domingo, 1 de maio de 2011

Minha entrevista para o IHU-UNISINOS

Como vê as políticas sociais brasileiras? O que elas revelam sobre o Brasil?
R: Nós iniciamos o governo Lula com a retomada da discussão sobre a focalização das políticas. Quem liderava esta discussão era o Ministério da Fazenda, tendo a frente o então ministro Palocci. No final da gestão Lula já havia uma mudança de 180 graus nesta concepção. Isto demonstra como esta área sofreu idas e vindas. O fato é que temos políticas de transferência de renda bem consolidadas, embora não sustentáveis financeiramente, porque o pacto desenvolvimentisa lulista se baseou na conciliação de interesses. Em outras palavras: as gestões Lula não alterou a política tributária regressiva, onde os mais ricos pagam menos, o que acabou gerando financiamento da transferência de renda entre assalariados, em especial, sugando recursos da classe B. Nas políticas sociais tradicionais - como educação, saúde, previdência - ainda estamos tateando num modelo a ser seguido. Na gestão Lula, para dar um exemplo, tivemos um embate para implantar a administração do SUS via OSCIPs. Felizmente as tentativas governamentais foram frustradas. Na educação, apenas com a aprovação do Plano Nacional da Educação, possivelmente em outubro deste ano, teremos uma política estratégica mais definida. Com a Lei de Responsabilidade Educacional, o PNE será efetivamente seguido.

Como o senhor avalia o discurso da presidente Dilma em relação à erradicação da pobreza e da miséria no país? As políticas sociais atuais indicam para este caminho de superação e seguridade social?
R: O que está debelando a pobreza no país é o aumento real do salário mínimo. Os estudos da FGV-RJ são conclusivos a respeito. O problema é político. A inclusão pelo consumo sempre foi motivador de emergência de pensamento conservador, como ocorreu nos EUA, nos anos 1950. A nova classe C é centrada na família, ressentida em função de seu passado, cínica politicamente (já que desconfia das autoridades públicas e de todos instrumentos de representação social), teme perder o status que atingiu recentemente. É algo muito distinto da inclusão pela política, que era a tônica do discurso petista na sua origem.

Por que no Brasil ainda não foi possível estabelecer um Estado de bem-estar social?
R: Não temos um Estado de Bem-Estar Social de tipo europeu porque não tivemos a relação sindicatos-partidos social-democratas que ocorreu com o fim do fascismo. Mas o lulismo esboçou um Welfare State e é esta a origem de sua imensa popularidade. Um modelo fordista, apoiado na concentração do orçamento público (ao redor de 60% de todo orçamento público do país se concentra na União), no financiamento do alto empresariado pelo BNDES, nas políticas de transferência de renda, no financiamento das entidades de representação de massas e na coalizão presidencialista (que vem eliminando os espaços da oposição). É hora de atentarmos para esta inovação. Procuramos a comparação com o exterior mas a novidade está justamente aqui.

Uma das principais causas da desigualdade social no Brasil é a má distribuição de renda. Como, nesse sentido, as políticas sociais podem garantir a seguridade social se a renda continua sendo mal distribuída?
R: Este é o impasse do lulismo. Ou adotamos a tributação progressiva, atingindo a manifestação de riqueza, ou continuamos com este dilema. O fato é que o lulismo é uma conciliação de interesses entre classes e grupos de interesse. Somente com forte afluxo de recursos externos ele se mantêm em pé. Caso contrário, algo deste pacto desenvolvimentista terá que ser quebrado: ou corte de crédito para os gastos populares (em especial, da classe C) ou a tributação progressiva. Quem sabe o uso do Fundo Social do Pré-Sal. Mas como está, dificilmente resistirá até o final da gestão Dilma.

Qual é a política social brasileira mais eficiente atualmente? Por quê?
R: É o aumento real do salário mínimo. O restante parece viver ainda uma formatação mais clara, de cunho estratégico. Não me parece que se tenha uma definição consolidada.

Por que, ao longo da história brasileira, se investiu em políticas sociais ao invés de se investir em mudanças estruturais?
R: Em virtude de uma estrutura estatal totalmente dominada por interesses privados, o que ainda ocorre. A tomada do Ministério do Trabalho pelas centrais sindicais e a posse de Jorge Gerdau como coordenador do Comitê de Gestão do governo federal são elementos que esboçam os contornos deste curso neocorporativo atual. Trata-se de um aggiornamento do que ocorre desde sempre no interior do Estado brasileiro. Os interesses se acomodam e não conseguimos formular políticas gerais, estratégicas.

Que avaliação faz dos primeiros meses do governo Dilma? O ajuste fiscal anunciado no inicio do governo pode prejudicar as políticas sociais do país?
R: Ainda não está claro qual o real ajuste fiscal que será promovido. Veja o caso das emendas parlamentares e cortes de obras em municípios. Após muita pressão inicial, o governo federal já anuncia que os cortes ocorrerão em julho (inicialmente teriam sido feitos em abril) ou dezembro! Ora, todos sabemos que a motivação eleitoral de 2012 envolve toda base aliada do governo federal. Vamos aguardar para ter uma noção mais clara deste possível corte.

