quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Saldo das manifestações de ontem


A notícia:

Mais de 200 presos no Rio de Janeiro. Mais de 50 em São Paulo.
Manifestações em Brasília, concentração em Belo Horizonte. Em Curitiba, 40 manifestantes ligados à Frente de Luta pelo Transporte de Curitiba ocuparam a Câmara Municipal, exigindo a redução da tarifa de ônibus. Exigem, ainda, a anulação da licitação do transporte público da capital paranaense, sob suspeição, segundo relatório do Tribunal de Contas do Paraná.
No RJ, Rodrigo Gonçalves Azoubel, de 18 anos, foi baleado no braço e passou por cirurgia, na Clínica São Vicente. A PM carioca utilizou armas letais para enfrentar os manifestantes. A Folha de SPaulo presenciou dois policiais dispararem tiros para o alto na Cinelândia. Um deles, cercado por manifestantes, deu seis tiros na rua Araújo Porto Alegre. Jair Seixas Rodrigues foi preso e levado para o complexo penitenciário de Bangu, acusado de integrante de organização criminosa (os policiais afirmam que já tinha passagem pela política por formação de quadrilha, resistência à prisão, lesão corporal e desobediência durante outros protestos). Um grupo, identificado pelo jornal como Black Bloc, gritava "sem hipocrisia, essa PM mata todo dia" e "não estudou, tem que estudar, pra não virar Polícia Militar" ou, ainda, "au au au, cachorinho do Cabral".
Na capital fluminense ocorreram três ondas de protestos. A primeira, organizada pelo sindicato estadual dos profissionais de educação do RJ (SEPE), que envolveu 5 mil pessoas. Dias antes, a direção do sindicato e integrantes do Black Bloc trocaram mensagens públicas de apoio recíproco. Nas redes sociais, o Anonymous RJ fazia chamadas para a manifestação e 90 mil pessoas confirmaram presença.
A segunda onda surgiu após o fim da manifestação organizada pelo SETE, às 20h00. O conflito ficou aberto.
Finalmente, por volta das 22h00, vários manifestantes, jovens, tentaram ocupar a Cinelândia e postaram faixas com os dizeres: "Ocupa Câmara RJ".
Em São Paulo, a região oeste da capital paulista virou um campo de guerra. Um ato organizado por estudantes da USP teve início às 17h00 no Largo da Batata (região de Pinheiros, próximo à USP). Os estudantes ocuparam a reitoria da USP e exigem eleição direta do reitor da universidade. Aos poucos, a manifestação foi adensando e conflitos com a PM tiveram início às 19h30. A região oeste teve bancos depredados e algumas lojas invadidas.

Minha análise:

1) A violência já foi incorporada como elemento constitutivo das manifestações públicas desde julho deste ano;
2) A ausência de diálogo ou negociação consistente das autoridades públicas (incluindo parlamentares) com manifestantes de junho legitimou o discurso que sustenta que nosso sistema político ignora os cidadãos e não representa ninguém. Nas redes sociais a legitimação de atos de confrontação e violência foi se multiplicando;
3) O apoio do SEPE ao Black Bloc é apenas o primeiro sinal público do que já ocorria nos bastidores. Está em curso um processo de aliança de militantes da ação direta e segmentos da esquerda tradicional;
4) Black Bloc não é uma organização, mas uma tática internacional que envolve anarquistas inspirados no autonomismo alemão e incorporado por diversas correntes anarquistas dos EUA, em especial, a vertente insurgencial;
5) O ideário anarquista emergiu de junho para cá. São muitas vertentes, desde anarcopunks e harcore, veganos e especifistas. Intervenções públicas - ocupação de espaços vazios (como prédios e viadutos), shows espontâneos, troca de objetos e piqueniques - se multiplicam pelos centros urbanos envolvendo jovens de classe média e periferia. O conflito aberto e a autogestão de espaços públicos são elementos centrais desta prática juvenil que parece ter atraído parte da juventude filiada até mesmo em partidos de esquerda de tradição leninista ou trotskista, mesmo revelando um contrasenso;
6) Nos atos de depredação há diferenças entre as ações anarquistas e aquelas não anarquistas (alguns espontâneas, de jovens da periferia revoltados com o tratamento da PM e dos órgãos públicos, outros, nem tanto). A grande imprensa não consegue informar corretamente e joga o bebe com a água do banho. Desta maneira, não se percebe que a solução para parte deste conflito aberto em meio à persistente escalada de manifestações e protestos urbanos não é exatamente a policial;
7) O despreparo dos políticos profissionais parece evidente. A maioria se cala. Não fazem seu papel, que seria de mediação. Os anarquistas não são clandestinos, embora assinem manifestos com pseudônimos que remetem a um personagem coletivo, como é o caso de Luther Bisset. Mas eles possuem locais de encontro e organizam eventos públicos. Não dialogar é o mesmo que negar o papel das instituições políticas.

Um comentário:

Paulo Rocha disse...

Black Bloc não é uma prática dos "especificistas", pelo contrário os especificistas costumam criticar ações diretas como essa que em grande parte acabam por afastar a base das manifestações.
A tática do Bloc é primeiramente uma prática do autonomismo alemão mas que nos EUA é prontamente incorporado por anarquistas das mais diversas vertentes, principalmente por uma vertente que se auto-denomina "insurgencial"