segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pensar Outramente, de Touraine


Estou lendo o livro que Touraine lançou na França em 2007 (Pense autrement, Librairie Arthème Fayard), lançado agora pela Vozes. Ele aprofunda algumas preocupações que delineou no "Poderemos Viver Juntos?".
Vou reproduzir algumas passagens:

"Precisamos abandonar um evolucionismo desgastado. Estávamos convencidos de estar passando da comunidae para a sociedade, ou seja, da definição do indivíduo por aquilo que ele é para outra definição fundada naquilo que ele faz. No entanto, separamo-nos em direções opostas, e o espírito comunitário, sob suas mais variadas expressões, desde as mais positivas até as mais execráveis, ressurge em toda parte. Os aparatos sociais e culturais já não conseguem mais enquadrar todos os aspectos da experiência vivida."

"(...) a letigimidade e a definição do bem e do mal não procedem mais das instituições, sejam elas leigas ou religiosas. Por toda a parte e sob as mais variadas formas, o que mais se deseja é o reconhecimento do indivíduo e do grupo como portadores de direito de serem reconhecidos e respeitados, independentemente das leis e normas filtradas pelas instituições. Esta exigência geralmente assume um aspecto comunitarista (...)"

"Esta transformação de uma consciência de si que se torna mais forte do que a consciência das regras, das normas, bem como das exigências dos sistemas dentro dos quais vivemos e agimos (...)"

Faz coro ao que recentemente postei neste blog, sob uma possível crise do papel das instituições como cimento das relações entre indivíduos. Touraine, em minha opinião, retoma os estudos clássicos da sociologia francesa, de Comte e Durkheim. Eles se perguntavam o mesmo sobre o futuro das instituições modernas (sobre o fim da religião e da família como instituições reprodutoras de valores morais unificadores).
Este é o tema do século XXI, com suas estruturas em rede, com relações fluidas e erráticas, com mil possibilidades virtuais e poucas reais, com mobilidade social acelerada, enfim, com o risco e aceleração do ciclo de vida (e morte) das relações sociais sendo a marca de nosso tempo.
As pesquisas que venho postando neste blog revelam uma juventude que já não se vincula à hierarquias e sentido de autoridade. São mônadas, mas que não chegam a ser autistas sociais, justamente porque se relacionam a partir de comunidades que se desmancham no ar na mesma velocidade que surgiram.
O problema é que Touraine cai sempre na mesma solução: o ressurgimento do sujeito. Me pergunto se este conceito não é datado, que mantém funcionalidade societária (justamente a sociedade que Touraine avalia que se esvai).

3 comentários:

GS disse...

Professor Rudá, parece que o que já fôra se perdeu em algum lugar da história, e devemos: ou construir um novo modelo, ou resgatar as âncoras ventiladas pelos sociólogos mencionados no seu texto. Mas aqui, é que penso ser complicado. Se não vejamos.
As igrejas perderam espaço, tendo sido transformadas em museus. Vencida pela força do discurso científico, ou por terem as pessoas se cansado da fala de uma instituição tão velha – que sobreviveu a Roma – mas não teve força para suplantar a modernidade?
A outra instituição é a família, mas essa foi engolida pelo hedonismo individualista da sociedade ocidental. Parece-me, desgastada em concomitância com a própria falência da igreja.
Então, professor Rudá, tenho provocado a troca por ser professor do ensino fundamental, e estar à deriva, juntamente com os meus colegas, uma vez que os educandos tem podido tudo, sem com que tenhamos autoridade sobre eles, que tem provocado em nosso grupo de trabalho uma grande frustração, já que tentamos várias estratégias para contornar a situação, e o resultado tem sido muito decepcionante.

A coisa tem potência demais!!!

Rudá Ricci disse...

O problema é que se as instituições modernas entraram em crise profunda de representatividade, a escola passa a ter outro perfil (mais comumitário) e função (de socialização). Mas os educadores nem querem pensar nesta hipótese, com algumas exceções. Viajo pelo país discutindo esta necessária mudança, e percebo certo ressentimento e irritação dos educadores em relação às suas novas tarefas. Algo como: "já ganho pouco, não fui formado para isto, e ainda tenho esta responsabilidade?"

GS disse...

Se a igreja e a família falharam – por enquanto? – como instituições propiciadoras das regras de convívio social, sobrou para a escola tal papel. Ocorre, como bem apontado pelo professor, que até nesse âmbito as coisas não tem ido bem. Quero dizer, pelo ao menos na escola pública, uma vez que não posso dizer das instituições particulares, uma vez que não desenvolvo trabalho nelas.

Pois bem, professor Rudá, tendo isso exposto, gostaria de provocá-lo em pelo ao menos uma questão.
A saber: Se estamos pegando um bastão, passado pela igreja e família, para terminarmos essa prova, não seria justo, no mínimo, que exigíssemos uma remuneração justa?

Eu até compreendo que a minha profissão tem muito, nesse momento, de algo que deve ser realizado com algum desprendimento. Mas, convenhamos, não deve ser um sacerdócio, não é mesmo? Desta forma, e da maneira como percebo, é pedir demais ao professor que realize papel de família, sem ao menos ter o mínimo de autoridade sobre seus filhos – fora as outras implicações que não cabem aqui.

Professor, vou lhe confessar um detalhe. No início do ano o senhor participou de uma conferência sobre educação na Assembléia Legislativa – penso que sobre o Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais – e uma de suas falas foi sobre um projeto que o Instituto Cultiva desenvolve em algumas cidades. Qual seja, o de trabalhar o resgate das famílias junto às escolas.

A partir desse daí eu tive o impulso de fazer uma adaptação da sua idéia, trazendo para o universo da minha escola, e da realidade da falta de apoio da secretaria de educação a qual eu presto serviço. Eu, e meus colegas, bolamos então um trabalho e ele foi realizado pelos alunos. Consistiu da observação dos bairros que eles moram. Foram levantandos dados sobre saneamento, lazer, iluminação, etc, e os trabalhos foram expostos numa feira de cultura, e os pais foram convidados a comparecer. O intuito final é um documento contendo os apontamentos feitos pelos educandos, e que - pretendemos - será entregue à autoridade competente.

O que virá na cabeça de cada um deles? O devir dirá!

Obrigado pela interlocução,
Guilherme Nobre Souto