quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Indústria perde peso, mas não há desindustrialização

Da revista IHU-Unisinos:

Regis Bonelli é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, EUA, e bacharel em Engenharia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Foi diretor de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, diretor executivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e diretor geral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Desde 2008, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia – IBRE, da Fundação Getúlio Vargas - FGV, onde desenvolve trabalhos nas áreas de crescimento e desenvolvimento econômico.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como vem se processando a industrialização brasileira nas duas últimas décadas? Há risco de a economia brasileira ser atingida pela doença holandesa?

Regis Bonelli – A industrialização do país é um processo que está ocorrendo com intensidades variadas desde o fim do século XIX. Depois da primeira crise do petróleo, o governo militar “embarcou” num programa ambicioso de substituição de importações, o qual fez com que a indústria brasileira tivesse um peso no PIB muito superior ao que era justificado pelas condições tecnológicas do país e pela renda per capita. Isso era uma distorção porque a indústria montada ao longo desses anos – que atingiu o auge na década de 70 - era ineficiente, excessivamente protegida e, por causa disso, incapaz de incorporar tecnologia na medida adequada para uma nação ainda pobre tecnologicamente como nós éramos e, ainda, somos.
Esse cenário mudou a partir do final da década de 80, com a ideia de que para incorporar mais tecnologia, melhorar as inovações e ter crescimento industrial era necessário abrir a economia. Isso foi feito antes do governo Collor, em 1988, por meio de uma série de simplificações no sistema de tarifas de alfândegas do Brasil e de proteções não tarifárias. Essas medidas se ampliaram durante o período Collor, quando, infelizmente, a abertura econômica foi aprofundada num momento de recessão da economia. O ano de 1990 foi um desastre; a economia parou e a indústria também teve uma parada súbita, de uma maneira nunca antes vista na história desse país. Essa parada industrial não ocorreu devido à abertura comercial, mas coincidiu porque foi a tentativa de implantar um programa de estabilização para controlar a inflação.
Com isso, a indústria, especialmente no triênio 90, 92, que foi muito recessivo, perdeu peso na economia, colocando-se mais próxima de um padrão internacional. Depois, apesar da estabilização sobre o processo inflacionário, em 95, ocorreram uma série de crises econômicas, começando com a moratória do México no final de 94, que atingiu o Brasil em 95; seguindo com a crise asiática, em 97; a crise da Rússia, em 98; e da Argentina, em 2000. Todas elas tiveram efeito de provocar uma interrupção súbita nos fluxos de recursos para o Brasil. O governo era obrigado a reagir elevando a taxa de juros para defender o Real e evitar que a depreciação cambial se transmitisse integralmente para os preços, o que colocaria em risco o esforço de estabilização da época. Mas o efeito final dessas medidas e dessas crises foi um crescimento industrial menor do que o PIB. Quando acontece isso, a indústria perde participação e algumas pessoas podem achar que há um processo de desindustrialização. É normal que a indústria perca peso à medida que é um setor que produz bens que são mais elásticos em relação à renda. Ou seja, quando há variações negativas de renda, como aconteceu inúmeras vezes nesse período, a produção industrial cai mais do que proporcionalmente. Da mesma forma, quando há recuperação, a produção industrial cresce mais do que o esperado.

Consequências

A instabilidade macroeconômica que o Brasil atravessou por conta de crises externas, pelo fato de estarmos montando o nosso projeto de estabilização entre os anos de 94 e 2002, culminou com o período eleitoral, quando a taxa de câmbio foi às alturas por que os investidores estrangeiros não acreditavam que o governo, que aparentemente seria eleito e, de fato, foi, fosse honrar com os compromissos externos. O Banco Central foi obrigado a elevar os juros para evitar uma debandada de recursos e que a inflação se transmitisse ao país, como de fato se transmitiu, parcialmente, em 2002. Então, todo o período de instabilidade macroeconômico tem como consequência uma perda de peso da indústria por que ela é o setor com elasticidade de renda mais alta em comparação com os demais setores da economia.

IHU On-Line – Essa perda de participação da indústria no PIB não caracteriza, na sua avaliação, um processo de desindustrialização? Isso está relacionado à sua teoria de que há uma tendência mundial de perda de importância da indústria no PIB dos países?

Regis Bonelli – Justamente essa é minha interpretação. Acho que o cenário descrito na resposta anterior não sinaliza uma desindustrialização. Assim também como não sinaliza uma desindustrialização na crise de 2008. Se observarmos os dados do PIB trimestral, veremos que, depois de 2008, a participação da indústria no PIB mergulha em dois trimestres muito rapidamente. Mas, em seguida, cresce fortemente e hoje está crescendo muito. No geral, na minha conclusão, o Brasil se aproximou do padrão internacional característico de países que têm a mesma renda per capita que a nossa, e passou por uma descontinuidade no triênio 90, 92.

Nenhum comentário: