sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A crise dos partidos políticos, por Sérgio Abranches


No Ecopolítica:

(...) O paradoxo é o seguinte: parece haver um elevado grau de insatisfação com o funcionamento da democracia, em toda parte, em qualquer momento; mas nenhuma sociedade ainda apresentou um regime alternativo melhor. Um regime que assegure pelo menos a mesma liberdade que uma democracia madura garante e funcione melhor no conjunto que as democracias existentes. Eu me deparei quase fisicamente, pela primeira vez, com esse paradoxo muitos anos atrás, quando estava na universidade de Notre Dame para um breve período como “senior visiting fellow” do Helen Kellogg Institute for International Studies. Eu era um jovem acadêmico, tinha acabado de obter meu PhD quatro anos antes. Em um grupo que participava do Congresso da International Political Science Association decidimos organizar um seminário sobre democracia comparada: América Latina, Estados Unidos e Europa. Eu escrevi para esse seminário um ensaio com o título: “Nem cidadãos nem seres livres: o dilema político das democracias liberais”. (...) O Brasil vivia a lenta abertura que nos levaria ao final do regime militar. Ainda tinha muitos amigos no exílio. As feridas ainda estavam abertas. Eram memória viva os amigos mortos pela dura repressão do governo autoritário. A sensação de estar livre para falar o que quisesse abertamente, não em reuniões clandestinas, me dava uma sensação enorme de alívio e satisfação. Mas algumas horas discutindo sobre as falhas da democracia dos Estados Unidos no governo Ronald Reagan com seus progressistas, eu pensei: “bem, é muito melhor que a ditadura militar, mas não é suficiente.” Hoje, a democracia do EUA no governo Obama está em um curso muito mais progressista e é mais arejada e transparente do que nos períodos de George W. Bush ou de Reagan. No governo Bush, houve retrocessos claros e perigosos para a democracia no plano local e global. Obama tem uma personalidade política aberta e tolerante, embora seja mais conservador do que se imaginava. Mas não se trata de ser conservador ou progressista, trata-se de ser democrático e tolerante com a diversidade de opiniões e com a oposição. Estive nos Estados Unidos várias vezes desde o 11/9, e o ambiente hoje é de muito menos stress, desconfiança e suspeita. Tenho conhecidos na Alemanha que estão convencidos de que a social democracia não está funcionando lá. Ouvi de britânicos que sabem do que falam que a democracia no Reino Unido é totalmente disfuncional. A atitude da Justiça britânica com Julian Assange, politizando uma que questão exclusivamente civil e penal, é um mau augúrio para a democracia de Westminster. Na Nova Zelândia, mudaram o sistema de voto do modelo inglês para o alemão e continuam insatisfeitos. Os franceses vivem reclamando de sua democracia, desde a Revolução e continuam reclamando. Atualmente a sociedade francesa está novamente “enragée” com seu governo e sua democracia. Pergunte aos italianos sobre a democracia deles, especialmente depois que Berlusconi levou a melhor no parlamento, para se ouvir uma enxurrada de expressões de baixo calão. Ano passado passei alguns meses em Toronto e fui a Montréal. Os canadenses não estão felizes com sua democracia. (...) A insatisfação é com as democracias ou com os governos? A resposta certa é com ambos. Em alguns casos mais com os governos, em outros mais com o regime de governança. Nosso caso. Os problemas com o governo são sempre mais concretos. Têm a ver com gestão da economia, questões locais urgentes, relações internacionais. Os problemas da democracia são mais complexos e alguns mais intangíveis. Mas é fato que a democracia anda em má fase quase em todo lugar. Mas há, também, um problema de obsolescência institucional. A democracia não foi ainda adaptada à nova revolução científica e tecnológica que vivemos – da qual o Facebook e o Wikileaks são filhos legítimos. Ainda não se conformou à globalização, à mudança climática, às novas ondas de migração e um monte de novos temas e processos que serão os fundamentos da história deste século. Adam Przeworski, nascido na Polônia, cidadão do EUA, um acadêmico muito bem sucedido nos Estados Unidos, hoje ensinando ciência política na New York University, estava no seminário de Notre Dame. E, nas discussões, me surpreendeu ao reagir ao meu ensaio dizendo que não entendia como eu não via que o centro do dilema das democracias liberais eram os partidos políticos. Eu é que não compreendia, naquele tempo, como alguém era capaz de pensar em democracia sem partidos. Acreditava que os partidos eram um elemento essencial das democracias e compartilhava a idéia geral de meus colegas brasileiros de que precisavam ser fortalecidos. Hoje não penso mais assim.

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