sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Marina: "Eu já sabia"

O artigo abaixo está publicado originalmente na Folha de hoje.
Marina brinca com seu destino, já que escreveu antes da decisão do TSE.
O que me salta aos olhos são dois argumentos centrais: a certeza que sua Rede representa o novo e a esperança jovem do país e, mais uma vez, a certeza plácida, comedida, de ser vítima de grandes interesses que estariam na linha de fogo se o partido competisse em 2014.
Gaudêncio Torquato fez uma enquete sem fins estatísticos com dez formadores de opinião (publicou no seu último Porandubas, o de número 373). Perguntou se Marina teria condições de governar, caso fosse vitoriosa em 2014. A resposta foi a mesma que ouvíamos em 1989, durante a campanha de Lula: oito disseram que não e dois responderam que teria de mudar a personalidade.
Não sei, não. Marina oscila. Tem algo de adolescente, de onde vem sua aura de pureza. Para atingir um objetivo maior, cede em demasia.
Logo após as manifestações de junho, os organizadores da Rede em MG me convidaram para fazer uma análise do panorama político, na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Vou repetir duas observações que fiz naquele dia e que me pareceu convencer os participantes.
Primeiro, a Rede, para fazer jus ao nome, teria que superar a lógica burocrática dos partidos, aquela centralizada e comandada por um líder que subjuga os comandados. O problema, eu destacava, é que Marina estava utilizando pastores evangélicos para coletar assinaturas junto aos seus cordeiros. Ora, nada mais tradicional e clientelista que isto.
Segundo, os sonháticos teriam que fazer a dura opção: fundar o partido para disputar as eleições de 2014 ou criar uma nova cultura política. Não daria para fazer os dois neste ano. A corrida para criar o partido até ontem seria insana e jogaria o discurso e ideário para o espaço. Teria, depois, que fazer concessões agudas para ter tempo de televisão e apoio mínimo para produzir logística. Inevitavelmente, esqueceria de falar ao seu público interno e seus apoiadores. Conversaria mais com os tubarões da política que com a base. Deixaria de lado a "atualização de todo sistema político" que Marina cita no artigo abaixo porque o fortaleceria para ter o doce. O doce, sabemos, gera desejos inconfessos, embora tenhamos clareza da necessidade de controlar esta ansiedade de consumo. O doce, para quem quer o novo, é um fetiche.
É isto que parece faltar em Marina: o equilíbrio e maturidade de um Gandhi.
Ela não controla a pulsão. Define um objetivo e se arrisca a tal ponto que a vida se resume a este foco. Não constrói alternativas. Na prática, não cria e acaba na mesmice. E, enfim, não consegue construir um planejamento de longo prazo. Como adolescentes, seu campo de visão parece curto. Resta se vitimizar. Ou criar uma fuga para o futuro, um discurso mágico que se apóia em algo que dificilmente se realizará. Como uma pessoa que conheci na juventude que vivia afirmando que viajaria para os lugares mais exóticos e distantes do planeta. Nunca saiu do Brasil. Nem mesmo da região sudeste.


Eu já sabia

Marina Silva
É claro que o título acima é uma brincadeira. Escrevo antes da sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que vai julgar o pedido de registro da Rede e não posso antecipar o resultado, embora mantenha viva e forte minha confiança na Justiça.
A Rede é uma realidade e já contribui para a ampliação e o aprofundamento da democracia no Brasil. Em primeiro lugar, porque oferece um espaço de reencantamento com a política para uma vasta parcela da população que se mantinha afastada, profundamente decepcionada com os partidos, discursos e práticas dominantes.
A Rede abre uma porta especialmente para a juventude. Oferece aos jovens uma possibilidade de expressão, ação e elaboração de novos ideais e projetos identificatórios. Isso é de uma importância incalculável, uma estreita ponte para um futuro possível.
Mesmo enfrentando a resistência de quem quer manter o "status quo" a qualquer custo, a Rede cria uma agenda estratégica para o país e inscreve o debate sobre a sustentabilidade em sua página central. Questiona os falsos consensos sobre produção e consumo, energia, infraestrutura e todos os elementos de uma ideia de progresso que herdamos do século passado e que já chegou ao seu limite.
E até nas dificuldades para se institucionalizar, a Rede denuncia os limites do sistema jurídico e político do país e abre a possibilidade de mudanças. Invertendo a prática comum dos partidos, de primeiro se registrarem para depois buscarem representatividade social, a Rede surge como movimento social amplo e profundo e é sintomático que passe apertadíssima nas estreitas aberturas do sistema político hoje existente (em que organizações artificiais, diga-se de passagem, passam com folga).
A Rede, enfim, já nasce cumprindo seu destino: democratizar a democracia.
Mas, para tornar séria a brincadeira do início, disso tudo eu já sabia. E é essa certeza que quero compartilhar: o encontro do Brasil com os limites e fragilidades de sua democracia, sua superação e fortalecimento, é uma hora da verdade que não pode ser evitada. Sem a atualização de todo o seu sistema político, sem sua passagem ao século 21, o Brasil corre o risco de uma entropia que desfaça todos os avanços que obteve desde o fim da ditadura.
De nada adianta criar obstáculos e dificuldades, os organismos vivos de um novo tempo já surgem para substituir as estruturas que se fossilizaram com o tempo. Como dizíamos em nossa juventude, mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera.
Há quanto tempo sabemos disso, não é mesmo?

2 comentários:

UNISOCIAL disse...

Vejo a Rede como aquele bebê que nasce prematuro, com dificuldades vitais e precisa ser colocado na incubadora. Tendo que enfrentar as vicissitudes da vida, já no seu limiar. Depois, se restabelece e cresce com toda força intensa e desenvoltura equilibrada; magnífico...

GB Musicas disse...

Assim com os decepcionantes partidos; um dia tiveram que nascer, brotar. Assim como os escandalosos famintos pelo status quo construíram alianças e se fizeram hoje o que são. A diferença é que chearam a um estado de êxtase total que não dá mais para continuar. Por isso acredito mais no "Saída" do que na "Reentrada". Vamos Rede Sustentabilidade, pois como disse a nossa futura presidenta "mesmo que matem milhares de flores não poderão impedir a chegada da primavera."