Como a política econômica do governo se relaciona com as políticas públicas sociais?
R: É um conflito dos mais tensos. A situação é ainda mais interessante porque o Ministro da Fazenda é apontado como o avalista dos gastos (inclusive de promoção do consumo popular) no final do governo Lula e que provocaria parte dos cortes anunciados pelo governo Dilma. Enfim, já expus que o modelo lulista é uma trama de tipo neogetulista, neocorporativa. Ao tocar numa peça, altera todo balanço da engrenagem. E se anunciou corte de gastos para conter a inflação. Percebe que há vários discursos no interior do governo? Do desenvolvimentismo a uma espécie de Estado Gerencial acanhado?

A política econômica embasada no consumo tem que implicações na busca da igualdade e da seguridade social?
R: Inicialmente sim. E numa lógica desenvolvimentista baseada no fortalecimento do mercado interno (lógica fordista, diga-se de passagem) que sempre esteve no discurso petista. A questão é que esta inclusão pelo consumo gerou uma forte mudança na composição dos segmentos formadores de opinião (de classe B para classe C) e um estoque de eleitores a ser mantido ou conquistado. O texto recente de FHC sugere este tema, mas a pesquisa do DATAFOLHA que se seguiu ao artigo revelou que o PT é o partido preferido pelos emergentes. Enfim, o que estou procurando sugerir é que a intenção inicial acabou por se transmutar em interesse político. O financiamento do consumo da nova Classe C é, hoje, um fator essencial para o crescimento do PT, inclusive nos territórios dominados até aqui pela oposição, como São Paulo e Minas Gerais.

Como o senhor compreende o reajuste do salário mínimo no início do ano? A política adotada contribui para chegarmos a igualdade social?
R: A questão central é como mantemos e damos sustentabilidade para este aumento real do salário mínimo, assim como as aposentadorias. Porque este ano já tivemos uma ilustração das contradições internas do modelo lulista, quando o governo federal tentava diminuir o ciclo de consumo de massas e as centrais sindicais pressionavam pelo que consideram um direito histórico. O próprio governo se debateu com suas contradições.

Alguns economistas defendem que surgiu uma nova classe média no Brasil, a qual tem mais poder de compra. O acesso a bens de consumo nos levará ao desenvolvimento?
R: Este foi o caminho adotado pelo New Deal. Estamos apenas atualizando este modelito desenvolvimentista. O petismo prometia a inclusão pela política e pelo direito. Mas o lulismo construiu a inclusão pelo consumo, atrelada à tutela estatal. A projeção que se faz é que em 2014, se continuarmos com a mesma velocidade de inclusão (ascensão social e crescimento da classe C), seremos o quinta mercado consumidor do mundo, abaixo apenas dos EUA, China, Alemanha e Japão. Imagine o que esta projeção atrai de investimentos externos no Brasil! A questão, então, é que cresceremos economicamente. Mas politicamente podemos estar criando um gigantismo estatal e a tutela política da nossa sociedade.

Como o Brasil tenta fazer a inclusão social e garantir democratização da democracia?
R: O lulismo abandonou a tarefa de democratizar nossa democracia. Ao contrário, vem cerceando os espaços da oposição e diminuindo os espaços de competição partidária. Abandonou todas iniciativas de controle social, mesmo as que iniciou timidamente em 2003 (caso das audiências públicas do Plano Plurianual ou o Talher do programa Fome Zero). O pragmatismo político e o centralismo falaram mais alto.

3 comentários:

SENÔ BEZERRA disse...

Na verdade Rudá esse negócio todo é uma coisa tipo Frankstein,tudo remendado sem um direcionamento claro e sólido.É algo mimético e sujeito a transmutações velozes. Isso é um grande tabuleiro de xadrez sujeito a lances impressionantes e inesperados.

Paulo Markes disse...

A frase segundo qual o governo petista" vem cerceando os espaços da oposição e diminuindo os espaços de competição partidária" é baseada em qual elemento concreto? Com todo respeito, não vejo nenhum dado da realidade que sustente essa afirmação

Rudá Ricci disse...

Paulo,
Nunca escrevo algo que não tenha absoluta certeza. Conversei, nos últimos dias, com deputados petistas, assessores de ministros, prefeitos petistas e dirigentes do PT. Fui dirigente do PT e tenho uma boa rede de relações. Confie em mim. Obviamente que não vou entrar em muitos detalhes. Mas posso adiantar um dado: cada vereador do PSDB que saiu do partido na cidade de São Paulo conquistou (cada um) 80 cargos públicos para indicar quem desejasse. E não foi só.
Aliás, uma dica: você acha mesmo que operador político dá sinais públicos de ataque? Você acha que avisa pela imprensa?