Pois bem, vejam a carta que a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil enviou ao MEC:
Carta Aberta ao Exmo. Ministro da Educação do Brasil
Sr. Fernando Haddad
Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2010.
Assunto: Parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato
A FNLIJ, desde 1968, trabalha em prol da divulgação de livros de qualidade, e em particular livros de literatura, defendendo o direito ao seu acesso para todas as crianças e jovens. É a seção brasileira do International Board on Books for Young People-IBBY. Desde 1974, analisa e premia os melhores livros publicados no Brasil, sendo responsável pelas indicações vitoriosas de Lygia Bojunga, em 1982 e de Ana Maria Machado, em 2000, para o Prêmio Hans Christian Andersen do IBBY, o mais importante prêmio internacional para autores de literatura infantil e juvenil.
Também em 1974 promoveu, com a ajuda do então Ministério da Educação e Cultura, o 14º Congresso Bienal do IBBY realizado pela primeira vez fora do hemisfério norte.
Por acreditar na necessidade e na importância da presença da literatura na vida das crianças, criou, em 1982, em parceria com a Fundação Roberto Marinho e com o patrocínio do laboratório Hoescht o primeiro programa brasileiro de distribuição gratuita de livros de literatura para escolas públicas do país e, pelo mérito do projeto, recebeu o Prêmio de Alfabetização da UNESCO.
O compromisso histórico da FNLIJ com a importância da leitura literária e as quatro décadas de história institucional é o que nos faz apresentar-lhe o nosso posicionamento quanto ao parecer do Conselho Nacional de Educação – CNE a respeito do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, cuja homologação está em suas mãos. O parecer considerou a obra racista por trechos que fazem referência à personagem Tia Nastácia e aos animais, aconselhando que o livro somente seja lido por crianças na escola com a preparação prévia de professores ou se o livro tiver nota explicativa sobre o contexto histórico em que foi escrito.
Desnecessário falar da importância da obra de Monteiro Lobato na formação cultural brasileira, na certeza de ser o senhor um leitor de suas obras.
Se por um lado o uso do politicamente correto contribuiu para alertar para modos e maneiras de agir e falar que podem revelar preconceito ou discriminação; por outro, transformou-se, por parte de algumas pessoas e grupos que fazem uso indiscriminado e generalizado de seu conceito, em outra forma de preconceito e de censura, desrespeitando a liberdade de expressão, principalmente em obras de arte como é o caso da literatura.
A sugestão do CNE de que o livro só poderá ser usado na escola por professores que tenham um determinado tipo de conhecimento revela preconceito quanto à capacidade profissional dos professores, julgando-os incapazes de orientar o processo de interpretação e leitura dos seus alunos.
Ao atribuir pré-condições para leitura dos livros de Lobato, o parecer fere o princípio de liberdade de ler o que se deseja, pelo qual tanto lutamos e que está consolidado na Constituição Brasileira.
É muito perigoso o caminho de que a leitura de literatura deva estar sob a orientação dada por um determinado grupo que defende a sua própria leitura do texto, quando os estudos sobre a leitura e suas áreas de interface valorizam a interpretação de cada leitor.
Um dos mais graves problemas na formação de leitores nas escolas é a utilização da literatura com função didática. A literatura, como expressão artística, deve ser lida com total liberdade e sem uso didático, que afasta crianças e jovens da leitura.
Nosso espanto e repúdio ao parecer do CNE sobre a obra de Lobato não se restringe somente a ela, mas ao ato gravíssimo de censura que a sua homologação representará para a formação de leitores críticos e livres, base para uma sociedade solidária e mais justa.
Pela imprensa tivemos conhecimento de que o senhor irá consultar autores e especialistas para poder deliberar sobre o assunto e que espera fazê-lo com o cuidado que a matéria exige. Contando com seu compromisso democrático como educador e cidadão e pela importância do cargo que ocupa como Ministro da Educação do Brasil, esperamos, sinceramente, que o senhor defenda o valor da literatura como bem inestimável da cultura humana, não homologando o parecer do CNE.
Atenciosamente,
Elizabeth D’ Angelo Serra
Secretária Geral da FNLIJ
Gisela Zincone
Conselho Diretor – Presidente
Laura Sandroni
Conselho Curador
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