A quem pertencem os royalties, afinal?
SÉRGIO GOBETTI, ECONOMISTA (IPEA)
A aprovação da emenda do deputado Ibsen Pinheiro redistribuindo os royalties do petróleo por intermédio dos fundos de participação dos Estados e municípios abriu um importante debate: a quem pertencem esses recursos? De um lado, a maioria dos deputados expressou por meio do seu voto o sentimento de que o petróleo, sobretudo aquele extraído do alto-mar, é de todos os brasileiros e, por isso, sua renda deve ser repartida de forma "igualitária" entre todas as unidades da Federação. Por outro lado, o governador do Rio de Janeiro reagiu como se estivesse sendo roubado, já que hoje seu Estado (incluindo municípios) é beneficiário de 75% dos royalties descentralizados. Alegam os governantes do Rio que os royalties devem servir para compensar os Estados produtores e que, portanto, nada mais justo que o governo fluminense receba a maior fatia. Esse argumento poderia ser considerado válido se o petróleo que gera os royalties estivesse sendo produzido nos limites territoriais do Estado do Rio. Mas não é. Mais de 95% do petróleo e do gás brasileiros são oriundos de plataformas localizadas a mais de 100 milhas da costa, de domínio da União.
Por uma peculiaridade da Constituição brasileira em comparação com outras federações, mesmo o petróleo extraído em terra é patrimônio da União, mas nesse caso ao menos podemos falar em Estado e município produtor e em direito a receber uma compensação financeira. Aliás, é interessante assinalar que a Agência Nacional de Petróleo não registra qualquer produção em terras fluminenses. Como é que o Rio de Janeiro conquistou então o direito de receber a maior parcela dos royalties? A Constituição, a mesma que diz ser da União (e não do Rio) todas as jazidas de petróleo, concede o direito à compensação a Estados e municípios, delegando a leis ordinárias a definição da fatia e dos critérios a serem adotados na distribuição descentralizada. Foram essas leis ordinárias que consolidaram um sistema de distribuição dos royalties de mar baseado principalmente no conceito de área de "confrontação" com campos de petróleo, segundo linhas traçadas pelo IBGE para dividir a plataforma continental entre Estados e municípios.
Esse critério de distribuição é um caso raro no mundo e causou espanto e preocupação entre especialistas reunidos em conferência do Banco Mundial, em Washington.
Mesmo em federações descentralizadas, como a canadense, os recursos do petróleo extraído a mais de 10 ou 12 milhas da costa são apenas do governo central. Além de raro, esse critério é irracional do ponto de vista socioeconômico, porque não compensa os Estados e municípios de acordo com os impactos que sofrem da atividade petrolífera, mas com base apenas na sorte geográfica de estar no litoral e possuir um formato de costa que lhe garanta uma área de confrontação generosa.
Talvez a aprovação da emenda Ibsen contribua para que o Senado faça uma discussão técnica mais séria e produza critérios de distribuição mais racionais, bem como regras de transição para viabilizar as mudanças, inclusive na partilha dos atuais royalties sob regime de concessão. O Rio de Janeiro pode até receber uma fatia especial dos recursos, mas não porque o petróleo lhe pertence e nem na proporção atual. Por fim, é preciso considerar que a descentralização das receitas amplia os
riscos econômicos, principalmente em contexto de alta volatilidade dos preços, já que a tendência dos governantes beneficiados por royalties é gastar muito nos anos de bonança e relaxar na arrecadação de impostos. Isso exige que se criem regras especiais que limitem os gastos e forcem a geração de poupança para os anos de queda nos preços de petróleo.
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