Lembrei das ações de protesto contra a construção de hidrelétricas que, no início, eram ignoradas por governos e órgãos internacionais. Aos poucos, os protestos foram repercutindo e governos tiveram que recuar. Até hoje, tenho certeza, não sabem de onde veio o canto do galo.
Esses técnicos entendem muito pouco de ser humano. Quando fui consultor em estudos para impactos ambientais e sociais na construção de hidrelétricas, tive um estranho contato com um presidente de uma concessionária estadual. Ele, aos berros, queria saber por qual motivo várias comunidades que seriam desalojadas um ano mais tarde tinham parado de trabalhar. Desesperava imaginar que seria responsabilizado pela "greve de fome" que faziam. Eu e um batalhão de pesquisadores fomos à campo. Fizemos várias pesquisas em profundidade. Eu fui contemplado com a revelação. Um senhor, descendente de poloneses, líder da comunidade, durante dias conversou comigo num terreiro atrás de sua casa. Levei, de cara, um banho de etiqueta quando perguntei para que serviam os dois baldes cheios de água que ficavam dos dois lados da porta de entrada. Ele me explicou que eram para lavar as botas cheias de barro (a sorte é que perguntei antes de entrar).
Este senhor me explicou que Zé Maria (o líder da Guerra do Contestado) já havia explicado que o mundo iria acabar, mas antes, Deus enviaria dois avisos. O primeiro, cobras negras gigantes se insinuariam pelo chão. Depois, teias de aranhas gigantes coalhariam os céus. Pasmo, perguntei onde estavam as cobras e as teias. E ele apontou para o asfalto fresco lá no topo do morro (as "cobras negras") e para os fios de eletricidade que eram desenrolados dos carretéis gigantes (as "teias"). Com os dois avisos, os agricultores tinham a certeza que o reservatório não seria apenas um lago, mas um verdadeiro Dilúvio. Para que continuarem trabalhando se Deus já havia definido seu destino?
Fizemos um relatório e explicamos ao engenheiro presidente da concessionária que se tratava de crença religiosa e que o diálogo teria que ser outro. O engenheiro presidente esperneava e chamava a todos de gente ignorante. Não cabia na sua crença cartesiana um mundo não racional.
Não fez o que sugerimos e deu tudo errado. Na construção da hidrelétrica seguinte, parecia ter aprendido a lição. Cá entre nós: acho que nunca aprendeu de fato. Reagiu meio que mecanicamente aos fatos que não entravam na sua cabeça. Se tivesse aprendido, não teria continuado a construir seus brinquedos hidrelétricos.
Este é o resumo do que acho da FIFA e de vários órgãos de imprensa que cobrem este imbróglio da Copa de 2014. Sei não. Acho que vão começar a gritar quando perceberem que o grito "Aqui não vai ter Copa" começar a se espalhar pelo país. Aí, Inês já estará morta.
Fifa acuada em debate sobre a Copa
Camila Nobrega e Rogério Daflon
Do Canal Ibase
Do Canal Ibase
Na plateia, dois funcionários da Fifa, vestidos como executivos. Projetados num quadro à frente, dados sobre o número de pessoas removidas na cidade do Rio – 50 mil – em função dos megaeventos. Esse cenário se completou ontem (17/10) com a presença do jornalista inglês Andrew Jennings (aquele que provocou a renúncia de Ricardo Teixeira, mandachuva do futebol internacional e da CBF), cuja palestra foi anunciada como “Jogo Sujo: Venha conhecer a Famiglia Fifa”. Sob pressão, os dois se comprometeram a marcar um encontro da Fifa com representantes da sociedade civil brasileira em breve, a fim de ouvir as violações aos direitos humanos que vêm sendo denunciadas nos protestos.
Antes, a dupla escutou as considerações do professor Carlos Vainer, do Ippur/UFRJ, e Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, nada simpáticas à associação. Andrew radicalizou o discurso, fazendo afirmações sobre a corrupção de cartolas da entidade e perguntando aos representantes do órgão se eles concordavam com a expulsão dele da sede da Fifa, em Lousanne, na Suíça:
- Se vocês concordam, por favor levantem os braços.
Os dois se entreolharam e não se mexeram. Nesse momento, os presentes no auditório no Sindicato dos Jornalistas, no Centro do Rio, começaram a gritar “Fora, Fifa”. Ao perceber que os dois nada entendiam, traduziram: “Fifa, Go Home”.
Os dois funcionários da Fifa pediram a palavra. O clima esquentou. Alguns momentos vão entrar para a história. Diretor de comunicação da Fifa, Alexander Koch, a certa altura, pegou o microfone e perguntou:
- Vocês acham mesmo que os brasileiros querem tirar a Copa do país?
O coro unânime caprichou na pronúncia com um sonoro “Yessssssssssss”, que se seguiu pelo de “não vai ter Copa, não vai ter Copa”. Foi quando Koch percebeu onde havia se metido.
O executivo quis então dissociar as ações da Fifa das do governo brasileiro. Afirmou que não concorda com remoções de famílias. Mas, segundo ele, a entidade não tem como controlar isso.
- Cada governo resolve como vai fazer a Copa. Não temos como interferir nisso – disse Koch, que, junto com mais um funcionário, avisou à direção do sindicato, por volta das 17h, que iria participar do debate que começaria às 19h.
Parecendo ainda alheio a alguns acontecimentos mais recentes no Rio de Janeiro, ele afirmou, porém, que a remoção de pessoas para a Copa do Mundo na África do Sul repercutiu mal para o órgão internacional:
- Removiam as pessoas para quilômetros de distância de suas casas. Era péssimo para nós – disse ele, encurralado por jornalistas já dentro do elevador, para ir embora, sem fazer referência, no entanto, à repetição da situação no Rio. (Veja aqui vídeo do momento)
O professor do Ippur/ UFRJ Carlos Vainer havia discursado logo antes, apresentando dados sobre a retirada de famílias de seus locais de origem, para dar lugar a obras de infraestrutura para os megaeventos. Ele também fez uma dura crítica à repressão de manifestantes que estão denunciando a violação de direitos humanos na cidade do Rio:
- Na ditadura militar, foram removidas cerca de 25 mil pessoas. Agora estamos falando de mais de 50 mil. E ainda criminalizam o direito de manifestação política. A democracia terá que ser conquistada na luta e nas ruas.
Em determinado momento, Vainer se irritou com os representantes da Fifa, que insistiam em afirmar que, segundo pesquisas, a Copa será benéfica para a maioria dos brasileiros. Logo, as pessoas ali presentes representariam uma minoria.
- Minoria são vocês no nosso país – retrucou o professor.
A partir daí, uma intensa sabatina começou. Perguntas como “Por que nos impuseram a Lei Geral da Copa?”; “Qual será o lucro da Fifa com o evento no Brasil”; “O que vocês estão achando das manifestações?” deram o tom e tiveram respostas surpreendentes. Sobre a lei, eles disseram que não sabiam do que se tratava. Na segunda, a resposta foi: US$ 2,1 bilhões, a serem revertidos a Copas do Mundo de categorias de base. Na última, saíram pela tangente dizendo que são a favor dos protestos pacíficos.
Ficou acertado, então, que o pedido de uma reunião aberta da sociedade civil brasileira com a Fifa seria levado ao alto escalão da entidade. A plateia queria mais. O pedido era que ali fosse firmado um compromisso: com violência e remoções, não haverá Copa. Não aconteceu.
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