Rudá Ricci
1. Minas é nordeste e sudeste
A frase é de Guimarães Rosa: "Minas, são muitas. Porém, poucos são aqueles que conhecem as mil faces das Gerais." Os mineiros gostam muito de repetir, de tempos em tempos, esta constatação. Como se fosse um mantra, um lembrete para incautos.
Uma porção mineira das mais ricas culturalmente, que alguns afirmam que dali nasce o real espírito mineiro, pertence ao semi-árido brasileiro. Esta região foi delimitada pela EMBRAPA em 1991 e é marcada pela caatinga. Embora 86% do semi-árido brasileiro estejam no nordeste, 11% dele estão em Minas Gerais. Ali o tempo tem outro ritmo e, como no nordeste, as populações são fortes, sofridas e festivas. Montes Claros, Monte Azul, Gameleiras, Mamonas, São Francisco, São Romão, Bocaiúva, Januária, São João das Missões, Lontra. São nomes que raramente o centro-sul do país se recorda ou mesmo tenha conhecimento quando pensa nas montanhas de Minas. É uma porção nordestina do sudeste do país, rodeada pelos mercados centrais que vendem variações da farinha de mandioca, carne de sereno e famosas cachaças. O sotaque é nordestino e a pele é curtida pelo sol. Há movimentos culturais desconhecidos até mesmo do grande público mineiro, como o movimento catrumano, que valoriza os geraes (o outro pólo do Estado, aquele não tão popular como o das minas).
Mas existe, ainda, a “Minas Profunda” do Vale do Jequitinhonha, de Turmalina, Leme do Prado, José Gonçalves de Minas, Cristália, Botumirim, Grão Mogol e Berilo. Embora no outro extremo geográfico onde está localizada a mística São Tomé das Letras, sobressaem – assim como lá - as paisagens do realismo fantástico de Juan Rulfo. México e Brasil parecem se unir por ali. Um olhar atento descobre no artesanato local, das flores de Santa Rita às esculturas em barro, ou até mesmo nas colagens, um toque de Frida Kahlo. É desta região que nasceram vários retratos elaborados por Guimarães Rosa. Como o retrato que faz em Sagarana:
“E abria os olhos, de vez em quando, para os currais, de todos os tamanhos, em frente ao casarão da fazenda. Dois ou três deles mexiam, de tanto boi. Alta, sobre a cordilheira de cacundas sinuosas, oscilava a mastreação de chifres. E comprimiam-se os flancos dos mestiços de todas as meias-raças plebéias dos campos gerais, do Urucuia, dos tombadores do Rio Verde, das reservas baianas, das pradarias de Goiás, das estepes do Jequitinhonha, dos pastos soltos do sertão sem fim.”
O olhar está quase sempre colado ao ritmo da paisagem que se move lentamente. Este ritmo é o que faz a política desta região ser outra. Ser mística, lenta, da prosa, dos valores comprovados. O Jequitinhonha lembra aquela parábola que diz que se conhece uma pessoa somente depois de comer um quilo de sal juntos, aos bocadinhos, algumas gramas por dia.
A liderança petista de Patrus Ananias nasce nesta parte norte de Minas Gerais. A aparente timidez e olhar reflexivo são filhos daquele tempo lento. São dali, também, algumas lideranças alimentadas por Aécio Neves, várias muito próximas do perfil de Patrus, outras mais próximas do estilo mais coronelístico dos poderosos da região.
Mas há a outra Minas Gerais, do centro-sul. Que também se distingue na topografia, na cultura e no modo de fazer política. A região metropolitana de Belo Horizonte é a mais cosmopolita do Estado, mais racional e impessoal, mais focada no consumo e velocidade das mudanças que não deixam pó sobre as mesas. Mas estudos revelam que pode ser apenas uma aparência. Betim possui um consumo médio de alimentos que está muito mais próximo da cultura alimentar do interior. Come-se na cidade da produção de carros da FIAT mais carne de porco e acompanhamentos típicos da roça que em Contagem e Belo Horizonte. Estudos sobre custo de cesta básica perceberam a diferença na composição alimentar dessas localidades.
O sul de Minas Gerais é mais paulista e possui uma consciência ecológica admirável. A Zona da Mata é mais carioca e é comum ouvir de um morador que seu time é o Vasco ou Flamengo e que Belo Horizonte mais parece uma “roça grande”. O Triângulo Mineiro é mais goiano ou “country”, aproximando-se da lógica de Ribeirão Preto. No triângulo come-se arroz de suam e ouve-se música sertaneja.
O centro-sul está irremediavelmente no circuito do capital e do consumo de massas. O turismo por esta região é pensado em escala, com hotéis organizados para receber um alto fluxo de pacotes voltados para a terceira idade. Já na região metropolitana de Belo Horizonte o turismo é de negócios.
Obviamente que aqui a identidade com lideranças políticas mais jovens e dinâmicas, mais técnicas e focadas no desenvolvimento e na racionalidade administrativa é mais forte que ao norte. Esta é a terra de Fernando Pimentel e de Aécio Neves.
Há outras Minas. Mas já há elementos suficientes para analisarmos o desafio de ser liderança neste Estado multifacetado. Um Estado cortado ao meio, meio nordestino, rural, místico, curtido, focado na moral e tradição; mas também meio sul maravilha, acelerado, consumista, cosmopolita, focado na estética.
2. O labirinto percorrido por uma liderança mineira
A montagem de um discurso hegemônico em Minas Gerais exige fôlego e percepção. Deve-se ter cuidado, antes de mais nada, porque um pequeno desequilíbrio de postura ou do discurso pode provocar a rejeição de parcela importante da identidade cultural de parte dos mineiros. Ser liderança em Minas é construir-se no equilíbrio refletido e pensado permanentemente, falando para cada região e para suas peculiaridades, interesses, desejos e desconfianças. Por este motivo, a liderança política mineira é cuidadosa e acaba por se envolver nesta lógica da desconfiança. Um dos provérbios populares deste Estado é que mineiro perdoa, mas nunca esquece.
A engenharia política para sustentar uma liderança é pautada por dois caminhos mais comuns. O primeiro é transitar entre a modernidade e a tradição. Dizem que um líder mineiro tem que ter boas relações com a igreja católica e com a maçonaria, mais que em qualquer outra localidade do país.
O segundo caminho é o da montagem de um mosaico de lideranças regionais que se reportam à liderança estadual. Como se a liderança estadual fosse resultado desta trama, o que o obriga a ser fiel às diferenças que o sustentam.
Toda liderança mineira que procurou fugir desta complexa engenharia, caso de Itamar Franco, teve seus dias de glória contados e não conseguiu alçar vôos sustentados.
PT (de Fernando Pimentel e Patrus Ananias), PMDB e PSDB (de Aécio Neves) não são hegemônicos em Minas Gerais por sorte. Souberam articular as diversas Minas Gerais ou acolheram as diferenças num certo “equilíbrio dinâmico”.
Daí porque Fernando Pimentel e Patrus Ananias apontarem para um armistício que os tira da disputa à sucessão de Aécio Neves. E daí porque Aécio Neves não deixar-se picar pela mosca azul e reconstruir seus laços no interior de Minas Gerais. Porque para mineiro se lançar às disputas maiores precisa fortalecer suas raízes neste Estado que mais parece uma pequena nação.
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