domingo, 6 de julho de 2008

Debatendo as esquerdas com Zander Navarro


Zander Navarro, que além de amigo já está se tornando colaborador (na prática) deste blog, envia um instigante comentário tendo como mote a nota abaixo (sobre movimentos sociais e governos progressistas na América Latina), de onde destaco as seguintes passagens:
"(a) há um fenômeno social mais profundo e de repercussões mais amplas (para mim o fator principal), que genericamente intitulo de "mercantilização da vida social", qual seja a captura de esferas crescentes da vida social, do cotidiano, das relações mantidas pelos cidadãos em todos os âmbitos, por mercados, alguns mais recentes, outros mais antigos que se tornaram mais profundos e amplos. (...) Quando entramos novamente em um ciclo de prosperidade, este processo de mercantilização foi notavelmente aprofundado, "enredando" os cidadãos, cada vez mais, em uma lógica monetarizada, de mercados e de cálculos econômicos, independentemente de situação social, classe ou até mesmo níveis de renda. (...) Tal processo tem amplas conseqüências, uma delas, apenas para ficar nesta, é também a "naturalização" da noção de propriedade privada, que a mercantilização implica necessariamente. Somente sob este aspecto, por exemplo, para não me estender mais, um ideário político de esquerda que proponha algo tão radicalmente contrário a tal tendência (como o discurso corriqueiro de "socialismo") já se apresentaria, cada vez mais, aos olhos de uma crescente maioria, como um anacronismo. Está nos faltando, claramente, uma "Sociologia do dinheiro";

(b) são mais do que evidentes os sinais de que existe uma "receita de administração" macroeconômica que é eficaz para manter o funcionamento satisfatório do sistema global. Desde o aperfeiçoamento de sistemas de comunicação que permitem a disseminação ilimitada dos investimentos, especialmente os especulativos, ao funcionamento (cada vez mais articulado) de um sistema de bancos centrais que tem mecanismos mais ou menos razoáveis de administração de crises. Os dados de longo prazo são eloqüentes quanto a este aspecto, embora a iminente crise global (elevação dos preços do barril de petróleo, e de alimentos), associada à incerteza dos impactos das mudanças climáticas, criará um contexto de teste para tal afirmação;

(c) neste sentido, o campo de ação de Estados nacionais não apenas diminuiu, como sabemos, mas cada vez é menos lógico, se o propósito for repetir o passado. Nem movimentos sociais e suas organizações, nem (ao que parece), os partidos de esquerda, parecem ter claramente entendido tal fato, pois não parecem ter disposição para tentar uma nova relação Estado-sociedade, que transfira, de fato, poder a setores da sociedade civil. O discurso de recentralização estatal, que ampara a ação e o ideário dos partidos progressistas que ganharam o poder na América Latina, nesses anos, segue claramente esta incapacidade de leitura dos tempos, talvez com a única exceção do Chile;

(d) assim, a crise crescente da "esquerda em geral" (...) a qual, ou não parece estar nem mesmo disposta mais a discutir seus impasses e simplesmente acomoda-se às estruturas estatais ou, quando muito, amplia o rol das políticas sociais, para dar um "tom de esquerda" ou ainda, o que é patético, aferra-se aos dogmas, quase bolorentos, de um discurso que parece destinado aos porões da arqueologia. Como, por exemplo, insistir em teorias conspiratórias quando o governo norte-americano (...);

(e) (...) Ou se aposta em um foco diferente ou corremos nós, aqueles à esquerda, o risco de virar piada planetária. Por isto tudo, julgo que existe uma única saída para a esquerda, a construção de uma agenda política centrada na radicalização democrática, com um significado político distinto da noção de democracia eleitoral ora hegemônica. (...) Mas a continuidade de tal debate mereceria muito mais discussão e aprofundamento. Sugiro, por fim, aos interessados em seguir uma parte deste debate (o foco econômico), a leitura de um economista de esquerda, Andrew Glyn e seu iluminador livro ("Capitalism Unleashed: Finance, Globalization, and Welfare").

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