o conteúdo, mesmo que o assunto não seja o da sua formação.Assim, explica Parente, se um professor de língua portuguesa precisar explicar um assunto mais específico de matemática, ele deve pedir ajuda para membros da família, se sentar com o aluno para assistir à videoaula da Educopedia com ele, tentar aprender junto. “O professor não vai ser mais aquele que transmite o conhecimento. Ele vai ser especialista na arte de aprender”, diz o subsecretário. O grupo de mentores que fará parte do Gente foi treinado para essa nova forma de lecionar.
Todos os dias, ao chegarem à escola, os alunos passarão por um momento de acolhida, em que compartilharão com seus pares experiências e expectativas para o dia. A jornada na escola é integral. Neste tempo, com o auxílio de seu itinerário e a liderança do tutor, cada um deverá decidir o que e em que ordem estudar e poderá, à livre escolha, se juntar a grupos de estudo de língua estrangeira, robótica, esportes, artes, desenvolvimento de blogs. É nesse momento que uma pergunta inevitável aparece: mas se o aluno não quiser fazer nada, ele não vai fazer nada, certo? Mais ou menos. Os mentores, explica Parente, estarão sempre por perto para motivar os alunos a avançarem, as avaliações mostrarão quem está ficando para trás e os integrantes da família – o tal grupo de seis – também deve incentivar uns aos outros. “Quando o aluno é protagonista do próprio aprendizado, faz suas escolhas, ele se envolve mais, se empolga mais com a escola.”
A tecnologia é outro fator importante na forma como o projeto foi organizado. Para que os alunos possam escolher entre ambiente virtual ou presencial, era preciso que todos os alunos tivessem acesso a equipamentos e internet. Por isso, cada aluno terá o seu tablet ou netbook e, quando for pedagigocamente justificável, vai poder levá-lo para casa. Todas as dependências do André Urani terá internet sem fio de alta velocidade.

6 comentários:

Eugenio Raggi disse...

Não sei a respeito de outras disciplinas. Fico imaginando em história, que é o pouco que sei. Perde-se totalmente os debates coletivos, tendo em vista que nas salas estarão alunos estudando temas diversificados(portanto jamais haverá debates motivadores coletivos, com ponto e contraponto, pois um debate sobre sobre o tema X não interessa para quem já estudou esse tema e tb fica vago p/ quem não pretende estudá-lo tão cedo). O processo histórico (principal elo conectivo do ensino da história) vai pras cucuias. Tudo é aparentememnte coletivo, mas no fundo, no fundo, é puro individualismo, já que tudo terá de ser tratado de forma egoistamente particularizada (já que cada um vai poder estudar o que quiser ou ainda que não seja assim, estudará temas totalmente diversos dos outros colegas). É bastante contemporâneo mesmo. É egoísta; destrói a coletividade e finca o pé em um "escolhismo temático" hedonista e perigoso. A mais perfeita tradução de nosso tempo. Vamos que vamos, meu chapa!!

renata penna disse...

caro anônimo,
você se surpreenderia com o espírito de colaboração e parceria que se estabelece entre estudantes e tutores em uma escola democrática. sugiro que visite uma, para falar com mais propriedade sobre o assunto e não disseminar preconceitos tolos.
abs
renata

Eugenio Raggi disse...

