domingo, 29 de março de 2009

O erro do professor José de Souza Martins


O professor José de Souza Martins (na foto), da USP, por quem tenho uma grande admiração, publica, hoje, no jornal Estado de São Paulo um artigo intitulado "A Educação em Transe". Li e lamentei profundamente. É difícil admitir discordância com quem se admira. Mas há equívocos enormes neste artigo e que jogam água no moinho do conservadorismo educacional que acometeu nosso país. Vou destacar os principais erros, na minha avaliação:
1) O artigo afirma que o ENEM é uma política de primeiro mundo para o terceiro mundo. Ledo engano. Trata-se de superar uma política de quinto mundo por uma adequada pedagogicamente. Quem elaborou a proposta técnica do ENEM foi Nilson José Machado, matemático e que foi coordenador do pós-graduação em educação da USP (talvez ainda seja), baseado nos estudos do Projeto Zero coordenado por Gardner. Nilson José Machado é o maior especialista brasileiro neste tema. O ENEM foi muito estudado e elaborado com muito apuro. Como sabemos, não existe pessoas mais inteligentes ou menos inteligentes (como Skinner sugeria), mas com estímulos mais adequados (o que Lev Vygotsky denominava de “zona de aprendizagem proximal”). O ENEM trabalha este princípio: o de desenvolvimento da inteligência;
2) A facilitação e redução da política educacional não vêm da proposta de mudança do vestibular, preconizado pelo ministro Fernando Haddad, como o artigo sugere. Vêm, no momento, da certificação de professores, esta proposta rebaixada do governo José Serra e de outros governos estaduais. O ENEM eleva o nível e acaba com este erro grosseiro e anti-ético de vestibular por universidade (e não como um projeto de sociedade);
3) O artigo sugere que o impacto do ENEM será sentido de maneira desigual nas escolas, o que é óbvio. Mas, desta maneira, nem todos alunos poderiam assistir as aulas do professor José de Souza Martins, já que o impacto seria muito distinto. Contudo, isto não ocorreu. Pelo contrário: suas aulas estimularam seus alunos. A educação não cria estímulos imediatos. Os cálculos internacionais sugerem que uma mudança na área demanda dez anos para gerar resultados. Não entendo qual seria o problema de se gerar impactos distintos. Este é o papel da educação, afinal;
4) O artigo afirma que o ingresso imediato (o que não ocorrerá tão cedo) geraria, assim mesmo, seleção. É verdade. O dado oficial brasileiro é que de cada 1.000 alunos que ingressam na primeira série, apenas 25 ingressam na universidade e apenas 12 se formam. Daí o erro e populismo do sistema de cotas. Mas este problema seria resolvido com uma política de qualidade para a educação infantil e ensino fundamental. Qual o problema para se adotar o ENEM no processo de seleção? Uma política não exclui a outra. Fico preocupado em afirmarmos que por falta do ótimo o melhor é o péssimo. Mas há o bom entre os dois, não? Eu prefiro um processo de seleção mais adequado pedagogicamente, que crie um impacto saudável no projeto educacional do ensino médio (hoje, pressionado para memorizar conteúdos desnecessários e crescentes em seus alunos) que ficar com este processo de seleção inadequado e extremamente injusto, sem qualquer fundamento pedagógico;
5) O artigo afirma que o vestibular é um filtro de competências. Esta é uma afirmação sem qualquer fundamento concreto. Não há um único estudo que ateste isto. Pelo contrário. O vestibular não testa competências (o que o ENEM faz), mas memorização. Poderia até caminhar para isto, se fosse cumulativo, ou seja, se aplicássemos exames ao final de cada ano do ensino médio (1º, 2º e 3º anos), mas não é isto que ocorre;
6) O erro mais grave do artigo é afirmar que os cursinhos preparatórios são pronto-socorros. Tais cursinhos são baseados em pareamentos e reflexo condicionado. Temos estudos que revelam que os primeiros colocados nos vestibulares, que estudaram nesses cursinhos, esquecem mais de 60% do que estudaram, pouco mais de cinco meses após o exame. Isto é educação? Não. Trata-se de adestramento, como sugeria Pavlov;

Artigos com tal conteúdo impedem propostas adequadas para a educação brasileira porque se fundamentam no conservadorismo. Não toleram mudanças ou ousadias. Mesmo admitindo ser boas mudanças, avaliam que se tratam de proposta de Primeiro Mundo para o Terceiro Mundo (seja lá o que isto significar). Está mais que na hora de uma ofensiva ousada e consistente para novo ciclo de reformas educacionais.

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