Violência na rua espelha fracasso do poder público
“Nenhum governante propôs canal efetivo de participação em mesas de negociação”
PUBLICADO EM 12/10/13 - 23h30
Apesar de foco, metodologia e organizadores muito diferentes, as manifestações populares que o país tem vivido nas últimas semanas estão intimamente relacionadas ao fenômeno que tomou o país em junho deste ano. A partir dele, diversos grupos perceberam que têm demandas específicas a serem cobradas das autoridades e enxergaram as mobilizações como forma eficiente de pressão.
Se, no ano passado, havia uma certa repulsa das camadas médias da população brasileira pelos protestos que iam às ruas, esse quadro mudou drasticamente do meio do ano para cá. “Em 2012, foi divulgada uma pesquisa apontando que cerca de 80% da classe C era contra as manifestações de rua. Hoje, uma assembleia de professores municipais consegue reunir mais de 12 mil pessoas, como vimos no Rio de Janeiro”, analisa o sociólogo Rudá Ricci.
Uma das diferenças fundamentais entre os dois momentos é o papel da violência nos atos. “As manifestações violentas se espalham por todo o país porque nenhum governante propôs um canal efetivo de participação dos manifestantes em mesas de negociação. Muitas pessoas que eram contra a violência no início, agora já se mostram a favor”, analisa Rudá, que está finalizando um livro sobre os protestos de 2013, baseado em observações e entrevistas com agitadores políticos de Belo Horizonte.
A forte repressão do Estado também contribui para a reação violenta da população. “Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a população está vendo sua vida ser afetada por rápidas mudanças e não está satisfeita. Para lidar com o descontentamento, o governo estadual lança mão de um mecanismo que tem se aperfeiçoado: a repressão. O instrumento de diálogo é ‘pau’. Mas quanto mais a polícia é violenta, mais as pessoas vão para a rua”, explica o antropólogo Lenin Pires, coordenador do bacharelado em Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O estudante Gladson Reis, membro do Comitê Popular dos Atingidos Pela Copa (Copac), concorda. “As ações radicais são consequência do Estado violento que nós temos. Acredito que a violência é fruto da indignação da juventude e de trabalhadores, é fruto da falta de sensibilidade do Estado em negociar, em discutir.”
Black blocs. O que parece destruição pura e simples tem, por trás, um conceito. Os Black Blocs são adeptos de uma filosofia chamada de “ação direta”, que consiste em destruir as estruturas de poder com as próprias mãos. Assim, atacam bancos e órgãos públicos e se defendem dos ataques da polícia, mas não partem para a agressão direta a pessoas. É diferente de quem vai para as manifestações com o objetivo de se confrontar diretamente com a polícia, motivado, talvez, por uma revolta pela postura das corporações.
Mesmo reconhecendo os conceitos por trás dos Black Blocs, especialistas se posicionam contrariamente. “A violência só foi legitimada como forma de manifestação popular em situações de tirania e opressão popular. Como não estamos vivendo nenhuma delas, na minha opinião, é desnecessária”, afirma Rudá. “Por mais que seja uma resistência valorosa, a tática não é capaz de desenvolver um potencial teórico que sirva de referência. Se é resistir só para resistir, não vejo com muita simpatia”, concorda Pires.
Tendência. Mesmo com o arrefecimento das grandes mobilizações populares depois do fim da Copa das Confederações, especialistas e agitadores políticos não acham que os movimentos estão enfraquecendo. Ao contrário. “Nós, do Copac, participamos de várias articulações para organizar as próximas manifestações, no ano que vem, e garantir a elas um caráter nacional”, revela Reis.
Rudá aponta ainda que pequenas ações pontuais têm explodido em várias partes do país. Um reflexo, segundo ele, de que o movimento não perdeu força. “Em BH, tivemos protesto dos lixeiros da região metropolitana, temos visto populações se mobilizando por passarelas e outros exemplos”. (Com Litza Mattos)
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