segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre a Síria

Acabo de receber da Fundação Perseu Abramo, a entrevista que reproduzo abaixo de Kjeld Jakobsen. Conheci Kjeld quando fui assessor nacional da CUT. Era visível sua sólida formação e nunca percebi nenhum traço sectário ou "pragmático" (esta palavra que diz muito mais do que parece quando se tratando de sindicalismo). Foi secretário de relações internacionais da CUT e do município de São Paulo. Dirigiu o DIEESE e foi membro do conselho de administração da OIT, diretor da CIOSL (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres) e da ORIT (Organizaçaõ Regional Interamericana de Trabalhadores.
Há grande controvérsia envolvendo a guerra civil na Síria. Tema caro para mim, por dois motivos. O primeiro: minha avó paterna era filha de sírios e embora nunca tenha feito proselitismo árabe, não há como negar que o sangue falava mais alto em situações de tensão como a atual.
Em segundo lugar, não consigo justificar guerras, muito menos intervenções externas. Sei que é justificável a coibição de atos de covardia e violência contra a vida, independente dos valores culturais locais. Não há justificativa alguma para crianças serem mutiladas em nome da tradição. Muito menos, ataques e escravidão em função de diferenças étnicas.
Mas há algo de estranho na rapidez como as potências ocidentais (em especial) tomam decisões de ataque em nome da "democracia e dignidades individuais". Pior ainda quando o Conselho de Segurança da ONU (seja lá o grau de efetiva legitimidade mundial que tenha) se acautela e não avaliza o ataque.
Fica para você a leitura de Kjeld.

Na edição de hoje do Boletim de Conjuntura, publicamos uma entrevista exclusiva com Kjeld Jakobsen, consultor em assuntos internacionais e ex-secretário Municipal de Relações Internacionais de São Paulo, discutindo o conflito na Síria e o cenário geopolítico global por trás dele.
O conflito na Síria envolve diversos grupos políticos, étnicos e religiosos. O senhor poderia traçar um quadro de quais são os grupos que apoiam o governo e aqueles que tentam derrubar o governo no conflito atual?KJ: A religião que predomina na Síria é a islâmica e quase 80% dos sírios são sunitas e 20% alauítas. Há ainda um pequeno número de cristãos e outras religiões com poucos aderentes. Etnicamente há drusos, curdos e beduínos no país, entre outros grupos minoritários. A base partidária do governo autocrático, liderado por Bashar al Assad, é formada pelo Partido Baath (socialista e nacionalista) e o Partido Comunista. A elite governante se concentra em torno de famílias alauítas. Desta forma, a oposição é majoritariamente sunita, mas não é a religião que em princípio a inspira. Por exemplo, os curdos se opõem ao governo há muito tempo porque querem a independência do território que ocupam, assim como seus conterrâneos da Turquia, Iraque e Irã.
O fato é que os excluídos do poder querem participar do mesmo, embora possuam programas diferentes para isso.
O Estado sírio é um dos mais laicos do Oriente Médio e há setores da oposição que simplesmente querem instalar um Estado liberal em substituição à autocracia de Assad, enquanto o setor islâmico fundamentalista luta por um Estado teocrático governado pelas leis da Sharia.
Dentro de um quadro geopolítico complexo, o conflito da Síria pode acarretar outros confrontos, não apenas em países do oriente médio, mas também nas esferas diplomáticas entre as grandes potências (EUA, China e Rússia)?KJA dura repressão governamental às manifestações desde o início, em 2012, e as interferências externas que armaram os diversos grupos de oposição, inclusive introduzindo mercenários no país, acirraram o conflito transformando-o em guerra civil. Os principais apoios externos dos diferentes grupos oposicionistas, alguns ligados a Al Quaeda, partem das monarquias árabes da região como Arábia Saudita e Catar, além da Turquia e Israel que buscam hegemonia política na região; e potências ocidentais como Estados Unidos e países europeus. Entre estes se destaca a França, que no passado colonizou a Síria e o Líbano e ainda os considera como sua área de influência. O interesse árabe, israelense e das potências ocidentais em derrubar o governo sírio é destruir na região o “eixo xiita” composto pelo Irã, Síria, Hezbollah (no Líbano) e o Hamas (que controla a Faixa de Gaza), que até o momento impediram a consolidação do controle americano-turco-israelense-saudita do Oriente Médio.
De quebra, a mudança de regime na Síria também retiraria o único espaço russo no Mediterrâneo. E por isso, o maior apoio do governo sírio externo à região advém da Rússia que poderá se alinhar militarmente à Síria, no caso de um ataque americano, iniciativa prevista até poucos dias atrás devido ao suposto uso de armas químicas pelo governo sírio contra a oposição..
Por fim, vamos falar sobre as acusações de utilização de armas químicas pelo governo Sírio, que ainda podem levar os EUA a realizar um ataque contra instalações militares sírias. Há evidências incontroversas de que houve um ataque com utilização de armas químicas comandado pelo governo de Bashar al Assad? Recentemente, a Rússia sugeriu um acordo onde a Síria entregaria todas suas armas químicas e pararia de fabricá-las, caso os EUA não ataquem o país. Em sua opinião, os EUA aceitarão tal acordo ou apenas o utilizarão para ganhar tempo e mais apoio internacional para justificar um futuro ataque?KJNão há provas de que o governo sírio tenha lançado mão deste armamento e tampouco seria lógico que o houvesse feito, sendo possível que a responsabilidade caiba à oposição visando “forçar” uma intervenção armada desde o exterior, tendo em vista que o presidente dos EUA, Barack Obama, vem mencionando a existência de uma “linha vermelha”, isto é, o uso de armas químicas, que Bashar al Assad não poderia cruzar. Não há dúvida de que armas químicas foram utilizadas recentemente, mas não se sabe quem as detonou. Assim, diante da falta de apoios, interno e externo, Obama adiou o ataque por meio de mísseis sobre a Síria, em função de um acordo costurado pela Rússia que implica no desmantelamento do arsenal químico daquele país. Pelo menos por ora a guerra está descartada, e pelo acordo qualquer ataque em caso de descumprimento está condicionado a decisões do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas - ONU.

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