Cara Renata, sou professor há 20 anos.
Pelo que entendo, a relação que se estabelece nesse tipo de escola ignora totalmente os debates, espaços e momentos coletivos de aprendizagem.
Cito um exemplo: se cada um estuda um tema (normalmente escolhe a ordem dos temas, muitas vezes começando a construir uma casa pelo teto), como organizar um debate coletivo, cheio de argumentações e contra-argumentaçãoes, reforçando a coletividade, se cada um faz questão de estudar temas diferentes dos seus colegas?
Como funciona a observação coletiva, por exemplo, de um filme, tendo em vista que cada um estuda o que quer na hora que quer? Acredita que um filme visto individualmente em um tablete é mais rico do que aquele visto coletivamente, por toda sala, com impressões instantâneas compartilhadas? (Basta ver que o seu olhar sobre um filme num cinema lotado é totalmente diferente daquele na solidão de seu sofá).
A maior riqueza pedagógica que existe reside na coletividade do aprendizado, todos juntos, estudando as mesmas coisas, aprendendo com os erros e acertos da coletividade. A escola em questão me parece a solidão em meio à multidão, cada um com seu tablet, vendo filmes/videos ou lendo textos sozinho, em duplas ou pequenos grupos, com a perda substancial da grandeza da unidade; de que todos podemos aprender juntos as mesmas coisas, ao mesmo tempo.
Essa escola é sim, individualista. O aprendizado é altamente individualista. Não existe debate, discussões acaloradas, a reprodução das arenas gregas, berço de nosso modelo clássico. Não se aprende junto revolução francesa, não se mobiliza um gigantesco coletivo em torno de um tema: FASCISMO, por exemplo. Não existe o prazer de se ouvir 15, 20, 30 vozes dissonantes em um mesmo debate, fazendo a resenha de um mesmo filme, com toda a riqueza e o enriquecimento que estas experiências podem provocar.
Quando ao 'tablet'... Nada neste planeta é mais representativo do individualismo. Tablet é a síntese da contemporaneidade, telas individuais, olhares individuais, movimentos de dedo individuais. Uma lástima.

Eugenio Raggi disse...

Uma escola que despreza o que existe de mais lindo na educação: O TESTEMUNHO AMOROSO E COLETIVO DO MESTRE, é um retrocesso travestido de inovação. Individualizar é o contrário de educar.

Luiza Gullino disse...

Caro anônimo,
Entendo sua crítica sobre a contemporaneidade e o individualismo exacerbado que vivemos sem mesmo perceber. Concordo com essa visão, no entanto, sugiro que pesquise modelos semelhantes de educação (sugiro a Escola da Ponte, em Portugal), cuja proposta tem um quê de individualismo, no entanto no sentido da singularidade. Esse modelo traz muito do que foi falado por Paulo Freire e Rubem Alves, que criticaram um conhecimento que é passado de forma "bancária", já dizia o primeiro, numa necessidade de depositar no reservatório que seria o aluno os conhecimentos detidos pelo professor, muitas vezes sem considerar o tempo e interesse de cada um. Me parece que o modelo de escola que temos hoje no Brasil visa um conteudismo que tem como fim a boa avaliação da escola no IDEB, ou a aprovação no vestibular, como se ele fosse a única escolha do aluno e o único objetivo da escola.
Acredito que a proposta não caia num exílio egoísta de cada um na medida em que não abandona a idéia de grupos, pelo que entendi, mas foca-se em grupos menores (as tais das famílias), que ainda assim possibilitam trocas e debates, porém de crianças muito mais interessadas pelo tema.

Eugenio Raggi disse...

Cara Luiza: O ensino da Escola da Ponte perde o mais importante do convívio escolar: o debate coletivo (e quanto mais coletivo, divergente, instigante, inflamado, melhor). O estudo da Escola da Ponte é umbilical, silencioso demais, individualista demais. Escolher o tema não significa - Jamais!!!- ter mais interesse por ele. Mesmo pq, na verdade isso é uma hipocrisia. O aluno não escolhe temas, escolhe a ordem em que os estuda ( em história perde-se totalmente a noção de 'processo' qdo essa escolha se faz por simples capricho), pois pelo currículo será obrigado a estudar todos eles para se certificar. É uma grande ilusão. Aliás, esse discurso de que não existe escolha de temas e sim escolha de ordem dos temas ( o que é totalmente insignificante enquanto mudança) eu colhi 'in loco', dos próprios alunos, quando estive em Negrelos. Falta debate, falta calor, falta briga retórica mesmo, discussões envolventes, paixão. Sobra individualismo e panelinhas é o que mais existe, pois os grupinhos se fecham em interesses ultra-particulares. Vc já esteve lá? Foi a grande decepção da minha vida!!!